Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Henrique Nogueira Neme (PUC-SP)

Minicurrículo

    Henrique Nogueira Neme é doutorando no PPGCOS/PUC-SP, sob orientação da Profa. Dra. Christine Mello, e bolsista CNPq. É mestre pelo PPGCOS/PUC-SP e graduado em Cinema pela FAAP. Atua como editor, roteirista e assistente de direção. Dirigiu, escreveu e editou os curtas-metragens: “Hermético” (2017), “Como numa Quarta-Feira de Cinzas” (2016) e “Entre os Dois” (2015). Integra o “Grupo de Pesquisa eXtremidades: redes audiovisuais, cinema, performance e arte contemporânea”.

Ficha do Trabalho

Título

    SER “OUTRA-MENTE” EM “LINGUI” (2021): PRESENÇAS NUM “MUNDO IMPLICADO”

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Formato

    Presencial

Resumo

    Nesta comunicação, utilizo a “abordagem das extremidades” (MELLO, 2017) para analisar uma sequência do longa-metragem “Lingui” (2021) e seus procedimentos de produção de presença (GUMBRECHT, 2010). Depois, partindo da “poética negra feminista” (SILVA, 2019), proponho a reflexão: podem as obras cinematográficas, em sua experiência estética, evitar a distinção e separação do corpo racializado como um “outro” e materializar o emaranhado indistinto de um “mundo implicado” (SILVA, 2019)?

Resumo expandido

    No longa-metragem de Mahamat-Saleh Haroun, “Lingui” (Chade/França/Alemanha, 2021), há uma sequência na qual a personagem Amina recebe uma visita de sua irmã, Fanta. As duas irmãs não se falam há muitos anos e, durante o diálogo entre Amina e Fanta, somam-se planos em close-up de Maria (filha de Amina), que escuta a conversa. Os planos em close-up de Maria, demonstram procedimentos comunicacionais em “Lingui” que produzem sentido pela presença (GUMBRECHT, 2010, 2011). Com isso, comento caminhos estéticos cinematográficos que não se voltam unicamente à concatenação de ações e personagens para costurar sequências e desvelar sentidos escondidos nas aparências, mas trabalhar potências provocadas pelos corpos na imagem.

    O close-up de Maria é adicionado na sequência enquanto um “efeito de presença” (GUMBRECHT, 2010, 2011) no sentido do plano (do rosto de Maria) trazer a presença de seu corpo. O corpo de Maria manifestando gestos faciais, enquanto ouve, demonstra alguns dos procedimentos do filme para materializar, a nós observadores, uma rede de afetos entre mulheres. Pois o close-up de Maria, colocado em relação com os planos de Amina e Fanta, apresentam-nos estas mulheres como se estivessem lado a lado – ainda que separadas espacialmente, em planos diferentes e seus respectivos enquadramentos. Nesta sequência, a articulação dos planos cinematográficos em função dos regimes de presença produz, ao mesmo tempo, imagens que provocam sensações de presentificar o ato/gesto de estar ao lado de alguém. O afeto que conduz o apoiar de uma mão no ombro, o abraçar, o segurar de uma mão na outra.

    O close-up de Maria decorre de um pensamento voltado a não determinar significações fechadas às imagens articuladas. A narratividade de “Lingui” movimenta-se por produções de presença e, nessa lógica, percorre a narratividade sem explicar/definir completamente o estar dos corpos das personagens, os motivos e finalidades de seus gestos, movimentações ou relações com outros corpos. Os sentidos, sempre em movimento, não se fixam nas imagens, ou melhor, não conferem significações fechadas às imagens e aos corpos presentes nelas. Desse modo, estamos também em contato com a “poética negra feminista” (SILVA, 2019).

    Afirmar a coexistência de um outro, “outra-mente” (SILVA, 2019), ativa rupturas com ferramentas que distinguem, separam e determinam sentidos aos corpos racializados. O corpo sendo “outra-mente” desconstrói enunciados que, em suas causalidades, distinguem diferenças políticas, sociais e culturais. Tais enunciados, na contemporaneidade, recuperam o “Sujeito (universal)” pós-iluminista (SILVA, 2022). A violência contra corpos racializados é consequente a práticas que executam a diferença com “separabilidade” (SILVA, 2019), caminhando em conjunto com perspectivas brancas e patriarcais existentes desde a construção do “Sujeito (universal)”. Dentro da “poética negra feminista” (SILVA, 2019), o excesso do corpo racializado, na sua manifestação de presença, posiciona-se numa zona indeterminada, de indistinção, e provoca a desconstrução das distinções dadas “sempre-já” pelos limites das perspectivas autodeterminantes brancas e patriarcais.

    A partir de “Lingui” (2021), proponho nesta comunicação ativar reflexões utilizando a “abordagem das extremidades” (MELLO, 2017), para observar procedimentos cinematográficos desconstrutivos que não fixam sentidos determinados às imagens, aos corpos presentes nelas e tensionam regimes de representação no cinema. Podem, os filmes, colocarem em presença um “mundo implicado” onde corpos humanos e não-humanos existem “como expressões singulares de cada um dos outros existentes e também do tudo implicado em que/como elas existem, ao invés de como formas separadas que se relacionam através da mediação de forças” (SILVA, 2019, p. 43)?

    Como as obras cinematográficas, através de regimes de presença, podem contribuir, em sua experiência estética, para a materialização do emaranhado de um “mundo implicado” (SILVA, 2019)?

Bibliografia

    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.

    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência e stimmung: sobre um potencial oculto da literatura. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.

    MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.

    MELLO, Christine. Extremidades: experimentos críticos. In: MELLO, Christine. (org.). Extremidades: experimentos críticos – redes audiovisuais, cinema, performance e arte contemporânea. São Paulo: Estação Letras & Cores, 2017.

    NOGUEIRA NEME, Henrique. Mise en scène e corpo no cinema no século XXI: reflexões críticas a partir de Apichatpong Weerasethakul e Henrique Nogueira Neme. São Paulo: COS-PUC, tese de mestrado, 2021.

    SILVA, Denise Ferreira da. A Dívida Impagável. São Paulo: Casa do Povo, 2019.

    SILVA, Denise Ferreira da. Homo modernus – para uma ideia global de raça. Rio de Janeiro: Cobogó, 2022.