Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Luis Felipe Gurgel Ribeiro Labaki (PPGMPA-ECA-USP)

Minicurrículo

    Luis Felipe Labaki é doutorando no PPGMPA-ECA-USP, sob orientação de Eduardo Victorio Morettin. É organizador e tradutor de “Cine-Olho: manifestos, projetos e outros escritos” (Editora 34, 2022), coletânea de textos de Dziga Viértov. Sua pesquisa atual, desenvolvida com apoio de bolsa Fapesp, é dedicada aos cadernos de trabalho e diários do cineasta. Entre 2023 e 2024, realizou estágio de pesquisa (BEPE) na Université Sorbonne Nouvelle (Paris 3), sob supervisão de Valérie Pozner.

Ficha do Trabalho

Título

    Operadores: Serafino Gubbio, “O homem com a câmera”, “O olho de vidro”

Seminário

    Cinema Comparado

Formato

    Presencial

Resumo

    À luz de notas manuscritas de Dziga Viértov, proponho aprofundar paralelos já apontados por Francesco Casetti entre o “homem com a câmera” soviético e o herói de “Cadernos de Serafino Gubbio, operador” (1916, de Luigi Pirandello), ambos personagens frustrados com o cinema ficcional. A tensão entre duas visões de cinema, por sua vez, marca também “O olho de vidro” (1929, dir. Lília Brik, Vitáli Jemtchújni), que Viértov afirmaria ter incorporado materiais da primeira versão inacabada de seu filme.

Resumo expandido

    No romance “Rodando! Cadernos de Serafino Gubbio, operador” (1916-1925), de Luigi Pirandello, um operador cinematográfico expressa repetidas vezes sua frustração com o trabalho na produtora de filmes ficcionais Kosmograph. Perguntando-se como seria se sua “profissão fosse destinada somente […] ao intento de apresentar aos homens o espetáculo engraçado dos seus atos impensados, a visão imediata das suas paixões, da sua vida assim como é”, Gubbio anseia pela oportunidade de escapar do enclausuramento do estúdio.

    Parece pouco provável que Dziga Viértov tenha tido contato com o texto, mas as primeiras versões do roteiro preliminar de “O homem com a câmera” (1929), escritas pelo cineasta em seus cadernos entre 1927 e 1928, guardam semelhanças notáveis com a obra de Pirandello. Se o filme tal como foi realizado já inspira aproximações, tais como as feitas por Francesco Casetti (2008), o contato com os manuscritos de Viértov nos permite aprofundar alguns paralelos, sobretudo no que diz respeito a dois elementos: a trajetória narrativa do personagem do operador e a oposição entre duas formas do fazer cinematográfico.

    Rascunhos, documentos da produção do filme e mesmo uma matéria publicada pela revista ucraniana “Kinó” apontam que Viértov teria registrado os bastidores de uma filmagem ficcional no estúdio VUFKU. De fato, algumas de suas sinopses e esboços se iniciam no “mundo de faz-de-conta” de um set de filmagem cujo ilusionismo seria rompido pela partida do operador insatisfeito rumo à “vida real”. Haveria ainda certa progressão dramática deste personagem, que partiria de férias e, “distante do turbilhão da cidade”, conseguiria realizar “seu mais antigo sonho: de maneira ponderada, sem pressa, observar seus arredores; treinar a observação dos fenômenos que o rodeiam”. Aperfeiçoando-se progressivamente por meio de “alegres cine-exercícios”, ele por fim retornaria à cidade, mais apto a registrar a “vida fervilhante” (RGALI, f. 2091, op. 2, ed. khr. 236, l.30-31ob.).

    E, no entanto, a trajetória do operador e a comparação explícita entre o arsenal de técnicas de filmagem em estúdio e a dinâmica de captação nas ruas acabariam abandonados ao longo do processo de realização de “O homem com a câmera”. Assim, apesar de sua presença constante no filme, o cinegrafista Mikhail Kaufman – dividido entre captação de imagens e performance diante das lentes – é uma figura “estável”, atuando essencialmente como elemento de ligação. Da mesma forma, a crítica ao cinema ficcional torna-se mais circunscrita, aparecendo sobretudo no uso irônico de cartazes de filmes vistos nas ruas das cidades.

    A oposição entre as duas formas de produção pode ser encontrada, porém, em outro filme soviético do mesmo período. “O olho de vidro” (1929), de Lília Brik e Vitáli Jemtchújni é “em parte um filme de compilação sobre as possibilidades técnicas da câmera-olho (o olho de vidro) e, em parte, um mockumentary sobre a filmagem de um drama cinematográfico” (HEFTBERGER, 2018). Produzido em paralelo a “O homem com a câmera”, o filme de Brik e Jemtchújni difere de Viértov em termos de estilo e linguagem cinematográfica, mas há entre eles uma série de coincidências conceituais e materiais. Se seus créditos iniciais informam que foram usados planos de “Moscou” (1927, dir. Mikhail Kaufman e Iliá Kopálin), Viértov diria que teriam sido incorporados também materiais da primeira versão inacabada de “O homem com a câmera”, interrompida no início de 1927. Já a sequência de meta-encenação ficcional concentra paralelos entre as três obras aqui citadas. O cinegrafista Anatóli Golovniá “interpreta” um operador que, assim como Serafino Gubbio, gira enfastiado sua manivela diante de uma cena de romance em um set, enquanto nos são revelados os bastidores da produção: uma máquina de vento, jatos d’água, lágrimas aplicadas nos olhos de uma atriz e um beijo final. Todos elementos, por sua vez, presentes nos rascunhos de Viértov para sua própria sequência de trabalho no estúdio.

Bibliografia

    CASETTI, Francesco. Eye of the Century: Film, Experience, Modernity. Nova York: Columbia University Press, 2008.
    Heftberger, Adelheid. “Stekliannyi Glaz (The Glass Eye) and Karmen – The Actress, Editor and Director Lilia Brik”. Apparatus. Film, Media and Digital Cultures of Central and Eastern Europe, no. 6, 2018.
    KAUFMAN, Nikolai. “Búria i guíbel korabliá”. Soviétski ekrán, 1928, nº41, p.8.
    LISTA, Giovanni. Le cinéma futuriste. Éditions Paris Expérimental. Paris: 2008.
    PIRANDELLO, Luigi. Cadernos de Serafino Gubbio operador. Petrópolis: Editora Vozes, 1990.
    UCHAKÓV, Mik. “Na Odéskyi Fábrytsi”. Kinó, nº10, 1º de outubro de 1928.
    VIÉRTOV, Dziga; DERIÁBIN, Aleksándr (org.). Dziga Viértov. Iz Nasliêdia. Tom 1. Dramaturguítcheski Ópyty. Moscou: Eisenstein-Tsentr, 2004.
    _______________; ICHÊSVKAIA, Svetlana (org.); KRUJKÔVA, Dária (org.). Dziga Viértov. Iz Nasliêdia. Tom 2. Statí i Vystupliênia. Moscou: Eisenstein-Tsentr, 2008.
    _______________. RGALI, f. 2091, op. 2, ed. khr. 236–238.