Ficha do Proponente
Proponente
- Guilherme Augusto Bonini (UNESP – FCL/Ar)
Minicurrículo
- Doutorando em Estudos Literários pela UNESP – FCL/ Campus de Araraquara, mestre em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos. É diretor, roteirista e montador na produtora de filmes independentes Bonini Filmes. Atua no cruzamento entre o cinema, videoarte, teatro e fotografia, premiado com obras exibidas no Brasil, Europa, Ásia e EUA.
Ficha do Trabalho
Título
- O som gótico: o silêncio como ferramenta do medo em Os Outros (2001)
Seminário
- Estilo e som no audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Esta comunicação investiga o uso do silêncio como ferramenta de efeito estético do medo, como parte da composição sonora de Os Outros (2001). A partir de análise de cenas, busca-se compreender o estilo cinematográfico de Alejandro Amenábar, para pensar no modo como o diretor constrói um discurso particular de cinema, que alinha as convenções narrativas góticas, propondo sentidos para além da sua significação comum.
Resumo expandido
- Esta comunicação investiga o uso do silêncio como ferramenta de efeito estético do medo, como parte da construção do som de Os Outros (2001). Escrito, dirigido e com a composição musical de Alejandro Amenábar, o filme propõe um discurso que alinha às convenções narrativas góticas, capaz de produzir sensações diversas no espectador. O enredo conta a história de Grace (Nicole Kidman), uma mãe que, junto dos filhos, Anne (Alakina Mann) e Nicholas (James Bentley), mora numa isolada mansão na ilha inglesa de Jersey, esperando o marido e pai Charles (Christopher Eccleston) retornar no fim da Segunda Guerra. De maneira silenciosa, a família vive entre estranhas regras opressivas e religiosas, devido a fotossensibilidade dos filhos, que correm risco de vida na exposição solar. Ao chegar um trio de empregados, ambos passam por consequências inesperadas com o surgimento de fenômenos sobrenaturais. Através dos códigos cinematográficos, a narratologia da obra expressa um “desver” do silêncio como forma fílmica, por sua inventividade estética, capaz de explorar os limites do que não é dito ou ouvido, numa experiência sensorial única, que produz o efeito do medo no espectador. Nesta proposta, buscamos observar os recursos técnicos empregados, para pensar nas decisões criativas do diretor, onde até mesmo o vazio sonoro se torna arrepiante. Reflexões que possibilitam sentidos para além de seu conteúdo semântico, como o uso do silêncio de maneira a redirecionar as expectativas do público, criando tensão e forçando a concentração na tela (BORDWELL, 2013). Assim como, por ruídos tênues, em que os personagens percebem a existência de possíveis intrusos fantasmagóricos, a sonorização silenciosa gerada, inicialmente, é associada à calmaria e então, ela contextualiza uma preparação à uma sequência barulhenta a seguir (CHION, 2008). Dessa forma, uma atmosfera é construída, engendrando o efeito do medo (LOVECRAFT, 1987). Aos sentidos de significação do silêncio no discurso fílmico, contemplamos os elementos estruturais do gótico (FRANÇA, 2022), a fim de identificar o locus horribilis em relação ao espaço, em que o silêncio destaca os ruídos, que afetam o caráter e as ações dos personagens, provocando no público estranhamento e inquietação (FOUCAULT, 2009). Na sequência, com o surgimento da personagem monstruosa, o silêncio atua na narrativa, estabelecendo a relação do humano ameaçado pelo inumano, problematizando o choque entre extremos (COHEN, 2000), impactando o público. Por fim, quando se descobre a existência dos mundos dos vivos e dos mortos, o silêncio potencializa o rompimento no espaço e tempo, que cria uma reviravolta na narrativa, revelando o passado fantasmagórico, de forma a afetar o sentido das ações no presente e que propicia a psicologia do medo (ROSSI, 2017). Desse modo, o som do silêncio revela-se como uma ferramenta poderosa na criação de uma experiência cinematográfica assustadora. Ao construir uma sonorização em que se difere de sons habituais ambientes, o diretor amplifica a sensação de isolamento e desconforto, mergulhando o espectador em um mundo onde a quietude se torna tão inquietante quanto os sons mais óbvios do terror. O uso específico do silêncio, junto da trilha sonora, permite que até o menor ruído se destaque (CARREIRO, 2023), aumentando a tensão e preparando o terreno para os momentos de puro pavor. Ao alternar entre silêncio e sons súbitos e perturbadores, o filme manipula as expectativas do público e relaciona o ambiente psíquico causado pelo estranhamento da experiência vista (FREUD, 1969). Sendo assim, a partir de análise de cenas, objetivamos compreender o estilo cinematográfico do diretor, no modo como se usa o som do silêncio, não apenas como uma técnica eficaz para instigar o medo, mas também para demonstrar o poder do som na narrativa cinematográfica, em que num mundo onde o barulho muitas vezes domina, o silêncio pode ser a fonte mais potente na emissão do terror.
Bibliografia
- BORDWELL, D.; THOMPSON, K. A Arte do Cinema: uma introdução. São Paulo: Edusp, 2013.
CARREIRO, R.; OPOLSKI, D.; MEIRELLES, R. A imersão sonora no cinema. São José dos Pinhais: Estronho, 2023.
CHION, M. A Audiovisão. Som e Imagem no Cinema. Lisboa: Texto & Grafia, 2008.
COHEN, J. A cultura dos monstros: sete teses. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
FRANÇA, J. Poéticas do mal: a literatura do medo no Brasil (1840-1920). Rio de Janeiro: Acaso Cultural, 2022.
FREUD, S. O estranho. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
FOUCAULT, M. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
LOVECRAFT, H. P. O horror sobrenatural na literatura. Rio de Janeiro: Francisco Alvez, 1987.
ROSSI, A. D. Pecados do pai: O castelo de Otranto, um quarto de milênio depois. In: FRANÇA, Júlio; COLUCCI, Luciana (org.). As nuances do Gótico: do Setecentos à atualidade. Rio de Janeiro: Bonecker, 2017.