Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Hannah Serrat de Souza Santos (UFMG/IFNMG)

Minicurrículo

    Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGCOM/UFMG). Mestre e Bacharel em Comunicação Social pela mesma instituição, interessada nos modos de aparição dos povos e espaços periféricos no cinema. Pesquisadora e crítica de cinema, integra o grupo de pesquisa Poéticas da Experiência (PPGCOM/UFMG). Atualmente, atua como produtora cultural no IFNMG Campus Diamantina.

Ficha do Trabalho

Título

    Hostilidades, hospitalidades: o estrangeiro em “Outubro” e “Timbuktu”

Seminário

    Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas

Formato

    Presencial

Resumo

    Neste trabalho, buscamos aproximar dois filmes realizados por Abderrahmane Sissako, “Outubro”, curta-metragem realizado em 1993, e “Timbuktu”, lançado mais de 20 anos depois, em 2014. Interessa-nos traçar um paralelo entre os modos com que a figura do estrangeiro é abordada, considerando formas de acolhimento e de confrontos, que atravessam corpos e territórios periféricos retratados pelos filmes. Diante do encontro entre conhecidos e desconhecidos, como o cinema retrata coabitações possíveis?

Resumo expandido

    A crença de que é preciso enfrentar a separação do mundo em dois, entre conhecidos e desconhecidos, nativos e estrangeiros, populações autóctones e halógenas, mobiliza o cinema do realizador mauritano Abderrahmane Sissako desde “Le Jeu” (1991), seu primeiro curta-metragem, realizado para a conclusão de seu curso de graduação em Moscou. Atento aos movimentos migratórios, às diásporas e aos processos coloniais do passado e do presente, Sissako aborda, de maneira geral, a questão do estrangeiro como linha central em seu trabalho. Dedicados a investigar seus filmes, especialmente considerando os modos de aparição dos sujeitos em suas relações com o território, propomos traçar, neste trabalho, aproximações entre dois de seus filmes: “Outubro” (1993) e “Timbuktu” (2014).

    “Outubro” é o segundo curta-metragem de Sissako e o primeiro em que é abordada diretamente a experiência da imigração. Em resumo, o filme narra a despedida de um casal na periferia de Moscou: Irina, uma jovem russa, e Idrissa, um jovem africano que está prestes a voltar para casa. Realizado mais de 20 anos depois, “Timbuktu” (2014), por sua vez, retrata o cotidiano de uma cidade afetada pela presença estrangeira de jihadistas, bem como as formas de violência que ali se constituem e os modos de resistência a elas. Enquanto “Outubro” dedica-se a retratar a questão do estrangeiro que se vê deslocado fora de casa, observando uma fratura que cerca não apenas a relação amorosa, mas também a possibilidade de enredar laços de vizinhança; em “Timbuktu”, acompanhamos a situação daqueles e daquelas que, estando em sua própria casa, passam a ser eles mesmos como como estrangeiros que precisam reaprender a viver no território sob as leis e as regras de seus invasores. Para onde voltar quando sua própria casa encontra-se sitiada? Ou ainda, como pensar a questão da hospitalidade, quando aparentemente já não há, então, mais ninguém apto a desejar “boas-vindas”?

    Guardadas as diferenças, a situação, em “Timbuktu”, com a invasão dos jihadistas, remete-nos àquela do palestino que retorna à terra natal, como Edward Said poderia descrever ao voltar para casa em Jerusalém, a partir dos versos de Mahmoud Darwish: “Fiquei parado à porta, como um mendigo. Como pedir permissão a estranhos que dormiam em minha própria cama?” (Darwish apud Butler, 2017, p. 220), ou ainda: “sou de lá, sou daqui,/ mas não estou lá nem aqui” (idem, p. 225). Apesar da reiterada distância em relação à experiência palestina, os versos de Darwish devolvem-nos também ao comentário de Sissako que citamos anteriormente a respeito de Outubro e ao período vivido por ele em Moscou. Tratava-se, ele dizia, de “chegar e partir ao mesmo tempo, sem intervalo”: não estar, portanto, em lugar nenhum. O ponto de vista de quem ocupa um lugar entre-dois é especialmente constitutivo do cinema de Sissako que, não por acaso, retrata personagens que precisam se haver sempre com a dispersão e com a separação, mas também com o encontro com o outro.

    Tendo em vista a necessidade de reconstituição de uma comunidade fraturada, interessa-nos pensar a tarefa ética e política do cinema de Sissako, que se dirige às coabitações das diferenças, às relações de cuidado e aos modos de hospitalidade. Acreditamos que a aproximação entre os dois filmes citados permite-nos melhor compreender essa tarefa, especialmente considerando que, como sugere Mbembe (2017, p. 66), cada vez mais tem se afirmado a projeção de um “mundo sem”, um “‘mundo que se desembaraça’ (…) dos migrantes que vêm de todo lado, dos refugiados e de todos os náufragos”. Um mundo que almeja, em suma, o desaparecimento do outro e que se interessa propriamente por apartar a figura do estrangeiro. Visamos, portanto, compreender o modo com essa figura é abordada, considerando formas de acolhimento e de confrontos, que atravessam os corpos e territórios periféricos retratados pelos filmes. Diante do encontro entre conhecidos e desconhecidos, como o cinema retrata coabitações possíveis?

Bibliografia

    BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.
    BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e perspectiva negra. Revista Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 15 – 24, jan/abr. 2016.
    BUTLER, Judith. Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo. São Paulo: Boitempo, 2017.
    DIAWARA, Manthia. Não arredamos pé. Lisboa: Europress, 2008.
    DUARTE, André. Comunidade, singularização e subjetivação: notas sobre os coletivos políticos do presente. O que nos faz pensar, n. 35, dez. 2014, p. 211 – 227.
    FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
    MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. São Paulo: n-1 edições, 2018.
    ________. Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona Editores Refractários, 2017.
    NANCY, Jean-Luc. Cosmos Basileus. Trad. Pablo Ghetti. Direito & Práxis, v. 97, n. 13, 2016, p. 898 – 915.