Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Rodrigo Carreiro (UFPE)

Minicurrículo

    Rodrigo Carreiro é professor do PPGCOM da Universidade Federal de Pernambuco e bolsista de produtividade de pesquisa do CNPq. Tem mestrado e doutorado pela UFPE, além de pós-doutorado na Universidade Federal Fluminense (RJ). Publicou oito livros e mais de 50 artigos acadêmicos.

Coautor

    Filipe Tavares Falcão Maciel (Unicap)

Ficha do Trabalho

Título

    Azougue Nazaré e o horror da intolerância religiosa

Seminário

    Estudos do insólito e do horror no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta comunicação propõe uma leitura de ordem social do filme Azougue Nazaré (Tiago Melo, 2018), que utiliza elementos fantásticos a partir do folclore regional como metáfora para criticar a intolerância religiosa no Brasil contemporâneo. A análise do filme articula convenções do cinema de horror com os choques socioculturais provocados pela ascensão de uma religiosidade agressiva e intolerante, de matriz conservadora.

Resumo expandido

    Esta comunicação propõe uma leitura de ordem social do filme Azougue Nazaré (Tiago Melo, 2018), que utiliza elementos fantásticos a partir do folclore regional como metáfora para criticar a intolerância religiosa no Brasil contemporâneo. Trata-se de um microcosmo do fundamentalismo evangélico que tem se tornado, nos últimos 10 anos, ponto de partida de cisões sociais turbulentas. A análise do filme articula convenções do cinema de horror com os choques socioculturais provocados pela ascensão de uma religiosidade agressiva e intolerante, de matriz conservadora.

    O filme acompanha o casal Catita (Valmir do Côco) e Darlene (Joana Gatis), que vive em uma casa isolada, nos arredores da pequena cidade de Nazaré da Mata, considerada um dos berços do maracatu em Pernambuco. Além do eixo narrativo principal, Azougue Nazaré desenvolve pequenas histórias paralelas que dialogam com convenções do horror brasileiro, em especial a presença de um pai de santo que faz um pacto com caboclos de lança da região. Estes ingerem uma bebida mística chamada azougue, incorporam espíritos e cometem assassinatos, gerando um clima de insegurança em Nazaré da Mata.

    As cenas com os caboclos tomados por entidades trabalham com direção de fotografia soturna, de chave escura, e uma utilização criativa de planos fechados e ângulos holandeses, que acentuam a atmosfera de mistério e no suspense. A utilização do cenário da cidade de Nazaré da Mata também é utilizada de modo a destacar convenções do horror: cidade pequena, ruas desertas e casas isoladas. Em meio à trama, o mistério de assassinatos ou pessoas que desaparecem.

    No filme, que se passa nos dias que antecedem a festa de Carnaval, Catita, que se apresenta numa nação de maracatu, passa a ser criticado de forma severa pela esposa, evangélica, que não aceita o estilo de vida do marido. Darlene enxerga Catita como um pecador, por participar das celebrações de maracatu. A mulher está sob a influência do pastor evangélico local (Mestre Barachinha), um ex-participante de maracatu, que após converter-se à religião evangélica, passou a abominar a celebração afrocultural.

    Azougue Nazaré dialoga com uma tendência importante do horror contemporâneo, no qual filmes usam convenções do horror para explorar uma gama de emoções que incluem tensão, insegurança e medo, em filmes que não se enquadram necessariamente na tradição histórica do gênero. Esse fenômeno sublinha a contínua reinvenção do horror ao longo da história do cinema e confirma a observação de Steve Neale de que os gêneros cinematográficos são entidades em constante evolução, moldadas por uma complexa interação entre espectadores, críticos, cineastas e estúdios (NEALE, 2000, p. 26).

    Atualmente, é comum encontrar filmes que se valem de recursos narrativos e estilísticos do horror para analisar e criticar as múltiplas crises do contemporâneo: políticas, econômicas, ambientais, migratórias, de gênero, raça e religião, entre outras. Esses filmes exploram atmosferas carregadas de tensão e medo, sem depender de elementos como monstros ou criaturas sobrenaturais (no caso de Azougue Nazaré, o filme convenções estilísticas para dar à figura folclórica do caboclo de lança numa entidade maligna). Em vez disso, expõe tensões sociais, conflitos de valores culturais e/ou incorporam elementos do imaginário fantástico para construir paisagens audiovisuais que privilegiam a experiência sensorial.

    Nos filmes que seguem essa corrente, o elemento insólito ou sobrenatural desempenha o papel de catalisador em narrativas que abordam questões biopolíticas e socioculturais do século XXI. Estas narrativas metaforizam problemas globais de grande escala, como migração, maternidade, preconceitos relacionados à sexualidade, religião e gênero, racismo e fundamentalismo. Em Azougue Nazaré, a mise-en-scène transmite uma sensação de casualidade, conduzindo a narrativa em um ritmo lento que sugere instabilidade, criando a impressão de que tudo pode ruir a qualquer momento.

Bibliografia

    ELSAESSER, Thomas. World Cinema: Realism, Evidence, Presence. In: NAGIB, Lucia; MELLO, Cecília (orgs.). Realism and the audiovisual media.London: Palgrave Macmillan, 2009.pp. 3-19.

    MARKS, Laura. The skin of thefilm: intercultural cinema, embodiment, and the senses. Durham: Duke University Press, 1999.

    NEALE, Steve. Genre and Hollywood. London: Routledge, 2000.

    KELLNER, Douglas. A cultura e a mídia. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1995.

    WELLS, Paul. The horror genre: from Beelzebub to Blair Witch. New York: Wallflower Press, 2000.

    KING, Stephen. Dança macabra. Rio de Janeiro: Editora objetiva, 1981.

    NEWMAN, Kim. Nightmare movies. London: Bloomsbury, 2011.

    PENNER, Jonathan; SCHNEIDER, Steven Jay. Horror cinema. Los Angeles: Taschen, 2012.