Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Alex Beigui de Paiva Cavalcante (UFOP)

Minicurrículo

    Artista-pesquisador. Mestrado em Artes Cênicas (UFBA), doutorado em Letras (USP) e pós-doutorado em Dramaturgia (UNIL). Atualmente é professor de Teoria Teatral do Departamento de Artes, docente permanente do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Ouro Preto.

Ficha do Trabalho

Título

    Política e subjetividade no documentário Quem tem medo? (2022)

Formato

    Presencial

Resumo

    Através do trabalho, pretende-se analisar as relações interdiscursivas presentes no documentário Quem tem medo? (2022), de Dellani Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves. Pra tanto, visa-se confrontar os limites entre estética e a política, analisando as seis obras cênicas selecionadas para a composição do filme. A ideia é retomar a o espaço transgressor e crítico que a arte provoca em ambientes hostis à emancipação e ao campo da ética.

Resumo expandido

    O documentário brasileiro de Dellani Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves. seleciona seis trabalhos artísticos da cena brasileira contemporânea que sofreram censura e que foram tomados como transgressores da ordem religiosa por conservadores e pela extrema direita no país. O objetivo desse trabalho é analisar o discurso estético e político presente em cada obra artística, bem como os gatilhos despertados por suas provocações, tencionando o lugar da subjetividade, na relação entre a micro e a macropolítica, no sentido atribuído por Suely Rolnik, além da construção do interdiscurso com base nas ideias de Dominique Maingueneau (2008). A trama discursiva e fílmica é construída, no documentário, a partir das falas dos próprios(as) artistas em sua relação direta com o contexto enunciativo em que as obras foram recepcionadas. A ideia é retomar o espaço transgressor e crítico que a arte provoca em ambientes hostis à emancipação e ao campo da ética. Buscamos analisar o discurso dos(as) artistas-narradores(as) e personagens, suas problemáticas dentro de cada espetáculo, assim como o fio condutor que os liga dentro da narrativa fílmica. Ainda dentro de uma proposta interdiscursiva, pretende-se observar a estrutura através da qual o filme-documentário se organiza enquanto tensão assumida entre as artes cênicas e o cinema.
    Ainda que o filme se organize a partir da justaposição de quatro espetáculos e duas instalações performáticas, o que poderia resultar em uma colcha de retalhos, sem conexão, cujo objetivo seria apenas o do registro de obras a partir de um determinado tema, o documentário constroi a sua unidade através de uma linha de pensamento que une estética e política, tornando-as esferas indissociáveis. Quem tem medo? (2022) tece em sua linha de construção uma denúncia direta ao que Noam Chomsky (2009) denominou “Estados fracassados”, expressão que revela pela ótica do autor o ataque à democracia e à livre expressão. É importante destacar que o tema da construção e da efetivação da democracia no Brasil e nos países da América Latina e sua relação com as artes por si só merece um trabalho de pesquisa em nível mais profundo. Cada obra artística que compõe o filme-documentário alicerça-se em um contradiscurso capaz de provocar reações conservadoras que colocam na linha de enfrentamento arte, religião e Estado. Às três esferas sempre insurgentes, permite-nos apontar o corpo como elemento principal do efeito de real que tais obras suscitam.
    Por um lado, o medo expresso e transposto através das vozes; por outro, o corpo como espaço transgressor de resistência e revelador da libertação pela arte. Nesse sentido, faz-se necessário partir da compreensão apontada por Suely Rolnik acerca da micropolítica. Para a autora:
    “Micropolítica (um foco invisível e inaudível que situa-se na tensão entre o sujeito e o fora-do-sujeito): Também como já vimos, o foco da insurreição micropolítica é o abuso perverso da força vital de todos os elementos da biosfera (composto pela vida do conjunto de seres vivos que habitam o planeta, inclusive os humanos), bem como dos outros três planos do ecossistema planetário, indispensáveis para a composição e manutenção da vida. Tal abuso é a medula micropolítica do regime colonial-capitalístico. A hegemonia dessa dinâmica micropolítica constitui uma patologia altamente agressiva com graves sequelas não só para o destino da humanidade, mas para o do planeta
    como um todo, já que afeta os quatro planos de seu ecossistema” (ROLNIK, 2018, p. 18.).
    Situemos, pois, o espaço próprio da micropolítica que a arte provoca frente à relação de afetação com a macropolítica. É nessa zona porosa de indeterminação entre o “dentro” e o “fora” do sujeito(a) artista que o documentário se apresenta como agenciamento interdiscursivo da estética e da política. Pretendemos, ainda, relacionar as noções de “interdiscurso”, de “escritura política” e de “estética” no campo expansivo da cena.

Bibliografia

    CHOMSKY, Noam. Estados fracassados: o abuso do poder e o ataque à democracia. Trad. Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
    DUARTE, Luisa. Arte, censura, liberdade: reflexões à luz do presente. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2018.
    LIMA, Dellani; ZANONI, Henrique; ALVES, Ricardo. Quem tem medo? Brasil, 2022, 71’.
    LEHMANN, Hans-Thies. Escritura política no texto teatral: ensaios sobre Sófocles, Shakespeare, Kleist, Büchner, Jahnn Bataille, Brecht, Benjamin, Müller, Schleef. Trad. Priscila Nascimento e Werner S. Rothschild. São Paulo: Perspectiva, 2009.
    MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. Trad. Sírio Possenti. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
    RAMOS, Luiz Fernando. (Org.) Arte e política. In: Arte e ciência: abismos de rosas. São Paulo: Abrace, 2012.
    ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: N-1 Edições, 2018.