Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Letícia Xavier de Lemos Capanema (UFMT)

Minicurrículo

    Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e do bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Líder do GECAS – Grupo de Estudos e Cinemas e Audiovisuais da UFMT. Atualmente, desenvolve a pesquisa “Narrativas da memória no audiovisual: lembrança, esquecimento e legibilidade histórica”

Coautor

    Luzo Vinicius Pedroso Reis (UFMT)

Ficha do Trabalho

Título

    Construções do olhar em “Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness”

Formato

    Presencial

Resumo

    Busca-se discutir as construções do olhar no filme “Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness”, rodado em MT em 1931. Considerado pioneiro na captação de som direto em documentários, o filme é uma realização da expedição liderada por Vladimir Perfilieff e financiada pelo Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia. Misto de filme científico e aventura, a obra apresenta uma visão paternalista e colonialista sobre os povos Bororo, suas práticas e tradições.

Resumo expandido

    “Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness” (John S. Clark Jr; Floyd Crosby e David M. Newell) é um filme realizado no estado de Mato Grosso em 1931 por uma expedição zoológica e etnográfica estadunidense, liderada pelo capitão russo Vladimir Perfilieff e financiada pelo Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia (Penn Museum). O filme é também considerado uma das primeiras experiências do documentário sonoro, com a utilização da câmera talkie, RCA Photophone, equipamento projetado pelo The Victor Talking Machine Company. A obra se encontra no acervo do Penn Museum, assim como seu material bruto, diários de bordo, fotos, mapas e outros objetos levados pelos expedicionários.

    Em entrevista concedida ao New York Times antes de sua partida, Eldridge Reeves Fenimore Johnson, principal financiador do Penn Museum na empreitada, revela a intenção de ser “a primeira expedição a trazer de volta filmes com gravações de sons reais feitos na selva” (NYT 3/6/31). A obra se torna, provavelmente, a primeira experiência de gravação de som documental em campo (POURSHARIATI, s/d), característica que é ressaltada em sua sinopse: “pela primeira vez os ruídos da selva brasileira são trazidos pelo cinema aos nossos centros civilizados. Uivos de animais bravios e gritos de índios. A música bravia da selva ainda não palmilhada no extremo norte de Mato Grosso” (BORGES, 2008, p.38). O passo a passo da expedição na “selva” mato-grossense foi acompanhado pelos cidadãos “civilizados” dos EUA por meio de transmissões radiofônicas geradas dos acampamentos da expedição, na fazenda Descalvado, em Cáceres/MT (mesma fazenda que abrigou as equipes das expedições Rondon – 1913/1914).

    A intenção inicial era fazer um filme de ficção, mas resulta em um misto de filme científico com aventura, pioneiro no uso do som sincronizado em gêneros não ficcionais. O filme apresenta a flora e a fauna de paragens próximas ao Rio da Dúvida (também filmadas pela expedição Rondon-Roosevelt, em 1914), além de registros e situações encenadas junto ao povo Bororo. Destaca-se o grande interesse dos expedicionários nas práticas da caça, principalmente, da onça, gerando cenas de caçada realizadas para o registro da câmera talkie.

    A partir de abordagens decolonialistas, o filme tem sido identificado como exemplo do olhar paternalista e exótico do norte global sobre as povos originários latino americanos, além de sintoma do ímpeto extrativista e exploratório de um colonialismo tardio e persistente que atravessa o século XX. Segundo a pesquisadora Iris Lacerda, “o que seria um longa metragem ficcional acabou virando uma documentação geográfica e factual da colonização em sua pura essência” (2022, p.66).

    Em 1941, o material bruto do filme é remontado, gerando a versão de curta duração “Primitive Peoples of Matto Grosso”, com roteiro feito pelo antropólogo italiano Vincenzo Petrullo, que representou o Penn Museum na expedição realizada em Mato Grosso em 1931. Nesse filme, percebe-se a continuidade de um olhar colonial que classifica o outro como povo primitivo e objeto de estudos científicos de sociedades pretensamente civilizadas.

    A partir do exame da trajetória de “Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness” – que atravessa a história do documentário sonoro, do filme científico e etnográfico, das representações dos povos originários e do cinema realizado em Mato Grosso – propomos discutir as construções do olhar presentes no filme, bem como suas reverberações de 1931 até os dias atuais, gerando outras legibilidades de um filme que articula o passado e presente dos povos originários enquanto objeto e portadores do olhar no cinema.

Bibliografia

    BORGES, Luiz Carlos de O. Coleção Memória e Mito do Cinema em Mato Grosso. Vol.3 – Filmografia do Cinema em Mato Grosso. Cuiabá: Editora Entrelinhas, 2008.

    CAIUBY N., Sylvia, CUNHA, E. T., HENLEY, P. The first ethnographic documentary? Luiz Thomaz Reis, the Rondon Commission and the making of Rituais e festas Borôro (1917). Visual Anthropology. v. 30, n. 2, p. 1- 43. 2017.

    CAIUBY N., Sylvia; CUNHA, Edgar T.. Paisagens da memória: as primeiras imagens visuais dos Bororo do Brasil Central. Revista da Associação Brasileira de Antropologia, 2019.

    LACERDA, Íris A. O cinema entre rios. In: Cinema e Audiovisual em Mato Grosso. Vol.1. Org: SIQUEIRA, A. W. N.; LIMA, D. B.; COSTA, G. M.; CAPANEMA, L. X. L. São Paulo: Paruna Editorial, 2022.

    POURSHARIATI, Kate. A history of an expedition to Mato Grosso Brazil and Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness (1931). Site do Penn Museum, (s/d).