Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Mariana Dutra de Carvalho Lopes (UFMG)

Minicurrículo

    Doutoranda em Artes na Escola de Belas Artes da UFMG, na linha de pesquisa Cinema. Possui graduação em Letras pela UFMG (2004) e mestrado em Estudos de Linguagens pelo CEFET-MG (2015). Tem interesse nas áreas de Cinema Brasileiro e Teorias do Cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    A FICCIONALIZAÇÃO DO REAL NO FILME “TEMPORADA”, DE ANDRÉ NOVAIS

Formato

    Presencial

Resumo

    As produções de novos autores provocam reflexões sobre suas linguagens. Objetiva-se aqui uma análise do filme Temporada (2019) voltada para os efeitos criados pela sua forma de narrar a história. Parte-se de conceitos de encenação e considera-se questões relativas a roteiros de filmes autorais e criação de significados no cinema. Conclui-se que Temporada constrói a encenação a partir da ficcionalização da realidade, criando significados para as personagens a partir dos espaços da cidade.

Resumo expandido

    INTRODUÇÃO

    Na produção de um filme, não são aleatórias as escolhas relacionadas ao formato do quadro, posicionamento da câmera, duração dos planos e delineamento das personagens. No entanto, a realidade captada é viva e inclui fatores aleatórios. Na contemporaneidade, as produções de novos autores provocam reflexões sobre suas linguagens.

    Partindo desse ponto, faz-se um comentário sobre a encenação do filme Temporada (2019), de André Novais, que cria elementos de ficção, focados principalmente na protagonista, partindo de espaços e situações reais de uma cidade. O objetivo, ao final, é tecer considerações acerca dos efeitos criados por essa forma de narrar a trajetória da personagem mesclada com os espaços da cidade.

    MÉTODO

    A encenação, segundo Aumont (2006), é “o instrumento que permite construir, a partir de elementos do mundo (…), a apresentação convincente de uma história”. A partir desses elementos, então, cria-se uma ilusão de realidade, uma realidade forjada. Para Xavier (2003, p. 35), a encenação cria uma “aparência das coisas”, “um mundo filtrado por um olhar exterior”, um mundo que nos é entregue pronto. Por outro lado, ainda que haja tentativa de controle, esse encontro câmera/objeto é marcado pelo acaso da vida real. A encenação, assim, se sustenta em dois pontos: o domínio e o acaso.

    Apesar de ser um instrumento de controle, o roteiro não controla o acaso da encenação, sobretudo fora de estúdios de gravação. Conde (2014, p. 157) entende o roteiro como “peça dominante no filme narrativo clássico industrial e simples referência no cinema autoral”. Nesse sentido, Aumont (2006) fala sobre “a arte mais sutil de deixar o real acontecer e de tentar captar a sua ressonância” criando uma “zona de troca entre realidade e ficção” (AUMONT, 2006, p. 173).

    Especificamente sobre a composição do quadro, Eisenstein considera que “a posição da câmera, como uma materialização do conflito entre a lógica organizadora do diretor e a lógica inerte do objeto, em colisão, reflete a dialética do enquadramento” (EISENSTEIN, 1997, p. 43). Na linguagem do cinema, portanto, cada escolha produz novos significados.

    DISCUSSÃO

    Temporada acompanha Juliana, interpretada por Grace Passô, em sua chegada à uma nova cidade para assumir um cargo público. Ela se muda às pressas, o marido iria depois. Juliana espera por ele enquanto se adapta ao trabalho como agente de endemias da prefeitura. Em geral, fala pouco sobre si. Enquanto espectadores, inferimos suas emoções por meio de seus silêncios.

    A encenação inclui espaços da cidade que funcionam como cenários, como ruas e avenidas, escolas, açougue, salão e residências. O elenco também conta com elementos vinculados à realidade, como pessoas que interpretam a si mesmas. O roteiro traz as falas das personagens de forma coloquial e rubricas com indicação de como filmar as cenas.

    A câmera pouco se movimenta e, em geral, enquadra todas as personagens da cena. Não há muitos cortes ou usos de plano e contraplano. A câmera se posiciona para observar a cena acontecer. Estável e distante, simula um olhar neutro e oferece-nos tempo para observar os espaços e as pessoas.

    O principal elemento de ficção do filme é Juliana. O tempo da narrativa corresponde ao momento posterior à mudança, com a crescente percepção de que não há pessoas ou lugares para onde voltar. E a casa demonstra esse processo. Enquanto espera o marido, mantém a sala vazia e o quarto improvisado. Com a mudança de perspectiva, compra móveis usados e começa a ocupar a casa.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Temporada parte de espaços e situações reais e cria a encenação a partir da ficcionalização dessa realidade. Em conjunto com ela, estão espaços das cidades de Contagem e Belo Horizonte, trabalhadores e moradores dessas regiões, residências e quintais do bairro. E, a partir do encontro-colisão entre a câmera e os objetos filmados, cria-se significados para as personagens a partir dos espaços da cidade.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. Encenação e ficcionalização. In: AUMONT, Jacques. O cinema e a encenação. Lisboa: Texto & Grafia, 2006.

    CONDE, Rafael. O Ator e a Câmera: Investigações Sobre o Encontro no Jogo do Filme. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2019.

    EISENSTEIN, Sergei. Fora de quadro. In: EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

    OLIVEIRA, André Novais. Roteiro e diário de produção de um filme chamado Temporada. Belo Horizonte: Editora Javali, 2021.

    TEMPORADA. Direção: André Novais Oliveira. Contagem (MG): Filmes de Plástico, 2018 (113 min.).

    XAVIER, Ismail. Revelação e engano. In: XAVIER, Ismail. O olhar e a cena. São Paulo: Cosac&Naify, 2003.