Ficha do Proponente
Proponente
- Vicente Nunes Moreno (UNISINOS)
Minicurrículo
- Mestre em Comunicação Social pela PUCRS, com pesquisa voltada para o campo da narratologia e do estilo cinematográfico. Graduou-se em Realização Audiovisual pela UNISINOS (2005), bacharelado onde atua como coordenador (desde 2019) e professor de montagem, roteiro e direção (desde 2011). Foi também professor convidado na FAP/UNESPAR e no Curso de Especialização em Cinema da UNISINOS. Como cineasta, atua como roteirista, diretor e montador, tendo participado de mais de 70 produções audiovisuais.
Ficha do Trabalho
Título
- A partilha subjetiva: estratégias de modulação na escrita do roteiro
Seminário
- Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Debateremos o que chamamos de partilha subjetiva: o quanto o Narrador compartilha de conhecimento, visão e audição com o Personagem. Partindo dos conceitos de focalização, ocularização e auricularização de Genette/Jost, e pinçando O Quarto de Jack como caso, propomos um deslocamento do olhar teórico usual a essa problemática, incluindo na análise não só o texto fílmico, mas também o roteiro e o livro que o originaram. O objetivo é entender essa modulação como processo consciente de escrita.
Resumo expandido
- O foco dessa comunicação está no que chamamos de partilha subjetiva: o quanto o Narrador compartilha de conhecimento, visão e audição com o Personagem. Como esse jogo cognitivo influencia na construção da trama? E, mais importante, como podemos enxergar a partilha subjetiva não apenas como um aspecto a ser analisado, mas como uma ferramenta de modulação da narrativa na escrita do roteiro.
Partimos inicialmente do conceito de focalização, cunhado por Genette em seu capítulo sobre Modo no seminal Figures III (1972), que propõe uma desambiguação do termo ponto de vista, com seus múltiplos entendimentos e aplicações. Genette buscava entender e esmiuçar os diferentes níveis de acesso que o Narrador teria ao mundo ficcional através do Personagem. Ele levanta três possibilidades: sabe-se tanto quanto o personagem, mais do que o personagem ou menos do que o personagem. Quando Jost (1987), em seu esforço de aplicar a narratologia genettiana ao cinema, transpõe o conceito de focalização, percebe que o meio audiovisual não se restringe apenas à partilha da cognição, e desdobra a focalização em mais dois conceitos derivados: a ocularização e a auricularização, ou seja, o quanto o Narrador, aqui Meganarrador, tem acesso à visão e/ou à audição do Personagem. Essa tríade – conhecimento, visão e audição – e suas possibilidades de compartilhamento entre Narrador e Personagem, é o que nomeamos de partilha subjetiva (MORENO, 2015). Não necessariamente esses três níveis caminham juntos e não necessariamente são estáveis ao longo da narrativa, gerando uma gama rica de combinações e variações a serem estudadas.
Propomos nessa comunicação um deslocamento do olhar teórico que usualmente é dado a essa problemática, focando não somente na análise do texto fílmico, mas também jogando luz sobre o processo de criação, em como essas variações podem ser conscientemente exploradas no ato de escrita do roteiro. Para tanto, compartilharei um pouco da minha própria experiência como roteirista profissional, assim com de processos de escrita que acompanhei de alunos do Bacharelado em Realização Audiovisual da UNISINOS (onde leciono), em particular um exercício que aplico anualmente, no qual os alunos de roteiro recebem uma breve lista de fatos e devem “deformar” essa fábula na criação de uma trama, roteirizando a história a partir de diferentes focalizações.
Para ter um estudo de caso mais objetivo, vamos investigar algumas cenas do primeiro ato do filme O Quarto de Jack (Lenny Abrahamson, 2015), analisando como a partilha subjetiva é modulada no livro de Emma Donoghue que deu origem ao filme, Room (2010), bem como no roteiro adaptado, escrito pela própria autora. O livro de Donoghue é inspirado livremente em uma história real, o caso Fritzl, no qual uma mulher austríaca foi mantida em cativeiro pelo seu pai durante muitos anos, tendo sete filhos com ele. A autora afirma que a motivação para escrever o livro veio de um questionamento de focalização, em como seria essa história do ponto de vista de uma das crianças.
No livro, a Narração é infletida na primeira pessoa do singular, em focalização interna bastante rigorosa de Jack. Somos apresentados ao quarto, o seu mundo, e, assim como Jack, não sabemos muito bem quais as circunstâncias que o mantém ali. O livro é bastante escasso nas descrições, e vamos entendendo as nuances da situação a partir dos diálogos de Jack com a mãe. Apesar do esforço da Narração em limitar a nossa cognição, há índices que vão nos fazendo suspeitar de coisas que Jack não suspeita, o que nos colocaria, de certa maneira, em uma vantagem cognitiva sobre o personagem. Se essa focalização já tem suas nuances no livro, a narração se complexifica ainda mais no roteiro e no filme. Ao cruzarmos as escolhas feitas em pontos específicos desses três textos (o romance, o roteiro e o filme), debateremos a hipótese de que, mais do que um processo intuitivo, a partilha subjetiva pode ser uma ferramenta consciente de modulação da narrativa.
Bibliografia
- BRANIGAN, Edward. Point of view in the cinema. Berlim: Mouton Publishers, 1984.
CASETTI, Francesco. Inside the Gaze: The Film and Its Spectator. Bloomington-Indianapolis: Indiana University, 1998.
DONOGHUE, Emma. Room. Boston: Little, Brown & Company, 2010.
GENETTE, Gérard. Figures III. Paris, Colleção Poétique, 1972.
GAUDREAULT, André. From Plato to Lumière: Narration and Monstration in Literature and Cinema. Toronto: University of Toronto, 2009.
GAUDREAULT, André; JOST, François. A narrativa cinematográfica. Brasília: Universidade de Brasília, 2009.
JOST, François. L’Œil-caméra. Entre film et roman. Lyon: Presses universitaires de Lyon, 1987.
PEER, Willie Van; CHATMAN, Seymour. New perspectives on narrative perspective. Albany: State University of New York, 2001.