Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    NINA VELASCO E CRUZ (UFPE)

Minicurrículo

    Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do curso de graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pernambuco. Possui pesquisa na área de comunicação e arte.

Ficha do Trabalho

Título

    Botannica Tirannica: arte, ciência e imagem técnica

Mesa

    Poéticas do Audiovisual: sobre eventos e objetos das artes

Formato

    Presencial

Resumo

    Pretende-se discutir a relação entre arte, ciência e imagem técnica a partir da instalação da artista Giselle Beiguelman, intitulada Botannica Tirannica (2022). A exposição é composta por imagens fotográficas e vídeos gerados por inteligência artificial a partir de um banco de dados criado pela artista que reúne plantas com nomes que remetem a estigmas pejorativos ligados a diferentes grupos historicamente vitimizados pelo projeto colonial moderno.

Resumo expandido

    A obra Botannica Tirannica (2022), de Giselle Beiguelman, será o ponto de partida a partir do qual pretende-se discutir a relação entre arte, ciência e imagem técnica, especialmente no que diz respeito às suas implicações políticas e éticas. Trata-se de uma instalação exibida no Museu Judaico de São Paulo, composta por imagens fotográficas, vídeos, desenhos em aquarela, objetos e plantas vivas, em um conjunto que remete às exposições de museus científicos. No entanto, no lugar de promover a difusão da ciência como um discurso neutro e universal, a exposição se propõe a revelar os aspectos “tirânicos” que estão subjacentes à prática científica moderna e sua relação com os discursos “científicos” que basearam o projeto colonialista europeu.
    A ideia do trabalho surgiu quando a artista ganhou de presente uma muda de planta cujo nome popular é “judeu errante”. Beiguelman, que tem origem judaica, se espantou ao saber que uma característica pejorativa associada ao povo judeu (sua suposta falta de enraizamento), era o nome de uma planta tão familiar e comum na flora brasileira. A partir de uma pesquisa, então, a artista descobriu que há milhares de espécies de plantas nomeadas (seja científica ou popularmente) com expressões que remetem aos mais variados tipos de preconceito: antissemitismo, racismos de contra diversas etnias, misoginia, entre outros preconceitos ligados a aspectos físicos ou comportamentais. Outro aspecto que chamou a atenção da artista, ao produzir uma extensa catalogação das espécies de planta que recebem nomes de caráter pejorativo, foi o fato de muitas dessas plantas serem consideradas “ervas daninhas”, de nenhum ou pouco valor comercial, ou pior ainda, espécies que são sistematicamente exterminadas por seu poder de proliferação e resiliência. Essa constatação gerou uma reflexão acerca da relação entre a prática científica de nomear espécies (a taxonomia) e os discursos racistas que fundamentaram a violenta tomada de territórios, a dizimação de etnias e o apagamento de culturas e a escravização de povos, intrínsecos ao projeto colonialista europeu.
    A artista, que tem uma trajetória de obras que relacionam arte, mídia e tecnologia, propôs, então, a criação de duas séries de imagens criadas a partir do uso de inteligência artificial, Flora Mutandis (composta por 5 vídeos de 2´55´´ – Judeus, Roma, Indígenas, Negros e Mulheres) e Flora Rebeldis (composta por 18 imagens estáticas, cada uma intitulada pelo nome da espécie híbrida que representam). Nos dois casos, a artista usou uma ferramenta de machine learnig chamada StyleGAN2 (a sigla GAN significa “generative adversarial network”) para criar espécies híbridas de flores a partir do “cruzamento” das diversas espécies agrupadas em seu banco de dados. O nome de cada espécie nova também foi criado a partir de algoritmos que embaralham a nomenclatura das espécies originais.
    A estratégia dessa técnica de inteligência artificial se dá a partir do confronto entre dois sistemas generativos diferentes, buscando ensinar programas de geração artificial de imagens a refinar suas criações, no intuito de torná-las mais realistas e controláveis. Segundo Beiguelman, a lógica que rege essa tecnologia “reproduz muitas das metodologias da taxonomia tradicional, no seu processo de classificação, nomeação, categorização para que os dados virem datasets, conjuntos de dados úteis para a machine learning, e produzam resultados”. No entanto, Giselle propõe um “curto-circuito” no processo do aprendizado da máquina, colocando dados incongruentes, ao alimentar o sistema apenas com o conjunto de plantas selecionadas previamente por fazerem referências aos preconceitos identificados na taxonomia botânica. Por esse motivo, no lugar de ensinar a máquina a criar uma imagem realista de uma possível planta real, o resultado é a criação de espécies completamente originais, que revelam uma nova natureza possível ou “uma pós-natureza”, nas palavras da artista.

Bibliografia

    BEIGUELMAN, Giselle. Botannica Tirannica: histórias de um ecossistema errante em três atos que podem ser lidos em qualquer ordem. In: Revista Rosa, vol. 5, n. 3, jul. 2022
    ENTLER, Ronaldo. Paradoxos e contradições da pós-fotografia. In: Revista Zum, publicado em 19/08/2020. Disponível em: https://revistazum.com.br/colunistas/pos-fotografia/
    NUNES, Mateus. Por uma botânica rebelde. In: Revista Zum, publicado em 15/06/2022. Disponível em: https://revistazum.com.br/exposicoes/botanica-rebelde/