Ficha do Proponente
Proponente
- Joice Scavone Costa (UFF, FACHA, UNIFOR)
Minicurrículo
- Joice Scavone é doutora em Cinema, estudos do som, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente leciona na Universidade de Fortaleza e nas Faculdades Integradas Hélio Alonso. É consultora técnica no Brazilian Film and Video Preservation Project | BFVPP | 1960-1980. Coordena cursos de formação em audiovisual na Academia Internacional de Cinema | AIC – SP e o Encontro Nacional dos Profissionais de Som no Cinema, junto ao Festival CineMúsica.
Ficha do Trabalho
Título
- OS EXCREMENTOS DO CORPO DA VOZ EM DOCE AMIANTO: O EXCESSO DO REAL
Formato
- Presencial
Resumo
- A experiência da artificialidade (STAM, 2015) no filme Doce Amianto (2013) ultrapassa os limites da linguagem cinematográfica para que a personagem tencione territórios e culturas. O excesso (WILLIAMS, 1991) que transborda esta disjunção (BALOGH, 1996) é, em si, um ato de resistência (DELEUZE, 1990) – no sentido de re-existência – pois a voz vem do outro lado da imagem e está sempre próxima ao espectador, independente da profundidade da imagem ou em relação aos demais elementos sonoros.
Resumo expandido
- O uso das fonações por Guto Parente, Uirá dos Reis e os profissionais de som do filme Doce Amianto (2013) carrega, ao escutarmos o filme, um rico valor estético e emotivo: arranjados pela dramaticidade, a dicção, o emprego das pausas, o uso dos pulmões, da língua, da boca, do nariz, o esforço físico de soltar e prender a respiração que demarcam o ritmo, o timbre, a entonação, a intenção e a espacialização da voz dos personagens do filme; desde a captação até a projeção nos falantes e sua apreensão pelo espectador.
O som mixado por Érico Reis Alexandre Paiva, mais conhecido como Sapão, técnico de áudio, editor de som e técnico de mixagem para cinema e música, contém códigos que corroboram a ideia de que a tela do cinema não seria separada do espectador, mas um meio de conectar o filme ao corpo que olha e escuta ao seu desejo mútuo pelo “real” (DOORN, 2010). A materialidade que sai dos falantes e se movimenta por ondas sonoras encosta nos corpos dos espectadores, mobilizando uma série de mecanismos de legitimação na subversão de códigos de performances de fala e de outros elementos sonoros, incluindo as relações estabelecidas fora do quadro. As mudanças nos aparatos técnico-estéticos sonoros ao longo da história do cinema influencia diretamente o desejo que estaria diretamente ligado ao corpo das personagens e que encarnam no corpo do espectador.
Em Doce Amianto, essa estratégia de autenticidade e de legitimação – no próprio filme – constrói a sensação de intimidade e proximidade partilhada entre o sujeito do filme e espectadores, sem que a veracidade seja imperativa. Pelo contrário, o excesso do real se estabelece como artifício explícito, o que desarma o espectador atento que se deixa ser enganado pelo pacto firmado na tessitura fílmica.
Os distintos diálogos, com a imaginação melodramática, a presenc?a do diretor e do aparato fílmico, a força das ações e dos relatos testemunhais apresentados como conversas e confissões e o uso de estratégias do domínio da ficção, em especial um investimento no uso dos close-ups e planos-detalhe, para justamente reiterar esse efeito emotivo de intimidade e interioridade, engendrado especialmente através dos close-ups no rosto (BALTAR, 2014, p. 11).
A presença do som direto pode ser utilizado para intensificar o prazer e o desejo, hiper individualizado, do espectador diante da materialidade do real que toca suas membranas. A ideia de maior proximidade com os sujeitos na tela, que se reverte em maior intimidade com os personagens, intensificaria as promessas de observação/encontro com a realidade cotidiana dos sujeitos e contém uma boa dose de prazer em ver, supostamente, cumprida a promessa de maior acesso íntimo ao real dos outros: pacto de intimidade (BALTAR, 2014).
As vozes das personagens de Doce Amianto foram mixadas de forma a soarem sempre na caixa central. Érico Sapão reforça: “Na verdade, tem até uma recomendação, porque num cinema, a única caixa que não pode falhar é a central. Todas as outras podem quebrar, falhar, não tocar, se a central falhar não tem filme”. Mas no filme cearense de 2013 a voz não apenas ocupa a caixa central como, em perspectiva aos movimento internos dos corpos na tela e, na relação com os demais sons, as vozes soam em primeiro plano (em close-up) e grudam no corpo do espectador. Sapão reivindica como estilo do seu trabalho como mixador essa localização da voz.
Nesse sentido, a escolha de Sapão está diretamente ligada à concepção hierárquica dos sons. O mixador opta por um modelo que preza a inteligibilidade em detrimento da fidelidade acústica e, nesse caso, sincrônica. O pesquisador James Lastra (2000) remete ao período inicial de desenvolvimento das técnicas de registro sonoro o modelo que teria por característica a valorizac?a?o de inteligibilidade e clareza do discurso em detrimento das condic?o?es acu?sticas do ambiente de gravac?a?o (LASTRA, 2000, 139).
Bibliografia
- BALOGH,A. Conjunções, disjunções, transmutações. Da literatura ao cinema e à tv. São Paulo: Annablume, 1996
BALTAR,M. “Real sex, real lives – excesso, desejo e as promessas do real”. In: E-compós, v. 17 n. 3, 2014
DELEUZE,G. Post-scriptum sobre as sociedades de controle (1990). Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992
DOORN,N. “Keeping it Real: User-Generated Pornography, Gender Reification, and Visual Pleasure”. In. Convergence: The International Journal of Research into New Media Technologies, vol. 16, 2010.
HOLMAN,T. Sound for filmand television. Boston: Focal Press, 2002.
LASTRA,J. Sound technology and the american cinema, perception, representation, modernity. New York: Columbia University Press, 2000.
PALLASMAA,J. A imagem corporificada: imaginação e imaginário na arquitetura. Bookman Editora, 2013.
STAM,R. Keywords in Subversive Film/Media Aesthetics. New Jersey: Wiley Blackwell, 2015.
ZUMTHOR, P. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2007.