Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Mauricio Biscaia Veiga (Udesc)

Minicurrículo

    Doutorando em História, pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Mestre em Estética e História da Arte, pela Universidade de São Paulo (USP), 2013. Pesquisador das áreas de História e Cinema e História do Cinema Brasileiro, atualmente com foco na produção cinematográfica/audiovisual realizada em Santa Catarina.

Ficha do Trabalho

Título

    Férias no Sul (1967) e a reinvenção da Blumenau germânica

Formato

    Presencial

Resumo

    Em 1967 foi lançado Férias no Sul, longa-metragem dirigido pelo cineasta mato-grossense Reynaldo Paes de Barros. O filme é um romance cuja maior peculiaridade é o cenário pouco usual no cinema brasileiro: Blumenau, em Santa Catarina, conhecida nacionalmente como uma cidade marcada culturalmente pela imigração alemã. O presente trabalho analisa as representações da cidade no filme, apontando como o mesmo teria contribuído para criar a imagem turística de uma Blumenau germânica.

Resumo expandido

    Se nos anos 1960 os cineastas do Cinema Novo voltaram seus olhos para o sertão nordestino para a construção de um autêntica estética cinematográfica nacional que representasse as dificuldades do povo brasileiro, o diretor estreante Reynaldo Paes de Barros, que estivera também ligado ao Cinema Novo, atuando na direção de fotografia de Menino de Engenho (1964), elegeu o sul do país, especificamente a cidade de Blumenau, como cenário para seu primeiro filme como diretor, mostrando um lugar diferente do que se entendia como representativo de uma identidade nacional brasileira. Férias no Sul, de 1967, filmado em P&B e em 35mm, é um raro documento histórico visual sobre Blumenau, bastante peculiar no cinema brasileiro do período, por sua locação e pela representação de uma região de colonização alemã. O filme é um romance protagonizado por David Cardoso Júnior, mais tarde grande ícone da Boca do Lixo, sendo sua primeira atuação como protagonista, no papel de Celso, um universitário paulista que vai passar as férias em Blumenau, onde acaba se envolvendo concomitantemente com duas mulheres. Paes de Barros afirmara em entrevista, à época, que pretendia fazer um documentário sobre a influência da cultura alemã em Blumenau, tendo então optado pelo longa ficcional por ser mais viável comercialmente. Deste modo, podemos entender que o enredo, que poderia ser encenado em qualquer outro lugar, acaba servindo de pretexto para se mostrar a cidade e sua cultura, visto que ao longo do filme Celso vai explorando a cidade, sendo mostradas imagens de vários lugares de Blumenau, numa perspectiva semidocumental. A partir disso, com base nas metodologias propostas por Morettin (2011) e Napolitano (2021), de analisar um filme como documento histórico a partir de seus elementos estéticos e narrativos próprios, e por Pinto (2013), sobre a construção de imaginários a respeito de uma cidade pelo cinema, podemos nos questionar que discursos e imaginários são construídos por Paes de Barros sobre Blumenau em Férias no Sul. Através da análise, pode-se perceber que o olhar construído sobre a cidade é externo a ela, uma vez que é vista por um visitante do sudeste brasileiro em férias, criando assim um olhar turístico, focando-se apenas em características mais marcantes, além de incorporar a narrativa histórica local hegemônica de enaltecimento à colonização alemã. A cidade é então mostrada com certo exotismo, e se apropriando do imaginário de um Sul “desenvolvido”, em oposição a um Nordeste “atrasado” amplamente representado em outros filmes do período. Além disso, traz também um olhar machista, que olha para as mulheres “loiras de olhos azuis” de forma sexualizada, podendo até mesmo ser interpretado como uma apologia a um turismo sexual. Para além destas questões, a Blumenau vista no filme é uma cidade em processo de modernização, característico dos projetos nacionais-desenvolvimentistas da época, mas que se mantem ligada a suas raízes culturais. Entretanto, defendo aqui que ao olharmos para campanhas turísticas atuais de Blumenau, as imagens que reforçam a ideia de manutenção das tradições alemãs são muito mais presentes do que no filme, uma vez que o mesmo teria sido um dos precursores na construção destas imagens como produto turístico. Pois, se a campanha de nacionalização promovida por Getúlio Vargas durante o Estado Novo havia buscado apagar os traços da colonização alemã, forçando a incorporação de imigrantes e descendentes à cultura brasileira, na Blumenau dos anos 1960, a cultura alemã já havia sido diluída, mantendo apenas traços culturais dispersos daquilo que havia sido até três décadas antes. Como demonstra Flores (1997), seria somente a partir do final daquela década, e com grande força nos anos 1970 e 1980 que Blumenau começaria a investir na criação da imagem turística de cidade germânica. Focando-se no que restava da cultura alemã, Férias no Sul nos mostra assim uma cidade que ainda não existia, mas que estava prestes a ser inventada.

Bibliografia

    FLORES, Maria Bernadete Ramos. Oktoberfest: Turismo, festa e cultura na estação do chopp. Florianópolis: Letras contemporâneas, 1997.

    MORETTIN, Eduardo V. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. In: CAPELATO, M. H, MORETTIN, E., NAPOLITANO, M. e SALIBA, E. T. (Orgs.). História e Cinema. São Paulo: Alameda, 2011.

    NAPOLITANO, Marcos. Variáveis do filme histórico ficcional e o debate sobre a escritura fílmica da história. História: Questões & Debates. Curitiba, v. 70, n. 1, p. 12-44, jan./jun. 2022.

    PAES DE BARROS, Reynaldo. Férias no Sul – Entrevista. Jornal Mensageiro Artex. Blumenau, Jan. 1967. Disponível em https://adalbertoday.blogspot.com/2012/03/entrevista-sobre-filme-ferias-no-sul.html. Acesso em 20 mar. 2024.

    PINTO, Carlos Eduardo Pinto de. Imaginar a cidade real: O Cinema Novo e a representação da modernidade urbana carioca (1955 – 1970). Tese (Doutorado em História). UFF, Niterói, 2013.