Ficha do Proponente
Proponente
- Luiz Carlos Oliveira Junior (UFJF)
Minicurrículo
- Luiz Carlos Oliveira Jr. é crítico, pesquisador de cinema e professor no Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Autor do livro A mise en scène no cinema: do clássico ao cinema de fluxo (Papirus, 2013). Professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Departamento de Artes Plásticas da Universidade de São Paulo. Atuou como crítico de cinema na revista Contracampo (2002-2011).
Ficha do Trabalho
Título
- “Não é Velázquez”: cinema, pintura e história
Seminário
- Cinema Comparado
Formato
- Presencial
Resumo
- Pretendo comparar cenas de Sermões – A história de Antonio Vieira (Júlio Bressane, 1989) e Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (Carla Camurati, 1995), considerando sua referência ao jogo visual presente na pintura barroca, em especial na obra de Diego Velázquez, que os filmes mobilizam através do plano-tableau, empregado como dispositivo plástico que reúne cinema e pintura na confecção de uma imagem condensativa da história brasileira em épocas distintas de seu processo de formação.
Resumo expandido
- Em Sermões (1989), Bressane aprofunda seu diálogo com as raízes barrocas da cultura brasileira. Ao se debruçar sobre a vida de Padre Antonio Vieira, o cineasta opta por imagens rebuscadas, grandes cristais condensativos, com diversas camadas de significação e temporalidades simultâneas.
As colagens de trechos de outros filmes se proliferam e incluem passagens de O descobrimento do Brasil (Humberto Mauro, 1936), Eldorado (Marcel L’Herbier, 1921) e Cidadão Kane (Orson Welles, 1941). Além do “enxerto” (DERRIDA, 1993) de materiais fílmicos, há múltiplas referências pictóricas invocadas indiretamente. Num plano, uma jovem reclinada tem o rosto refletido num espelho segurado por um anjo: trata-se de uma recriação do intrincado dispositivo visual da Vênus ao espelho (1647) de Velázquez. A atriz que posa como Vênus é a mesma que interpreta a poetisa barroca Sóror Juana Inés de la Cruz, numa das muitas figurações condensativas do filme.
A técnica empregada por Bressane é a do plano-tableau: citando uma obra pictórica, ou mesmo sem aludir a uma pintura prévia, ele lança mão de expedientes formais que dialogam com certa tradição pictórica, forjando uma imagem saturada de códigos artísticos, que expõe num achado visual singular as aporias de uma representação subordinada à duração passageira, mas atravessada por circuitos temporais complexos, como os que envolvem a História, o pensamento, a memória e o sonho. A imagem se assume codificada e se exibe como efeito, como produção de formas. O movimento cronológico é retido e analisado em uma imagem espacial, como é próprio da condensação alegórica (BENJAMIN, 1984).
Se a referência a Velázquez em Sermões é explícita, a de Camurati em Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995) é mais cifrada: trata-se da cena em que Debret mostra para a família real o retrato dinástico encomendado. Os membros da coroa portuguesa reagem satisfeitos, à exceção de Carlota Joaquina, que se limita a um comentário: “Não é Velázquez”. Tudo é mostrado num plano que alude ao quadro As meninas (1656), que, desde a análise de Foucault (2007, p. 3-21), não mais parou de ser investigado como um quebra-cabeça visual e epistemológico, cujas peças formam uma reflexão sobre as próprias condições de possibilidade da representação clássica. O lugar do espectador em As meninas se afigura como entrecruzamento de olhares, ressoando o postulado de Lacan (2008) de que todo quadro – tomado como metáfora da visão – se forma no atravessamento de uma trama escópica composta por diferentes campos de visibilidade entrelaçados.
O plano em que vemos a família real a contemplar o seu retrato é filmado de dentro do quadro, como um plano-ponto-de-vista da própria pintura. Ao fazer o enquadramento coincidir com a moldura da pintura, Camurati nos coloca num jogo de interpelação em que a linha de partilha entre campo e fora de campo é um plano de representação, um “anteparo” (no sentido lacaniano). Nesse face a face entre espectador e filme, negociam-se termos como posição subjetiva, situação espectatorial e identidade nacional. Os olhares se interceptam num lugar ocupado por um quadro invisível, onde uma imagem do Brasil é construída por intermédio do olhar estrangeiro. Dois mundos se chocam – que, na verdade, são um só: o complexo metrópole-colônia. E esse anteparo tem um referente concreto no acervo de imagens sobre o Brasil colonial: Debret, cujas imagens manifestam a ambiguidade de uma “forma difícil” (NAVES, 1996), suspensa entre os valores iluministas e o aprendizado neoclassicista e a realidade desigual, decadente e escravocrata que suas aquarelas captam nas ruas do Rio de Janeiro do tempo imperial.
Na comunicação, pretendo comparar as cenas de Sermões e Carlota Joaquina em que o jogo visual presente na pintura barroca, em especial na obra de Velázquez, é mobilizado como mediação da construção de um olhar sobre a história brasileira, dividida entre a afirmação de uma identidade e a introjeção de uma imagem vista pelo espelho do Outro.
Bibliografia
- Luiz Carlos Oliveira Jr. é crítico, pesquisador de cinema e professor no Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Autor do livro A mise en scène no cinema: do clássico ao cinema de fluxo (Papirus, 2013). Professor no Programa de Pós-graduação em Artes, Cultura e Linguagens da UFJF. Professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Departamento de Artes Plásticas da Universidade de São Paulo. Como professor convidado, ministrou em 2023 o seminário “L’adresse du spectateur par l’image filmique” na Université Paris Cité. Atuou como crítico de cinema na revista Contracampo (2002-2011). Já colaborou para diversas revistas e jornais, como Cinética, Cult, Bravo! e Folha de S. Paulo. Curador das mostras de cinema “Vincente Minnelli – Cinema de Música e Drama” (CCBB-RJ e SP, 2011) e “Jacques Rivette – Já Não Somos Inocentes” (CCBB-RJ e SP, 2013).