Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Arthur Ribeiro Frazão (UFRJ)

Minicurrículo

    Montador e realizador audiovisual, possui graduação em Comunicação Social – Rádio e TV (2007) e mestrado em Comunicação e Cultura (2018) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ficha do Trabalho

Título

    A transgressão nos vestígios audiovisuais do coletivo 3 Antena

Mesa

    Inventar, escavar, transgredir: produção de memória no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Entre 1987 e 1990, o coletivo anônimo 3 Antena realizou esporádicas transmissões clandestinas de televisão no Rio de Janeiro. Da experiência do grupo, restam dois vídeos exibidos no Festival Vídeo Brasil e algumas fitas magnéticas com fragmentos da programação. Nesta comunicação, os vestígios sobreviventes da atuação do coletivo 3 Antena são recuperados para problematizar a noção de transgressão na arte no contexto da redemocratização brasileira.

Resumo expandido

    Entre 1987 e 1990, o coletivo audiovisual anônimo 3 Antena, realizou esporádicas transmissões clandestinas de televisão no Rio de Janeiro. O coletivo produziu e exibiu uma série de programas audiovisuais, estruturados em vídeos curtos e vinhetas frequentemente realizados com a apropriação e remixagem de imagens de emissoras de televisão. Com um equipamento de VHS, transmissor e antena portáteis, a 3 Antena transmitia seus programas no canal 8, invadindo a programação doméstica de diversos bairros da zona sul da cidade. Neste período, munidos da mesma tecnologia, outros coletivos realizaram experiências com televisões livres no Brasil, ao passo que surgia um ativismo pela democratização do acesso à comunicação, incorporado no polifônico espectro da luta de rádios e televisões livres e comunitárias. A concentração das concessões das televisões nas mãos de um pequeno grupo pertencente à elite política e econômica do país, projeto intensificado principalmente após a ditadura civil-militar (1964-85), instigou diversos atores sociais a questionarem os limites da lei e agirem.
    Ao pensar a sociedade brasileira, Marilena Chauí (2001, p. 14) entende a lei como força responsável pela “conservação de privilégios e o exercício da repressão”. Neste sentido, “as leis aparecem como inócuas, inúteis ou incompreensíveis, feitas para serem transgredidas e não para serem transformadas” (CHAUÍ, 2001, p. 14). A transgressão e sua relação com o limite é um problema que se apresenta de maneira recorrente na história das artes. Nesta comunicação, propomos recuperar os vestígios audiovisuais e documentais do trabalho do coletivo 3 Antena para pensar a noção de transgressão no contexto da redemocratização brasileira.
    Da experiência de televisão pirata do coletivo 3 Antena algumas imagens foram preservadas. Dois vídeos estão guardados no arquivo da Associação Cultural Videobrasil, como parte do acervo das obras audiovisuais exibidas no Festival Vídeo Brasil. Além dos vídeos Desobstruindo os Canal Tudo! (1990) e ÉCU 92 (1992), um conjunto de fitas Umatic e suas cópias em Betacam são os fragmentos da experiência de performance com televisão pirata realizada pelo coletivo que sobreviveram ao tempo. Uma memória audiovisual de carácter lacunar e fragmentada. Os vídeos sobreviventes não se organizam numa relação causal. Montados com intervalos, os vídeos são intercalados por alguns frames de color bar ou tela preta. Numa reportagem da TV Manchete de 1990 incorporada à programação da 3 Antena, um grupo de pessoas é preso pela polícia por assistir a uma transmissão do coletivo em um bar. Uma cena que revela os resquícios do autoritarismo brasileiro e transforma o ato de assistir em um gesto transgressor.
    Além da legislação de radiodifusão, o trabalho do coletivo 3 Antena transgredia a moralidade e debochava de figuras públicas. Como nos exemplos da vinheta que exibe uma pessoa defecando, na entrevista de Roberto Marinho dublada por uma voz que ensina a fazer uma transmissão pirata e na chamada para o próximo programa, quando o ministro da saúde ensinará o espectador a apertar um baseado. No trabalho do coletivo, o questionamento dos limites não diz respeito apenas aos aspectos legais e morais, mas opera no próprio dispositivo televisivo. O caráter esporádico e aleatório das transmissões se aproxima da efemeridade e do acaso dos happenings, e se diferencia da previsibilidade das grades televisivas. Neste sentido, as transmissões da 3 Antena se inscrevem no campo das performances audiovisuais. De um ponto de vista histórico que compreende o anacronismo das mídias, tecnologias e seus usos nas artes audiovisuais (DUBOIS, 2019), as performances da 3 Antena redesenham os limites do dispositivo televisão enquanto uma experiência de audiovisual expandido.

Bibliografia

    FOUCAULT, Michel. “Prefácio à Trangressão” In: BARROS DA MOTTA, M. (org). Ditos e Escritos III: Estética, Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 28-46.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. “O duplo regime da imagem” In: A semelhança informe ou o gaio saber visual segundo Georges Bataille. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015, p. 19-39.
    DUBOIS, Philippe. “Pós-Fotografia, Pós-Cinema: os desafios do Pós”. In: DUBOIS, P.; FURTADO, B. (Org.). Pós-Fotografia, Pós-Cinema. São Paulo: Edições Sesc, 2019.
    MACHADO, Arlindo (Org.). Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Iluminuras, 2007.
    CHAUÍ, Marilena. Escritos sobre a universidade, São Paulo, Editora UNESP, 2001.
    PERUZZO, Cicilia. “TV comunitária no Brasil: aspectos históricos”. In: TV e cidadania. Porto Alegre: Rede Brasil de Comunicação Cidadã, 2002, p. 1-22.