Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    ANA PAULA VERAS CAMURÇA VIEIRA (UFC)

Minicurrículo

    Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFC (PPGCom | UFC), na linha Fotografia e Audiovisual. Realizou parte de sua pesquisa doutoral Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3, com bolsa PDSE. Mestre em Artes (PPGArtes ICA | UFC), na linha Arte e Pensamento, e graduada em Cinema e Audiovisual (UFC). Integrante do Laboratório de Estudos e Experimentação em Audiovisual (LEEA-UFC).

Ficha do Trabalho

Título

    Entrelaçamentos especulativos no cinema cearense contemporâneo

Formato

    Presencial

Resumo

    Os saberes SF de Donna Haraway revelam um movimento de contingência relacional que orienta nossa aproximação com os filmes, transcendendo uma classificação cinematográfica e apresentando a ficção especulativa enquanto prática multifacetada. Proponho analisar três filmes cearenses -Tremor iê, Boca de Loba e Espavento- que, por meio de seus entrelaçamentos especulativos, revelam a existência de corpos dissidentes e colaboram com a constituição de discursos contra-hegemônicos na invenção da cidade.

Resumo expandido

    Os saberes SF de Donna Haraway (2023) nos ajudam a compreender como o pensamento e os conceitos são tomados por um movimento contínuo de entrelaçamento e transformação. Essa infindável contingência relacional defendida por Haraway caracteriza uma dimensão especulativa que nos interessa em nossa aproximação com os filmes. Não se trata necessariamente de uma possível classificação de gênero cinematográfico, mas da configuração de uma prática que atravessa as imagens, imaginando e explorando narrativas, espaços ou cenários que vão além das normas estabelecidas e dos pressupostos convencionais. Em outras palavras, a ficção especulativa nos filmes constitui-se como um “um modo de atenção, uma teoria da história, uma prática de mundificação” (HARAWAY, 2023, p. 209).

    Nesse contexto, o gesto epistemológico de Donna Haraway em torno dos saberes SF compreende três significados distintos que marcam nossa aproximação com o espaço de especulação que atravessa os filmes. Inicialmente, SF é um modo de buscar caminhos em uma paisagem desconhecida: “tento rastrear os fios e segui-los até onde eles conduzem, a fim de encontrar seus padrões e emaranhados cruciais” (HARAWAY, 2023, p.15). No entanto, SF não caracteriza apenas um modo de rastreio ou uma representação, mas a coisa em si, o padrão e a assembléia que demandam resposta (HARAWAY, 2023, p.15). Além disso, SF é também jogo, erro, continuidade e difusão, constituindo um “devir-com reciprocamente em retransmissões surpreendentes” (HARAWAY, 2023, p.15). Assim como as linhas dos saberes SF, a dimensão especulativa nos filmes é constituída pela possibilidade que as imagens trazem de tecer padrões ou composições arriscadas, de configurarem um modo de investigação e descoberta de espaços e de suas possíveis interconexões. Nesse sentido, as imagens não apenas representam a complexidade das relações, mas carregam em si o próprio gesto como uma prática a ser compreendida. Finalmente, a dimensão especulativa nos filmes constitui-se como um lugar de movimento dinâmico, onde as imagens fazem parte de um jogo de fazer e desfazer, trazendo um olhar atento às mudanças e às estratégias de passar e receber.

    Sob essa perspectiva, proponho a análise de três filmes que, a partir de seus entrelaçamentos especulativos, revelam corpos e territórios dissidentes e fornecem lampejos para a constituição de discursos contra-hegemônicos na invenção da cidade. São eles: Tremor iê (2019), de Lívia de Paiva e Elena Meirelles; Boca de Loba (2018), de Bárbara Cabeça; e Espavento (2019), de Ana Francelino. Em Tremor iê, acompanhamos o percurso de um grupo de mulheres que se unem para resistir a violência de uma cidade erguida sob a dominação higienista e machista. Em Boca de Loba, testemunhamos a insurgência de forças femininas pelas ruas da cidade e a convocação de um “espírito selvagem urbano” para redistribuir a violência (MOMBAÇA, 2016). Já em Espavento, a trama traz a luta contra uma grande corporação da construção civil, responsável por epidemia misteriosa que ameaça a vida na cidade em um futuro possível.

    Nosso objetivo é pensar, junto aos filmes, como essa dimensão especulativa enquanto espaço de entrelaçamento faz convergir, interagir e entrelaçar diferentes elementos e contextos que buscam se desvincular do Entendimento moderno (FERREIRA DA SILVA, 2019) em seus modos de invenção do espaço. Trata-se menos da exploração de mundos imaginários distantes ou paisagens distópicas premonitórias do que de um método político de engajamento, onde é possível redesenhar as possibilidades de existência no agora. Movimentos de resistência, corpos desviantes, colapsos ambientais, violências sistêmicas, governos autoritários e realidades paralelas são alguns dos fios presentes na trama mais ampla de especulação que atravessa os filmes e parecem contribuir para a tessitura de outros possíveis.

Bibliografia

    ALMEIDA, Ana Caroline de. Cidades-gestos em melancolia: o cinema brasileiro dos anos 2010 entre vibrações de desejos e traumas urbanos. Tese de doutorado. UFPE, Recife, 2020.

    ALMEIDA, Rodrigo; MOURA, Luís Fernando (org.). Brasil distópico. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2017.

    DA SILVA, Denise Ferreira da. Sobre diferença sem separabilidade. 32ª Bienal de São Paulo.

    GADELHA, José J. Abertura para o vasto mundo: um adeus à realidade espectral e um chamado além da imaginação real. Revista Eletrônica Interações Sociais – REIS,v. 4, n. 2. 2020: Dossiê “Estratégias Decoloniais; perspectivas antirracistas e contrahegemônicas”.

    HARAWAY, Donna. SF: Science Fiction, Speculative Fabulation, String Figures, So Far. Ada: A Journal of Gender, New Media, and Technology, No.3, 2013.

    ________________. Ficar com o problema: fazer parentes do Chthluceno; traduzido por Ana Luiza Braga. São Paulo : n-1 edições, 2023, 364 p.

    MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.