Ficha do Proponente
Proponente
- Aline Bittencourt Portugal (UFRJ)
Minicurrículo
- Aline Portugal é doutoranda em Comunicação pela Eco-UFRJ (bolsista CNPQ), onde integra o laboratório de pesquisa MediaLab. Realizou parte de sua pesquisa doutoral na New York University (NYU), com bolsa Fulbright. Mestre em Comunicação pela UFF (bolsista CAPES). Organizou o livro “Fazer Cinema, Fazer Cidade” (2022, PPGCine UFF/ Áspide), com Cezar Migliorin. Realizadora audiovisual, roteirista e integrante da Mirada Filmes, dirigiu o longa-metragem documental Aracati (IDFA 2015).
Ficha do Trabalho
Título
- Paradoxotopias: o contraditório como método composicional no cinema br
Seminário
- Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas
Formato
- Presencial
Resumo
- A proposta é pensar o paradoxo como método composicional que produz fricções entre elementos a princípio separados, tais como real e ficção, utopia e distopia, escape e confinamento — e como essas são formas férteis para pensar o território latinoamericano em termos estéticos, epistemológicos, geopolíticos. Parto dos filmes Tremor Iê e Mato Seco em Chamas para pensar a maneira como abordam o encarceramento de mulheres — não representando a prisão, mas produzindo formas de fuga.
Resumo expandido
- Diversos filmes brasileiros recentes têm trabalhado em profundo atrito entre realidade e ficção, e em estreita conexão com os territórios em que filmam — periféricos em uma geografia hegemônica do mundo. Minha hipótese é que estes filmes exigem uma análise que desmantele uma série de dualidades [real e ficção, utopia e distopia, liberdade e encarceramento], pois seus escritos cinematográficos explodem com estas noções, conectando-se a existências que sempre viveram o paradoxo entre estes termos. São formas de vida e territórios constituídos por projetos de desenvolvimento abortados, sucessivas tentativas de apagamento, todo tipo de violência atuando sobre os territórios e suas populações. Gomes já nos ensinou a pensar o cinema no subdesenvolvimento — sendo este não um estágio ou uma falta, mas uma possibilidade insurgente. Ludmer, pensando a literatura latinoamericana contemporânea, propõe que pensemos a partir dessa incompletude não-separarabilidade que nos marca enquanto latinoamericanos, e sugere para tanto o termo compósito realidadeficção.
Proponho a análise de dois filmes que abordam — tanto ética como esteticamente — o encarceramento de mulheres: Tremor Iê (2019), de Livia De Paiva e Elena Meirelles; e Mato Seco em Chamas (2022), de Joana Pimenta e Adirley Queirós. Tremor Iê foi produzido na cidade de Fortaleza, e nasce do encontro das diretoras com suas vizinhas Lila e Deyse, membros do grupo musical lésbico ativista Tambores de Safo. O grupo teve uma participação significativa nas manifestações de 2013. Suas integrantes foram presas e sofreram violência policial. O filme fabula um futuro distópico no qual Janaína, personagem interpretada pela vizinha Lila, foge da prisão após dez anos de encarceramento e se reencontra com sua amiga e companheira de luta Cassia. Mato Seco em Chamas, por sua vez, foi produzido em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília. O filme conta a história das Gasolineiras da Kebrada, uma gangue feminina que produz gasolina desviando petróleo do oleoduto que passa sob seu território, e vende para motoboys no mercado paralelo. Realizado com mulheres de Sol Nascente, a maior favela do Brasil, uma delas usando uma tornozeleira eletrônica, o filme retrata um território onde o interior e o exterior da prisão não são totalmente determinados.
Gostaria de pensar, junto aos filmes, de que forma suas construções paradoxais não apenas representam o encarceramento, como também produzem formas de fuga. O paradoxo está presente tanto nesse compósito realidadeficção, como em outras dimensões: a construção de temporalidades disjuntivas que questionam uma noção linear/progressiva tanto da História como da narrativa; a liberdade como prática em meio aos múltiplos cerceamentos; uma abordagem que combina utopia e distopia, numa aliança com existências que sempre inventaram formas de existir em meio a todas as violências e assimetrias. Assim, o termo paradoxotopias, que dá título a essa proposta, é uma forma de abordar composições que destacam a dimensão contraditória, instável, paradoxal desses territórios e modos de vida. Uma forma de pensar junto a táticas fílmicas que desafiem as formas estabelecidas de linguagem cinematográfica, que excedam os gêneros e suas regras, encarnando as formas dissonantes de vida dessas mulheres e seus territórios. Saidiya Hartman propõe que “a rebeldia articula o paradoxo da criação restrita, do emaranhado do escape e do confinamento, da fuga e do cativeiro”. E afirma que ela é “uma contínua exploração daquilo que poderia ser; uma improvisação com os termos da existência social, quando esses já foram ditados (…)”. Explorar aquilo que poderia ser improvisando com os termos da existência social parece ser o que estes filmes estão tentando fazer em suas construções paradoxais, reunindo o que está habitualmente separado e produzindo fricções com este contato, o que pode contribuir para pensar, com o cinema, outras estéticas, epistemologias e geopolíticas lationoamericanas.
Bibliografia
- ALMEIDA, Rodrigo; MOURA, Luís Fernando (org.). Brasil distópico. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2017.
SILVA, Denise Ferreira da. Unpayable Debt. Berlin: Sternberg Press, 2022.
GOMES, Paulo Emilio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo, Paz e Terra, 1996.
GLISSANT, Édouard. Poética da Relação. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
HARTMAN, Sayidia. Vidas Rebeldes, Belos Experimentos. São Paulo: Fósforo, 2019.
LE GUIN, Ursula K. A teoria da bolsa de ficção. São Paulo: n-1 edições, 2021.
LUDMER, Josefina. Aqui América Latina: uma especulação. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2013.
MESQUITA, Claudia. Memória contra utopia: Branco sai, preto fica (Adirley Queirós, 2014). XXVI Encontro da Compós- GT Fotografia, Cinema e Vídeo, São Paulo, 2015.
MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
MOTEN, Fred. Black and Blur. Durham: Duke University Press, 2017.