Ficha do Proponente
Proponente
- Fabio Rodrigues da Silva Filho (UFMG)
Minicurrículo
- Realizador, crítico, pesquisador e curador de cinema. Doutorando em Comunicação Social na UFMG, tem mestrado na mesma Universidade. Baiano, graduou-se na UFRB. É membro do grupo Poéticas da Experiência. Realizador e montador dos filmes Tudo que é apertado rasga (2019) e Não vim no mundo para ser pedra (2022). Compôs a comissão de seleção de festivais, mostras e labs, como CachoeiraDoc, FestCurtasBH (2019 – 2022), Goiânia Mostra Curtas (2022), FIANB (2020 e 2021), etc. É também cineclubista
Ficha do Trabalho
Título
- UM POETA DOS GESTOS
Seminário
- Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.
Formato
- Presencial
Resumo
- Desdobrando a ideia de “poeta dos gestos”, modo como Antônio Pitanga definiu Mário Gusmão, tentaremos demonstrar o rasgo da atuação e do ator analisando traços de sua presença em duas obras. Para discutir este corpo-pelicular que sobrevive aos filmes, pensaremos o gesto em cena e a poética de tal ator. Lidando com a fabulação crítica, este estudo vincula-se a um programa de pesquisa que investiga rasgos na imagem e tentar compor uma pequena história do ator e da atriz negra no cinema brasileiro.
Resumo expandido
- Foi com a expressão que dá título a esta proposta que Antônio Pitanga definiu Mário Gusmão, seu veterano na Escola de Teatro da UFBA. Gusmão, primeiro homem negro a ingressar naquela faculdade, chegou a Salvador dez ano antes, em 1948, com vinte anos de idade. Vindo de Cachoeira, sua cidade natal, não tinha até então intenção de ser ator, dançarino e tudo mais que ele se tornou: na capital, morando com o pai, dando aulas de inglês e trabalhando em uma penitenciária, não se sabe bem porque aquele jovem negro e homossexual resolvera estudar teatro. O fato é que tal escolha revolucionou não só sua existência, mas a própria vida cultural e artística do estado da Bahia. Sabemos, tal segredo de seu caminho é também a força do seu passo.
Desde a graduação, temos nos dedicado a um trabalho em torno daquilo que o próprio Pitanga chamou de “dignidade primeira”, referindo-se à sobrevivência e construção de presença de um grupo de atores negros que tentaram resistir (por diferentes contraestrategias) a um regime de ausência. Este trabalho, uma investigação também sobre um método, acontece sobre um programa de pesquisa em curso cujo título é Rasgos na imagem, articulando análise fílmica com remontagem de arquivos, com vistas a compor uma pequena história do cinema brasileiro à luz do ator e da atriz negra. Agora, no entanto, tendo Mário Gusmão como eixo central acreditamos também que a perspectiva no que tange à remontagem ganha uma inflexão: como remontar a história de um ator com poucos arquivos e uma infinidade de memórias orais? Como não desprezar a força deste pequeno acervo e nem se acomodar nele? Como, finalmente, erigir um projeto de justiça a um artista tão decisivo quanto desconhecido? Nutrimos tais questões em diálogo com Saidiya Hartman (2022) em seu método de fabulação crítica e proposta de historicização da multidão, escrevendo histórias com e contra os arquivos, aplicando assim um método especulativo mediado pela ética histórica e por um sonho em relação às vidas rebeldes e seus belos experimentos: liberá-las das “obscenas descrições que primeiro as apresentaram para nós”.
Nesta comunicação, tirando consequências da ideia de um ator enquanto poeta dos gestos, gostaríamos de fazer um duplo movimento: 1. nos atentarmos ao gesto em cena de Gusmão em busca do rasgo na atuação – qual o substrato da força de sua aparição e inscrição nas imagens? O que faz do gesto em questão gesto negro? Rasga porque negro em meio a filmes organizados por olhares da branquitude?; 2. Dedicando-nos ao rasgo do ator propriamente, pretendemos discutir sua gestualidade singular, uma dramaturgia corporal a ser demonstrada interfilmes e inter-linguagens artísticas, de modo a pensar a poética deste artista, sua corpografia – que, em nossa aposta, reforçamos, perfaz e intersecciona diferentes obras e campos: da dança ao cinema, do teatro à militância política, algo da trajetória do ator atravessa a cena cinematográfica e sobrevive ao filme. Nossa desafio para o trabalho de montagem reside no fato que, ao sobreviver, o gesto e a gestualidade do ator prefigura um filme que, em alguma medida, prescinde à montagem: ora, ainda que por vezes em pouco tempo de aparição no todo do filme, sua presença resplandece nítida e real, continuando em outras obras por traços estéticos-corporéos que se conectam. Para demonstrarmos esta camada fílmica do ator, trabalharemos, por nossa conta e risco, com a noção de “corpo-pelicular” de Leda Maria Martins (2021), entendo que tal ideia sintetiza nossa hipótese em elaboração.
Discutindo trechos dos filmes Anjo Negro (1973, dir. José Humberto) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969, dir. Glauber Rocha), o duplo interesse que mencionamos verte-se em nossa tentativa de análise a contrapelo de tais obras, tomando o ator enquanto operador de leitura para desmontá-las e, ao compará-las, dar a ver a sobrevivência de uma poética em finas lâminas de força do movimento corporal.
Bibliografia
- BACELAR, Jeferson. Mário Gusmão: um príncipe negro na terra dos dragões da maldade.
Rio de Janeiro: Pallas, 2006.
HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, [S. l.], v. 23, n. 3, p. 12–33, 2020. DOI: 10.29146/eco-pos.v23i3.27640. Disponível em: https://revistaecopos.eco.ufrj.br/eco_pos/article/view/27640.
__________. Vidas rebeldes, belo experimentos: histórias íntimas de meninas negras desordeiras, mulheres encrenqueiras e queers radicais. Tradução: Floresta. São Paulo: Fósforo, 2022.
MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
____________. A Cena em Sombras. São Paulo – Editora Perspectiva, 1995.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Trad.: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
Mário Gusmão, o anjo negro da Bahia. Direção: Élson Rosário. Média-metragem, 2005, 55min., digital.