Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro de Andrade Lima Faissol (Unespar)

Minicurrículo

    Pesquisador e professor de Cinema e Audiovisual. Doutor e Mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Bacharel em Comunicação Social (Cinema) pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Docente do curso de Bacharelado em Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Artes do Vídeo da Universidade Estadual do Paraná (PPG-CINEAV/Unespar).

Ficha do Trabalho

Título

    O motivo da cortina no ciclo trágico de James Gray

Formato

    Presencial

Resumo

    Analisaremos a estrutura dramática dos 4 filmes iniciais do diretor e roteirista James Gray com o propósito de contribuir com os estudos do trágico no cinema. Para defendermos a hipótese de que tais filmes compõem um “ciclo trágico”, iremos nos deter em um motivo recorrente: a cortina. Supõe-se que ela desempenhe a função de figurar uma fronteira incontornável: de um lado, o espaço reservado ao exercício do livre-arbítrio do personagem; de outro, a primazia dos desígnios que regem o seu destino.

Resumo expandido

    No âmbito doméstico, a cortina é um elemento decorativo banal. Está presente em grande parte dos lares, emoldurando janelas e separando cômodos. É usada também em espetáculos teatrais, salas de aula, ao redor de leitos hospitalares e até mesmo no interior de igrejas, delimitando a entrada na capela ou no confessionário. Estão presentes em toda parte. No cinema, embora sejam igualmente recorrentes, elas nem sempre são filmadas inocentemente. A cortina por vezes desempenha nos filmes um papel marcado pela ligação com o teatro.

    Alain Resnais, Manoel de Oliveira, Jacques Rivette, entre outros, fizeram usos instigantes da cortina como forma de explicitar os códigos teatrais, assumindo o artifício e definindo o regime de encenação. De outro lado, Rita Azevedo Gomes, Júlio Bressane, Éric Rohmer, Christian Petzold – a lista continua – fizeram usos da cortina como forma de indicar um jogo entre os personagens, um faz-de-contas no interior da diegese. Nesses dois casos, o teatro é evocado no sentido de reestabelecer um pacto ficcional com o público, atuando em seu sistema de crenças. A cortina, afinal, anuncia um outro mundo. Um mundo demarcado, enclausurado, regido por regras especiais. Um jogo? Um palco? Artifícios, simulações?

    Mas a cortina é também usada com propósitos diferentes. Por exemplo, como figuração de uma fronteira, um limiar. Na presente comunicação, iremos analisar a forma como o diretor e roteirista estadunidense James Gray faz uso da cortina em seus quatro primeiros filmes: Fuga para Odessa (Little Odessa, 1994), Caminho sem volta (The Yards, 2000), Os donos da noite (We own the night, 2007) e Amantes (Two lovers, 2008). Supõe-se que a análise detida do motivo recorrente da cortina nos ajude a compreender como a estrutura dramática de tais filmes se organiza de acordo com um padrão narrativo próprio do gênero da tragédia.

    Em tais filmes, as cortinas desempenham um papel importante, demarcando a fronteira que separa dois espaços irreconciliáveis: de um lado, a possibilidade ilusória de viver de acordo com o seu desejo, colocando em prática a liberdade individual pelo exercício do livre-arbítrio; de outro lado, o peso da tradição (religião, etnia, moral) se impondo pela primazia dos desígnios que regem o destino dos personagens.

    A dualidade acima descrita se manifesta nos quatro filmes supracitados. No “ciclo trágico” de James Gray, o peso da tradição familiar sempre se impõe sobre as escolhas ilusórias do indivíduo, mostrando-se no fim das contas mais impotente do que nos parecia no início de cada filme. O peso desta tradição, implacável, é reforçado por personagens imigrantes que carregam um lastro cultural pesado demais para ser superado.

    Ao longo da comunicação, iremos expor as noções de trágico e de “páthos trágico”, tais como defendidos pelos autores que subsidiam esta pesquisa, sendo os principais: Peter Szondi (Ensaio sobre o trágico), Raymond Williams (Tragédia moderna) e George Steiner (A morte da tragédia). Em seguida, iremos mostrar como as estruturas dramáticas de cada filme analisado dependem de elementos visuais (as cortinas, em especial) que reforcem e cristalizem os impasses vividos pelos personagens. A análise fílmica revela soluções inteligentes e inventivas. Em Fuga para Odessa (1994), a cortina é o suporte sobre o qual será lançado o tiro de revólver, ecoando a dimensão premonitória que selará o destino trágico do protagonista. Em Caminho sem volta (2000) e Os donos da noite (2007), ela é trabalhada como figuração de um limiar que demarcará a passagem entre dois espaços irreconciliáveis: a legalidade e a ilegalidade, o público e o privado, os vínculos familiares e não-familiares. Por fim, em Amantes (2008), a cortina instaura um jogo no interior da diegese que condensará as tensões (entre a livre-escolha e a predestinação) vividas pelo protagonista.

Bibliografia

    DEMARCY, Richard. “A leitura transversal”. In: GUINSBURG, Jacó (Org.). Semiologia do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1988.
    ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2006.
    STEINER, George. A morte da tragédia. Trad. Isa Kopelman. São Paulo: Perspectiva, 2006.
    SZONDI, Peter. Ensaio sobre o trágico. Trad. Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
    TESSON, Charles. Théâtre et Cinéma. Paris: Cahiers du cinéma/CNDP, 2007.
    WILLIAMS, Raymond. Tragédia moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.