Ficha do Proponente
Proponente
- Fabiano Pereira de Souza (USP)
Minicurrículo
- Doutor e Mestre em Comunicação Audiovisual, na linha de pesquisa Análises de Produtos Audiovisuais, e especialista em Cinema, Vídeo e Fotografia – Criação em Multimeios pela UAM (SP). Iniciou, em 2023, Pós-Doutorado no Departamento de História da FFLCH-USP. Pesquisa inovações de montagem pela perspectiva histórica e estética. Integrante do grupo de pesquisa, inscrito no CNPq, Cinema expandido, da estereoscopia ao web footage: novos regimes de visualidade no século XXI.
Ficha do Trabalho
Título
- A montagem como efeito visual na representação nostálgica da mulher
Mesa
- Mulher no Cinema contemporâneo: contestação, tradição e resistência
Formato
- Presencial
Resumo
- A representação da figura feminina em Tron: o legado (Tron: legacy, EUA, 2010), de Joseph Kosinski, Blade Runner 2049 (EUA/Reino Unido/Canadá/Espanha, 2017), de Denis Villeneuve, e O exterminador do futuro: destino sombrio (Terminator: dark fate, EUA/China, 2019), de Tim Miller, indica como a montagem espacial atualiza os limites dos efeitos visuais e reflete como a nostalgia em Hollywood reforça premissas sociais em ciclos de retrocesso conservador.
Resumo expandido
- Em seu uso da nostalgia dos anos 1980 como estratégia de soft power (poder suave) nos anos 2010, o cinema de Hollywood reconfigurou a abordagem edulcorada da nostalgia dos anos 1950, tão reiterada na década de 1980. Num cenário histórico de crescente conservadorismo cultural, social e político, esse novo ciclo nostálgico hollywoodiano se estruturou com bem mais frequência em novas versões de antigos filmes de sucesso da época do que no resgate da vida cotidiana dos anos 1980. Paradoxalmente, é em tramas passadas em futuros distópicos que muito dessa nostalgia se estrutura.
A representação da figura feminina em algumas dessas obras é um exemplo catalisador do elo entre esses três tempos, como demonstram Quora no filme Tron: o legado (Tron: legacy, EUA, 2010), de Joseph Kosinski, Rachael em Blade Runner 2049 (EUA/Reino Unido/Canadá/Espanha, 2017), dirigido por Denis Villeneuve, e Sarah Connor em O exterminador do futuro: destino sombrio (Terminator: dark fate, EUA/China, 2019), de Tim Miller.
Atrelada à natureza irrecuperável do passado, a nostalgia, envolve uma fisicalidade visceral e impacto emocional, notam Hutcheon e Valdés (2000, p. 21). “Mas esse poder vem em parte de sua estrutura duplicação de dois tempos diferentes, um presente inadequado e um passado idealizado” (HUTCHEON, VALDÉS, 2000, p. 19-20), que mistura memória e desejo.
A série televisiva O conto de Aia (The handmaid’s tale, EUA, 2017), criada por Bruce Miller a partir do livro de sucesso lançado por Margaret Atwood em 1985, traz um futuro distópico especificamente opressivo e violenta para as personagens femininas. A obra inspirou protestos contra os ataques de Donald Trump aos direitos reprodutivos da mulher e seus casos de assédio sexual e misoginia (CREED, 2022, pg. 35), como os do movimento #MeToo. Entretanto, a construção da imagem da mulher no cinema faz do viés nostálgico um motivador para elaborações mais sutis.
Facilmente despercebidas, imagens que hibridizam o corpo feminino em cena com colagens verossimilhantes camuflam a mutilação imagética, seja por remoção ou substituição de partes visíveis desses corpos, como o braço de Quora e os rostos de Rachael e Sarah. São procedimentos que revelam aspectos das tramas, mas também de processos produtivos de Hollywood e do contexto social em que se situam.
A irrealidade da imagem já está no nosso olhar, mesmo sem a intermediação da câmera. A pós-imagem, formada com sutil atraso para a percepção humana por conta do funcionamento da retina, registra uma sobreposição constante de imagens para nossa leitura, gerando certa uma inextricabilidade do passado e do presente (DOANE, 2002). A memória humana também interfere na percepção em diversos momentos. Há um discurso de simultaneidade como exaltação lírica, manifestação plástica de um novo estado da percepção. “A velocidade absoluta é igual à simultaneidade, e a comunicação se torna instantânea”. (DOANE, 2002, p. 84-85).
A partir de uma compreensão que estreita as diferenças entre o conceito de montagem espacial (MANOVICH, 2001) e o que habitualmente se delimita enquanto efeitos visuais, ampliando-se o pensamento relacionado à montagem fílmica (ALBERA, 2010), os apagamentos de parte ou da totalidade da imagem do corpo feminino para diferentes funções narrativas trazem os cortes, ainda que invisíveis (DANCYGER, 2006), para o interior do quadro, atualizando e especificando a reflexão sobre a mise-en-cadre (EISENSTEIN, 1991).
Essas mutilações imagéticas também refletem aspectos culturais de um processo histórico de redimensionamento restritivo da participação social feminina, pautado por embates políticos ligados à autonomia do próprio corpo versus controle social, dissolução dos limites entre humano e maquínico, bem como o apagamento das fronteiras entre passado, presente e futuro.
Bibliografia
- ALBERA, François. The case for an epistemography of montage: the Marey moment. In: ALBERA, François; TORTAJADA, Maria. Cinema beyond film: media epistemology in the modern era. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2010, p. 59-78.
CREED, Barbara. Return of the monstrous-feminine: feminist New Wave Cinema. Nova York: Routledge, 2022.
DANCYGER, Ken. The technique of film and video editing: history, theory, and practice. Burlington: Focal Press, 2006.
DOANE, Mary Ann. The afterimage, the index, and the acessibility of the present. In: The emergence of cinematic time. Modernity, Contingency, the Archive. Cambridge: Harvard University Press, 2002, p. 69-107.
EISENSTEIN, Sergei. Montage 1937. Montage 1938. Towards a theory of montage. Londres: BFI, 1991.
HUTCHEON, Linda, VÁLDES, Mario J.. Irony, nostalgia, and the postmodern: a dialogue. In: Poligrafías. Revista de Literatura Comparada, n. 3, 2000, p. 18-41.
MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge: MIT Press, 2001.