Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    JOCIMAR SOARES DIAS JUNIOR (UFF)

Minicurrículo

    Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCine-UFF). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM-UFF). Bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF, 2014), com passagem pela Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), em Lisboa (2011-2012). É um dos editores da Revista Moventes e oferece cursos livres através da plataforma Ritornelo Audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    A Grande Vedete (1958): Watson Macedo sob o signo de Oscar Wilde

Seminário

    Tenda Cuir

Formato

    Presencial

Resumo

    Nesta apresentação, proponho uma releitura queer de A Grande Vedete (1958), um pastiche de Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder, 1950) dirigido por Watson Macedo e estrelado por Dercy Gonçalves. Através de arcabouço teórico queer que mapeia as reverberações da figura de Salomé criada por Oscar Wilde nas subculturas homossexuais, gostaria de reivindicar a frescura de Watson Macedo, localizando-o como participante brasileiro de uma série de reapropriações queer do mito salomeico wildeano.

Resumo expandido

    Em dado momento de A Grande Vedete (Watson Macedo, 1958), uma espécie de pastiche de Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder, 1950), Ambrósio (Catalano) sugere à envelhecida vedete Jeanette (Dercy Gonçalves), nossa Norma Desmond abrasileirada, uma ideia de número musical extravagante para salvar seu atual espetáculo da falência: em “A Sedução das Serpentes”, em meio a trinta bailarinas seminuas, Jeanette representaria a virtude contra as tentações, representadas por cobras vivas no palco. Jeanette se encanta com a proposta de reencenação do mito edênico. Na cena seguinte, o Teatro Municipal está lotado para assistir àquele novo número. Ao som da versão instrumental da canção “Salomé”, de Mário Mascarenhas, Jeanette começa a dançar uma desengonçada Dança dos Sete Véus perante seus súditos… até que o domador de serpentes, nos bastidores, perde o controle de suas perigosas víboras, que se espalham rapidamente pelo palco, tornando tudo um verdadeiro pandemônio. Músicos, dançarinos e plateia, amedrontados, batem em retirada, e Jeanette tenta se resguardar em seu flamejante trono no alto das escadas, mas não percebe que uma das peçonhentas estava justamente ali: ao sentar-se, a vedete acaba recebendo uma inesperada mordida nas nádegas.

    As plateias da época – em especial, as cariocas – provavelmente reconheceram essa fracassada performance como uma evidente sátira dos espetáculos da naturista Luz del Fuego e seus ofídios, e também como uma versão às avessas da polêmica Dança dos Sete Véus performada pela vedete adolescente Conchita Mascarenhas, numa inversão etária que provavelmente motivou o riso dos espectadores. Mas, para além dessas referências mais imediatas ao teatro de revista daquele tempo, que outras podem vir à tona a partir de uma perspectiva queer da obra de Watson Macedo, um cineasta homossexual no armário?

    Nesta apresentação, proponho uma releitura queer de A Grande Vedete sob o signo de Oscar Wilde. A figura da Salomé wildeana, geralmente atrelada a de seu autor, foi rearticulada uma série de vezes por artistas homossexuais e mulheres desde sua polêmica aparição na década de 1890 (BARTLETT, 1988; MEYER, 1994; SHOWALTER, 1990), mas seu impacto na cultura brasileira é por vezes ignorado. Através de pesquisas recentes, é possível mapear o uso do nome de Oscar Wilde como sinônimo para homossexualidade masculina desde a virada do século XIX para o XX na imprensa carioca, além da frescura (camp) atrelada à figura de João do Rio, considerado o Oscar Wilde brasileiro, tradutor de muitas de suas obras para o português, incluindo Salomé (BRAGA-PINTO, 2018). Além disso, Crepúsculo dos Deuses seria um filme-chave para entender um dos aspectos da sensibilidade fresca (camp) que derivaria de certa herança wildeana: o fascínio pela obsolescência cultural, por redescobrir e revalorizar a “sucata da história” (ROSS, 1989). Ao fazer não uma paródia, mas um pastiche (DYER, 2007), uma “imitação sem sátira” do filme de Wilder, Watson aparentemente julgava a obsessão de Norma Desmond (Gloria Swanson) pela juventude de Salomé como uma característica relevante do filme estadunidense, a ponto de escolher reapropriar-se dela no número musical mais marcante do filme. Seria tal ênfase relacionada à sua homossexualidade, atrelada a um investimento afetivo específico em direção a Wilde e sua peça mais célebre? Macedo rearticulou os principais temas salomeicos, mas também os tensionou em parceria com Dercy Gonçalves, cuja interpretação característica da “anti-vedete” debocha da idealização de feminilidade e juventude que as vedetes vendiam ao público (NAMUR, 2009) e culmina numa carnavalesca abocanhada anal. Levando em conta o horizonte teórico supracitado e curiosos achados arquivísticos (entre eles, uma insinuação da homossexualidade de Macedo através da evocação direta da alcunha wildeana em uma crítica de jornal), gostaria de reivindicar a frescura de Macedo, localizando-o como participante de uma série de reapropriações queer da Salomé de Wilde.

Bibliografia

    BARTLETT, Neil. Who Was That Man?: A Present for Mr. Oscar Wilde. Londres: Profile Books, 1988.
    BRAGA-PINTO, César. “Sexualidades Extra-vagantes: João do Rio, Emulador de Oscar Wilde”. Revista Brasileira de Literatura Comparada, v. 20, n. 35, pp. 88-100, 2018.
    DYER, Richard. Pastiche. Londres e Nova York: Routledge, 2007.
    MEYER, Moe. “Under the Sign of Wilde: An Archaeology of Posing”. In: MEYER, Moe (ed.). The Politics and Poetics of Camp. Londres, Nova York: Routledge, 1994.
    NAMUR, Virginia Maria de Souza Maisano. Dercy Gonçalves — O corpo torto do teatro brasileiro. 2009. 368f. Tese (Doutorado em Artes) — Programa de Pós-Graduação em Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.
    ROSS, Andrew. “Uses of Camp”. In: No Respect: Intellectuals and Popular Culture. Londres, Nova York: Routledge, 1989. p. 146-189.
    SHOWALTER, Elaine. Sexual Anarchy: Gender and Culture at the Fin de Siècle. Nova York: Viking, 1990.