Ficha do Proponente
Proponente
- Anália Alencar Vieira (UFF)
Minicurrículo
- Mestranda em Cinema e Audiovisual (PPGCine/UFF), bacharel em Comunicação Social (UFRN) e agroecóloga (SERTA/PE). Além de curadora de mostras de cinema socioambiental, integrou o Júri Jovem da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes e a curadoria de filmes internacionais do 32º Curta Kinoforum. Na direção audiovisual, realizou diversos curtas-metragens, dentre eles Bege Euforia (2022), com os prêmios de melhor fotografia, elenco e cartaz; Vendo de Olhos Fechados (2023); e Tato Fino (em produção).
Ficha do Trabalho
Título
- A ECODELIA NOS FILMES VISIONÁRIOS
Formato
- Presencial
Resumo
- Para analisar os agenciamentos narrativos e estéticos de obras audiovisuais que se inserem no movimento da arte visionária, busca-se compreender de que modo as experiências em estados não ordinários de consciência são transpostas nos filmes, sob a hipótese de que as obras decorrentes das mirações acionam perspectivas não-antropocêntricas e propiciam uma revisão epistemológica e política quanto à natureza, produzindo um engajamento sensível e fazendo do filme uma ferramenta de ação ecocrítica.
Resumo expandido
- Estamos vivenciando o colapso ambiental e, apesar do negacionismo vinculado ao medo, ao individualismo e aos interesses econômicos, trata-se de uma realidade que nos absorve e nos afeta, pois o céu está prestes a cair sobre as nossas cabeças, como nos avisou Davi Kopenawa, e assim sucederá enquanto agirmos como se natureza fosse algo separado e externo a nós – sintoma agudo, dentre outras causas, da cegueira botânica que nos assola. Em meio às ruínas do antropoceno/capitaloceno, como aderir às perspectivas dos povos que ainda sonham e pertencem à floresta, compreendendo-a como um espaço relacional entre os diversos seres que a constitui através da comunicação com os sujeitos sencientes que são as plantas, ao contrário da concepção que as limita como recurso disponível a ser explorado?
Encruzilhadas ancestrais e científicas oriundas da renascença da pesquisa psicodélica têm demonstrado que um dos efeitos mais notórios alcançados durante os percursos de navegação interior conduzidos por cartografias xamânicas através de rituais com músicas e enteógenos é o das visões, também conhecidas como miração, cujo conteúdo tem sido uma fonte inestimável não somente para a compreensão das mais diversas questões universais, bem como para uma expressão artística advinda de um contato estético primário ocorrido durante as experiências extáticas. Embora a expressão artística decorrente de tais experiências seja uma forma de criação existente há milênios, desde as primeiras manifestações humanas na terra, há apenas pouco mais de vinte anos ela é compreendida enquanto movimento através do Primeiro Manifesto da Arte Visionária, proposto por Laurence Caruana (2001).
Embora não seja um fenômeno novo e não se defenda um estilo específico, podendo ser utilizados diversos tipos de materiais, formas e suportes, é nas artes plásticas que o movimento se torna mais conhecido. No cinema, uma abordagem tangencial do viés visionário em questão é refletida em publicações que, além de não se relacionarem diretamente com o que propõe Caruana, interpelam produções emergidas nos contextos da avant-garde, do realismo psicológico, da contracultura e do movimento psicodélico dos anos 1960. Ao invés disso, aqui, as produções audiovisuais passíveis de investigação não se projetam como uma emulação de estados “alterados”, tampouco como uma simples incursão temática, mas se caracterizam enquanto obras que derivam de um importante aspecto da experiência visionária, ligado a uma expansão de consciência capaz de gerar mudanças profundas nos padrões de pensamento, percepção sensorial, cognição, emoção e na relação com o meio ambiente.
Se as visões com os olhos fechados — aqui não reduzidas a referenciações oculocêntricas, mas abrangidas pela gama de compreensões, sensações sinestésicas, intuições e outros acessos ontológicos que contemplam as práticas visionárias — produzem, a partir da dissolução do ego e do contato com outros seres, experiências que reposicionam os sujeitos perante questões pessoais e coletivas, facilitando a qualidade da imaginação de outros futuros e mundos possíveis, supõe-se que as obras decorrentes das mirações acionem espécies de eco-visões, nas quais se descentraliza a espécie humana através da abertura de perspectivas não-antropocêntricas e de relações interespécies, projetando uma revisão epistemológica e política quanto à relação com a natureza e fazendo do filme uma ferramenta de ação ecocrítica.
Desse modo, abrem-se outras possibilidades de entendimento do mundo “natural” que reposicionam o mineral e o vegetal, além da construção de alteridade com animais não-humanos. Nesse sentido, é possível, ainda, que obras audiovisuais de arte visionária se destaquem entre filmes de temática socioambiental devido ao fato de apresentarem uma ampla possibilidade de experiência sensorial ao buscar unir territórios do humano e do não-humano através do invisível que se apresenta nas mirações e se materializa nas obras.
Bibliografia
- ALVERGA, Alex Polari de. O Livro das mirações: viagem ao santo daime. 2a ed. Rio de Janeiro: Record, 1995.
CARUANA, Lawrence. First draft of a manifesto of visionary art. Paris: Recluse Pub, 2001.
FELD, Steven. Uma acustemologia da floresta tropical, ILHA, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 229-252, junho de 2018.
GONÇALVES, Osmar (org.). Narrativas sensoriais. 1a ed. – Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2014.
HUNTER, Jack. Greening the paranormal: exploring the ecology of extraordinary experience. Milton Keynes: August Night Press, 2019.
KOPENAWA, Davi e ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. São Paulo, Companhia das Letras, 2019.
TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Mil Folhas do IEB, Salvador, 2019.
WILLOQUET-MARICONDI, Paula. Framing the world: explorations in ecocriticism and film. Charlottesville: University of Virginia Press, 2010.