Ficha do Proponente
Proponente
- Rogério Ferraraz (UAM)
Minicurrículo
- Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP, 2003) e Mestre em Multimeios (Unicamp, 1998). É professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi desde 2006. Autor de diversos artigos e capítulos de livros, com ênfase em Cinema e Televisão. É líder do GP Estudos do horror e do insólito na Comunicação (UAM/CNPq) e vice-líder do GP Inovações e rupturas na ficção televisiva (UAM/CNPq). Foi membro do Conselho Deliberativo e do Conselho Fiscal da SOCINE.
Coautor
- Lucas Fontanella Ferraz (UAM)
Ficha do Trabalho
Título
- O uso do plano-sequência em A Maldição da Residência Hill
Seminário
- Estudos do insólito e do horror no audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Neste artigo, analisamos certas escolhas estilísticas na minissérie de horror A Maldição da Residência Hill, criada por Mike Flanagan (Netflix, 2018). Nos interessa, aqui, o sexto episódio, Two Storms, que conta com cinco planos-sequência consecutivos. Nossa hipótese é que o uso de planos-sequência não reforça apenas o realismo dramático envolvendo as situações familiares entre os personagens, mas funciona também para acentuar uma espécie de permanência do horror que acomete a família Crain.
Resumo expandido
- A Maldição da Residência Hill é uma minissérie de horror de 10 episódios, criada e dirigida por Mike Flanagan, lançada pela Netflix em 2018. A narrativa tem como ponto central a história da família Crain, formada por Hugh e Olivia e pelos seus cinco filhos, Steven, Shirley, Theo, Luke e Nell, a partir de duas linhas temporais: passado e presente. No passado, acompanha-se a família a partir do momento em que eles se mudam para a Mansão Hill. Naquele período, acontecimentos estranhos marcaram a infância daquelas crianças, incluindo a misteriosa morte da matriarca Olivia. No presente, os irmãos, já adultos e distantes do pai, vivem com as sequelas (“maldições”) daquela época, ao mesmo tempo que precisam reviver essas memórias quando Nell, a irmã mais nova, se suicida dentro da mansão de forma inesperada, também misteriosa. A partir de então, eles partem em busca de explicações para os acontecimentos inquietantes que ocorreram tanto no passado quanto no presente.
Neste artigo, buscamos analisar algumas escolhas estilísticas observadas nessa minissérie. Nos interessa, especialmente, o sexto episódio, intitulado Two Storms (Duas tempestades), que acompanha os preparativos do velório de Nell, durante uma noite chuvosa, quando a família toda finalmente se reencontra, incluindo o patriarca Hugh. Em paralelo a esse momento, o episódio também leva o espectador para uma outra noite chuvosa, passada anos atrás na Residência Hill.
Um recurso técnico que chama a atenção neste episódio é o uso do plano-sequência que, segundo Aumont et al (2002), é “um plano longo o suficiente para conter o equivalente factual de uma sequência (isto é, de um encadeamento, de uma série, de vários acontecimentos distintos).” Com duração total de 57 minutos, o episódio conta com cinco planos-sequência consecutivos, que vão até o 50º minuto, quando a narrativa volta a ter o mesmo ritmo de cortes dos episódios anteriores. Two Storms, assim como a minissérie como um todo, possui duas linhas temporais distintas, o passado e o presente, porém, algumas características o diferem dos demais: o uso dos planos-sequência; a ausência de trilha sonora nestas cenas; e o diálogo/paralelismo constante entre as duas linhas temporais.
A falta de uma trilha sonora durante os planos-sequência e os efeitos sonoros de chuva que permanecem iguais em ambas as temporalidades, dando a sensação de continuidade e paralelismo entre as cenas, reforçam a ideia de realismo e imersão. Two Storms coloca o espectador como um personagem observador dentro da cena, quase como que participando da ação.
Porém, aqui, nos interessa mais compreender os planos-sequência no episódio. Pode-se dizer que o uso do plano-sequência serve para potencializar o drama e atribuir um tom realista para o que estamos vendo. De acordo com Silva (2021), em seu artigo sobre o uso do plano-sequência em ficções seriadas, a escolha desses planos longos e sem cortes tem como função “compor todo o episódio, de modo a radicalizar o engajamento dramático com uma situação de contenção tempo-espacial, imergindo o espectador, cognitivamente, na experiência concreta dos sujeitos em cena”. Além disso, o uso do plano-sequência também fornece uma certa lentidão do tempo para a ação, o que fortalece a impressão do espectador de que ele está acompanhando aquele momento em tempo real.
No entanto, outra hipótese que levantamos é que o uso de planos-sequência nesse episódio não reforça apenas o realismo dramático envolvendo as situações familiares entre aqueles personagens, mas funciona também para acentuar uma espécie de permanência do horror que acomete interminavelmente tal família, no tempo e no espaço, como se materializasse, no âmbito estilístico, a maldição retratada no enredo. A Maldição da Residência Hill serviria, assim, como um exemplar contemporâneo de uma definição apresentada por Hutchings (2004), em seu livro The Horror Film, para um determinado tipo de história do gênero: “the house is the monster” (“a casa é o monstro”).
Bibliografia
- AUMONT, Jacques et al. A estética do filme. Campinas: Papirus, 2002.
DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
ESQUENAZI, Jean-Pierre. As séries televisivas. Lisboa: Texto & Grafia, 2011.
HUTCHINGS, Peter. The Horror Film. Harlow, England: Pearson, 2004.
MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. MATRIZes, [S. l.], v. 5, n. 2, p. 29-52, 2012. DOI: 10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52 .
ROCHA, Simone Maria. O estilo televisivo e sua pertinência para a TV como prática cultural. Revista FAMECOS, [S. l.], v. 21, n. 3, p. 1082–1099, 2015. DOI: 10.15448/1980-3729.2014.3.16617 .
ROCHA, Simone Maria; FERRARAZ, Rogério. (orgs.) Análise da ficção televisiva: metodologias e práticas. Florianópolis, SC: Insular, 2019.
SILVA, Marcel Vieira Barreto. O plano-sequência seriado: A imersão realista na ficção televisiva contemporânea. Revista Eco-Pós, 24(1), 235–256. 2021. [https://doi.org/10.29146/ecopos.v24i1.27405].