Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Andressa Gordya Lopes dos Santos (UNICAMP)

Minicurrículo

    Andressa Gordya é doutoranda em Multimeios pelo Instituto de Artes da UNICAMP, dedicando sua pesquisa à atriz e cineasta Norma Bengell, mestra em Multimeios pelo mesma instituição com pesquisa sobre violência feminina, é graduada em Cinema e Vídeo Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), cursou Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), é Técnica em Produção Audiovisual (Rádio,TV e Cinema) e em Arte Dramática pelo Colégio Estadual do Paraná (CEP).

Ficha do Trabalho

Título

    As mulheres no cinema de Kim Ki-Duk: silêncios e silenciamentos

Formato

    Presencial

Resumo

    Kim Ki-Duk, sul-coreano conhecido como o “cineasta do silêncio”, dedicou parte considerável de suas obras a narrativas em que suas personagens, principalmente femininas, resistem a diferentes formas de violência por meio do silêncio, utilizado não como obediência, mas como reação à violência misógina. A partir da análise de cinco de seus filmes: A ilha (2000), Bad Guy (2001); Samaria (2004), Casa Vazia (2005) e O arco (2007); analiso o discurso de um cineasta dotado de contradições e nuances.

Resumo expandido

    Realizador de um cinema notadamente autoral, o sul-coreano Kim Ki Duk ostenta características que o marcaram como “o cineasta do silêncio”. Apesar da ausência de diálogos em sua obra não ser de exclusividade feminina, este trabalho foca na forma como ele constrói e representa mulheres, questionando a posição de inferioridade em que são colocadas em seus filmes. A ausência de diálogos como recurso estético e dialógico reflete uma mulher pós-moderna em busca de uma identidade construída através de seu próprio olhar em contraponto ao olhar masculino que a objetifica. O silêncio, portanto, não é utilizado aqui como obediência.
    E. Ann Kaplan (1973) cita as teóricas francesas influenciadas por Lacan que defendem que a linguagem, como principal ferramenta para o progresso e organização social, possuir um viés inerente ao macho. Consequentemente, se a linguagem é por definição “masculina”, as mulheres que a falam estão alienadas de si mesmas. Claudine Herrmann (1980, p. 89) aponta que, a única coisa que resta à mulher é encontrar (e falar a partir de) um espaço vazio, a “terra de ninguém” à qual ela pelo menos pode chamar de sua. Em concordância, Marguerite Duras diz que a expressão feminina na linguagem é uma tradução do desconhecido, como retornássemos a um estado selvagem do qual “os homens se perderam. Atrás deles há a escuridão, há a distorção da realidade, há as mentiras. O silêncio nas mulheres é tal que qualquer coisa que caia nele tem enorme reverberação. Enquanto no homem, esse silêncio não existe mais.” (DURAS, 1975, p. 428).

    Aproveitando todo o potencial sonoro que o silêncio implica, a ausência da fala potencializa e nos permite prestar a atenção nos sons e ruídos externos a nós, o silêncio abstém o indivíduo de opinião ao mesmo tempo que pode firmar um argumento através do óbvio. O potencial poético e crítico do som é um artifício utilizado por Kim com inegável destreza e transcende sua função estética para um núcleo de entendimento social. O diretor emprega o uso da hipérbole e, por vezes do lúdico, para expressar de forma tanto alegórica quanto grotesca a violência sofrida pelas mulheres em uma sociedade que, regida sob uma violenta ditatura até 1987, expressa um movimento progressista e feminista tardio.

    Os cinco filmes expostos nesta comunicação são:
    A Ilha (2000), conta a história de Hee-Jin, uma mulher que administra uma pousada de pequenas casinhas flutuantes em um lago.

    Bad Guy (2001) é o primeiro filme em que o diretor expõe como uma masculinidade violenta e destrutiva é regida pelo ego e pela necessidade de controle.

    Samaria (2004) é processo quase transcendental de Yeo-Jin em retornar a um estado inicial de pureza feminina e tornar-se, simbolicamente, uma santa.

    Casa Vazia (2005), obra-prima do diretor, por sua vez, apresenta um jovem ladrão que invade casas, mas não rouba, come de sua comida, conserta objetos com defeito, dorme e vai embora.

    O Arco (2007), por fim, é uma fábula sobre o amor, a virgindade, o casamento e, sobretudo, a descoberta da menina sobre sua própria sexualidade e sobre o direito de escolher seu próprio caminho.

    Sem a menor intenção de atenuar a brutalidade de uma cena de estupro, de agressão física ou automutilação, o diretor utiliza cenas de extrema violência gráfica para causar choque, comoção e reflexão sobre a violência de gênero que muitas vezes é relativizada. Este é um grande ponto de contradição para um cineasta que, com a emergência do movimento #MeToo nos países do leste asiático, foi denunciado ao jornal britânico The Guardian por assédio sexual junto com o ator Cho Jae-hyeon, de presença recorrente em seus filmes, por três atrizes sul-coreanas com quem trabalhou. Seu comportamento sexualmente predatório, escancara a problemática da figura do diretor como autoridade inquestionável e da abertura do artista em “produzir arte a qualquer custo” e a forma como homens desta indústria se utilizam de suas posições de poder para abusar e silenciar mulheres na indústria.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques (Org.). A Estética do Filme. Campinas: Papirus, 1995.
    CARBONI, Florence; MAESTRI, Mário. A linguagem escravizada: Língua, história, poder e luta de classes. Revista Espaço Acadêmico, 2003, ano 2, nº 22.
    CONNELL, R. Masculinities. Berkeley: University of California Press, 1995.
    DURAS, Marguerite. An interview with Marguerite Duras. [Entrevista concedida a] Susan Husserl-Kapit. Signs: Journal of Women in Culture and Society, vol. 1, no. 2, p. 423-434, 1975.
    FERREIRA, Dina Maria Martins. Discurso Feminino e Identidade Social. Editora Fapesp, São Paulo, 2002.
    HERMANN, Claudine. “Woman in space and time”. [Tradução de Marilyn R. Schuster] in COURTIVON, Isabelle de; MARKS, Elaine (Orgs.). New French Feminisms. University of Massassuchets Press, 1980, p. 168-73.
    KAPLAN, E. Ann. A mulher no cinema. Rocco. São Paulo – SP. 2001.
    TEIXEIRA, Níncia Cecília Ribas Borges. Entre o ser e o estar: o feminino no discurso literário. Guairacá-Revista de Filosofia, 2009, v. 25, n. 1.