Ficha do Proponente
Proponente
- Lucas Waltenberg (ESPM Rio)
Minicurrículo
- Lucas Waltenberg é doutor e mestre em comunicação pelo PPGCOM/UFF. Atualmente, é consultor em estratégia de conteúdo para marcas e professor da ESPM Rio, onde está à frente de disciplinas com ênfase em comunicação digital, marketing digital e estratégias narrativas, para cursos de graduação e pós-graduação. Possui interesse de pesquisa em cibercultura, novas mídias e entretenimento, formatos culturais e consumo.
Coautor
- MARCELA DUTRA DE OLIVEIRA SOALHEIRO CRUZ (ESPM)
Ficha do Trabalho
Título
- Isso não é o meu Last of Us: tensões na adaptação e recepção da série
Seminário
- Tenda Cuir
Formato
- Presencial
Resumo
- O terceiro episódio da adaptação do jogo The Last of Us retrata a relação amorosa entre Bill e Frank, personagens que recebem arcos narrativos aprofundados na versão audiovisual, gerando um tensionamento incômodo na comunidade de conhecedores do texto-fonte. Neste trabalho, vamos analisar como a recepção da versão desvela uma dinâmica preconceituosa que rejeita a inserção de um arco inclusivo da comunidade LGBT através de uma pretensa busca pela manutenção do texto-fonte no processo adaptativo.
Resumo expandido
- Em janeiro de 2023 foi exibido pela HBO o episódio “Long, long time”, terceiro da série The Last of Us, adaptação da Parte I de uma franquia de videogames homônima lançada em 2013. O jogo, que se passa em um futuro distópico, tem como personagens principais Joel Miller, sobrevivente de uma infecção que devastou o mundo, e Ellie, adolescente indisciplinada que é a possível cura para a infecção. Ao longo da narrativa, construída através da jogabilidade, acompanhamos a construção deste relacionamento durante a jornada de Joel, enlutado pela morte precoce da filha, para levar Ellie para uma base rebelde, onde irão desenvolver a cura para a infecção que torna pessoas em uma espécie de zumbi.
A discussão que propomos neste trabalho é sobre as possibilidades da relação intertextual (Kristeva, 1969; Figueiredo, 2010) entre a matéria ficcional construída no texto-fonte de The Last of Us e a sua versão audiovisual (Elliot, 2003; Stam, 2006; Hutcheon, 2013), considerando tanto as especificidades dos deslizamentos entre diferentes linguagens midiáticas como a noção de reencontro na experiência de recepção (Soalheiro, 2022). Dessa forma, laçaremos um olhar sobre as disputas que surgem quando a série tensiona as expectativas dos fãs do jogo e dos espectadores da série ao estender ou modificar personagens e situações já consolidados previamente em um texto-cultural de uma narrativa transmidiática (Szwydky, 2020).
Nos indagamos sobre a retomada destes personagens e das suas narrativas na realização de um novo produto que, em outra linguagem midiática, produz uma nova experiência de encontro na recepção. Entendemos que esta noção de retomada, quando pensada através do prisma da adaptação audiovisual, é um elemento fundamental para elaborarmos a noção de reencontro, pois é no ímpeto deste resgate que nasce a possibilidade de uma experiência atualizadora de memória da matéria ficcional.
“Long, long time” se desvia da trama central para dar protagonismo a Bill, personagem importante em determinado momento do jogo. Na versão audiovisual, há a introdução do seu relacionamento com Frank, parceiro amoroso que transforma a maneira que Bill enxerga o mundo. Há um deslocamento narrativo do texto-fonte já que, no jogo, Frank tem sua vida encerrada precocemente e, através de um bilhete encontrado em sua casa, parece desprezar Bill. O terceiro episódio da série é inteiramente dedicado ao desenvolvimento aprofundado deste arco narrativo, que, ainda que trágico, evidencia um posicionamento não só por concretizar o laço romântico entre esses personagens nesta versão, mas também por representá-lo de forma afetuosa e impactante.
Propomos que a experiência de reencontro com a matéria ficcional de The Last of Us proporcionada pela versão audiovisual gera um desencontro incômodo através do qual denunciam-se os tensionamentos entre as escolhas narrativas da adaptação e a expectativa do público conhecedor do jogo. Escolhemos, portanto, iluminar estas questões através da análise da recepção do episódio citado acima pois é nele que reconhecemos um tensionamento intensificado que diz não só do debate intertextual inerente à lógica adaptativa, mas também, das fissuras pelas quais, neste caso, transbordaram reações preconceituosas, especialmente de teor homofóbico.
A percepção do reencontro tensionado entre a comunidade de espectadores reconhecedores desta narrativa e a adaptação faz-se presente na rejeição de parte significativa deste público ao episódio, destoando das manifestações de aprovação que a série vinha recebendo em espaços como o IMDb. Percebe-se, através de críticas reativas que, em acúmulo, se tornam um movimento ruidoso, que parte do público reconhecedor do texto-fonte se posiciona de maneira a acusar a série de acolher pautas identitárias a despeito da narrativa do jogo, usando deste argumento para recusar a inserção de um arco inclusivo da comunidade LGBTQIAP+.
Bibliografia
- ELLIOTT, Kamilla. Rethinking the novel/film debate. Cambridge University Press, 2003.
FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain de. Narrativas migrantes: literatura, roteiro e cinema. Ed. PUC Rio, 2010
HUTCHEON, Linda. A theory of adaptation. Londres, Routledge, 2012.
KRISTEVA, Julia. Semeiotiké: recherches pour une sémanalyse. 1969.
STAM, Robert. Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. In: Ilha do Desterro: Film Beyond Boundaries. Florianópolis: Editora UFSC n. 51, p. 019-053, 2006
SOALHEIRO, Marcela. Adaptação literária na cultura da convergência: clássicos e memória cultural. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2022.
SZWYDKY, Lissette Lopez. Transmedia adaptation in the nineteenth century. Columbus: Ohio State University Press, 2020.