Ficha do Proponente
Proponente
- Rogério Luiz Silva de Oliveira (UESB)
Minicurrículo
- Realizador Audiovisual, pesquisador, fotógrafo e professor do Curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Dirigiu “Os porcos e a reza” (2020) e “Sucata Esperança” (2023). Autor do livro “Memória e criação na direção de fotografia audiovisual” (2023) e um dos organizadores da coletânea “Cinematografia, Expressão e Pensamento” (2019). Sócio da Associação Brasileira de Cinematografia – ABC.
Ficha do Trabalho
Título
- Nostalgia de la luz… ou quando os olhos tocam a dor
Seminário
- Estética e plasticidade da direção de fotografia
Formato
- Presencial
Resumo
- O trabalho é dedicado ao estudo da direção de fotografia do documentário “Nostalgia de la luz” (2010), dirigido pelo chileno Patricio Guzmán. A intenção é realizar uma análise sobre as estratégias da cinematografia assinada por Katell Djian, a fim de compreender o modo como a diretora de fotografia contribui para a criação de sentidos relacionados aos diferentes regimes de memória que constituem o filme. A análise estará centrada na experiência háptica promovida pela iluminação.
Resumo expandido
- Os primeiros oito minutos de “Nostalgia de la luz” (2010) reúnem a profundidade e solidez dos recursos utilizados pela direção de fotografia de Katell Djian. A sequência que abre o longa-metragem é expressivamente iluminada, além de sugestivamente enquadrada. Nesses primeiros planos, desde um telescópio sendo ajustado para observar o espaço, até a luz que toca objetos da infância do diretor ou as ruínas que simbolizam o período violento da Ditadura Militar chilena, o conjunto de tomadas funciona como uma introdução condizente, da perspectiva imagética, com o título e o dispositivo do documentário dirigido por Patricio Guzmán.
Para condizer com o estado da arte da pesquisa sobre direção de fotografia no Brasil, é possível pensar que algumas escolhas da direção de fotografia geram efeitos hápticos, permitindo que os olhos possam tocar alguns objetos, como diz Taís Nardi, em sua tese de doutorado dedicada à relação entre forma e sentido na direção de fotografia (NARDI, 2024, p. 145). A pesquisadora, ao argumentar a favor da forma como os corpos são impactados pelos efeitos criados pela direção de fotografia, inspira a refletir sobre como a cinematografia de “Nostalgia de la luz” convida a um mergulho em diferentes escolhas formais relacionadas a regimes de memória em torno do diretor e de sua relação com a Ditadura Militar chilena. De modo parecido e, no nosso caso, complementar, outra pesquisadora da área motiva a adoção dessa ideia como ferramenta analítica. Em “Intensidades da Imagem”, Cyntia Calhado, ao tratar mais especificamente do encontro entre luz projetada e espectador(a) enfatiza os “estímulos sensórios que favorecem o acionamento do sistema háptico”, a partir de uma mediação feita pela direção de fotografia (CALHADO, 2020, p. 104). Do mesmo modo, ela está interessada em perceber a maneira como a experiência sensorial, provocada pelas imagens em movimento, reverbera no corpo espectatorial.
A junção desses esforços investigativos supramencionados abre vasto caminho para a construção de uma chave analítica ampliada com outro entendimento que, de maneira análoga, dá atenção à experiência sensorial táctil no cinema (CHAUVIN, p. 95). A pesquisadora argentina Irene Depetris Chauvin, ao propor, em seu estudo, bases para uma geografia sensorial construída no cinema, complementa esse arcabouço teórico que sustenta a análise da cinematografia do filme em questão. Ao compreender que a visão “funciona como um órgão do tato quando se promove uma sensorialidade” (idem), ela sinaliza para um horizonte promissor quanto ao estudo da iluminação em “Nostalgia de la luz”.
Essa proposta não pode desconsiderar que o documentário de Patricio Guzmán trata dos horrores ditatoriais chilenos a partir de uma busca representada por familiares de pessoas desaparecidas naquele período e nunca encontradas. Traça-se um paralelo entre as investigações astronômicas realizadas por pesquisadore(a)s no Deserto do Atacama – onde estão instalados os maiores observatórios do Universo, desde o planeta Terra -, e a busca dolorosa de mulheres que, como arqueólogas de uma tarefa quase impossível, procuram os restos mortais e vestígios de seus familiares em meio à imensidão árida do Atacama. A luz, nessa análise, é tomada como um elemento condutor da narrativa, ao mesmo tempo aproximando esses dois mundos – astrônomos e mulheres -, e servindo como forma material afetiva de um diretor que constrói metáforas narrativas visuais sobre a história lancinante de seu país. A maneira como a cinematografia favorece a visita de um tempo sofrido não deixa de considerar uma inspiração didi-hubermaniana (2018). Propõe-se, desse modo, uma leitura sobre a cinematografia de “Nostalgia de la luz”, tomando como mote a ideia de que as imagens em movimento possibilitam a “ativação do tato a partir da memória cultural e sensorial” (idem). Quer-se, com essa análise, evidenciar de que forma, quando os olhos tocam a luz na tela, em verdade, eles tocam a dor.
Bibliografia
- CALHADO, Cyntia. Intensidades da imagem: experiências estéticas no cinema – análises críticas a partir de Walter Salles. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021.
CHAUVIN, Irene Depetris. Geografías Afectivas: desplazamientos, prácticas espaciales y formas de estar juntos em el cine de Argentina, Chile y Brasil (2002-2017). 2019. ISBN (PDF): 978-1-7340289-9-7.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Remontagens do tempo sofrido: O olho da história II. Belo Horizonte – MG: Editora UFMG, 2018.
MARIAN, Silvana. Paisagem e melancolia em Nostalgia da luz. In: Revista La outra isla (p. 103-119). Número 9. Dezembro de 2023. ISSN: 1666-8979. Disponível em: http://enlaotraisla.com/index.php/Laotraisla/article/view/109/103
NARDI, Taís. Forma e sentido na direção de fotografia: a criação de efeitos próprios à imagem. Tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais / Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo – USP. São Paulo: 2024.