Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Débora Lúcia Vieira Butruce (USP)

Minicurrículo

    Doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP, foi Visiting Scholar na NYU, no Moving Image Archiving and Preservation Program. Mestre em Comunicação e graduada em Cinema, ambos pela UFF. Atua na área de preservação audiovisual desde 2000, tendo trabalhado em instituições como o CTAv, o Arquivo Nacional e a Cinemateca do MAM-Rio, além de ter realizado especializações nos EUA, Inglaterra, Itália, Cuba e Espanha. É a atual presidente da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    A Rainha Diaba e sua trajetória desviante na preservação audiovisual

Mesa

    A Rainha Diaba (1974): um caleidoscópio endiabrado

Formato

    Presencial

Resumo

    Em 2022, o filme A Rainha Diaba passou por um processo de digitalização cujo resultado vem impulsionando uma ampla recirculação da obra. A qualidade desta versão digital está diretamente relacionada ao excelente estado de conservação dos materiais originais em 35mm, algo raro no cenário da preservação audiovisual brasileira. Este trabalho pretende analisar os pressupostos que categorizam esse caso como uma exceção e quais as oportunidades que essa experiência possibilita ao setor no Brasil.

Resumo expandido

    Apesar de atravessar crises recorrentes e apresentar uma situação de instabilidade que pode ser considerada crônica, a área de preservação audiovisual no Brasil avançou significativamente nas duas últimas décadas. E as mudanças não foram só no Brasil. Podemos afirmar que mundialmente o setor de preservação foi afetado pela transição tecnológica para o digital e pelo vertiginoso aumento da demanda por acesso ao patrimônio audiovisual. Acesso este alavancado, sobretudo, pelo surgimento de plataformas de compartilhamento de conteúdos audiovisuais e plataformas de exibição. Apesar de tentar responder a essa demanda através da digitalização massiva de seus acervos e da criação de suas próprias plataformas de exibição, além da manutenção de todas as outras atividades de menor visibilidade que exercem, a maior parte dos arquivos audiovisuais não contam com recursos suficientes para tal empreitada e nem com equipamentos próprios de digitalização, como é o caso do Brasil. Das dezenas de arquivos e instituições dedicadas à salvaguarda de acervos audiovisuais, somente poucos possuem tais equipamentos. Portanto, a maior parte das digitalizações feitas no Brasil são realizadas em empresas de finalização/pós-produção de obras audiovisuais, fator que tem implicação direta com o resultado dos processos.
    O projeto de digitalização do filme A Rainha Diaba (Antonio Carlos da Fontoura, 1974) surge nesse contexto, mas pode ser considerado uma exceção. O filme passou por um processo de digitalização em resolução 4K entre junho e setembro de 2022 através de uma iniciativa coletiva financiada pelo festival Janela Internacional de Cinema do Recife em parceria com a organização Cinelimite e o laboratório de finalização Mapa Filmes do Brasil/Link Digital. Os materiais originais em 35mm que deram origem a essa versão digital encontram-se depositados e estão sendo preservados pelo Arquivo Nacional (negativos de imagem e som) e pelo Centro Técnico Audiovisual – CTAv (cópia de difusão em 35 mm e as versões digitais confeccionadas anteriormente pela própria instituição).
    As características apresentadas acima já diferenciam a digitalização de A Rainha Diaba do contexto geral brasileiro: o processo foi financiado através de recursos financeiros dos envolvidos, sem o aporte de orçamento oriundo de nenhum edital específico, e os negativos originais de imagem e som em 35mm existem, estavam íntegros e em excelente estado de conservação. Além disso, a cópia de projeção em 35mm, apesar dos desgastes intrínsecos à trajetória de um material de difusão, também estava em ótimo estado. Para uma obra brasileira com quase 50 anos de existência, é algo que pode ser considerado incomum, visto que a maior parte dos projetos de digitalização ou restauração fílmica no país não contam com as matrizes originais em película, e, quando existem, encontram-se em mau estado de conservação (BUTRUCE, 2020). Tais fatores foram cruciais para o andamento célere do processo e o resultado de excelência.
    Além dos fatores elencados acima, a digitalização também contou com a coordenação técnica de um profissional de preservação audiovisual, o que fez com que fossem adotados princípios éticos claros ao longo do processo, dadas as inesgotáveis possibilidades de intervenção trazidas pela tecnologia digital, visando, sobretudo, a manutenção da dimensão histórica e estética da obra e do período em que foi realizada. É crucial a compreensão acerca dos limites do digital, que devem ser instaurados a partir do conhecimento acerca do filme a ser digitalizado e seu processo de produção, além da trajetória dos materiais.
    Este trabalho, portanto, pretende se debruçar sobre a trajetória de preservação e as características dos materiais originais em película de A Rainha Diaba, inserindo-as em um contexto brasileiro mais amplo, a fim de tentar compreender sua excepcionalidade e quais outras possibilidades de atuação junto ao patrimônio cinematográfico brasileiro podem ser pensadas a partir desta experiência.

Bibliografia

    BUTRUCE, Débora Lúcia Vieira. “A restauração de filmes no Brasil e a incorporação da tecnologia digital no século XXI”. Tese de Doutorado, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2020.
    COELHO, Maria Fernando Curado. “A experiência brasileira na conservação de acervos audiovisuais: um estudo de caso”. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação), Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2009.
    SOUZA, Carlos Roberto de. “A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil”. Tese de Doutorado, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2009.
    USAI, Paolo Cherchi. Film as an art object. In: NISSEN, Dan et al (orgs.). “Preserve Then Show”. [s.l.]. Danish Film Institute, 2002, pp. 28-38.
    WALLMÜLLER, Julia. “Criteria for the Use of Digital Technology in Moving Image Restoration”. “The Moving Image”, Vol. 7, Nº 1, Spring 2007, pp. 78-91. University of Minnesota Press.