Ficha do Proponente
Proponente
- Marcelo Rodrigues Souza Ribeiro (UFBA)
Minicurrículo
- Professor de História e Teorias do Cinema e do Audiovisual, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, onde atua também como docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Autor do livro Do inimaginável (Editora UFG, 2019), assim como de capítulos de livro e artigos sobre imagem, história e direitos humanos, cinemas africanos, história do cinema, arquivo e descolonização. Coordenador do grupo (an)arqueologias do sensível (DGP-CNPq).
Ficha do Trabalho
Título
- Os mil e um corpos da Rainha: corpos e assinaturas em A Rainha Diaba
Mesa
- A Rainha Diaba (1974): um caleidoscópio endiabrado
Formato
- Presencial
Resumo
- Considerando a mise-en-scène como trabalho dos corpos que se encontram no processo de um filme e situando a autoria como uma das modalidades de demarcação de um corpus, discuto os múltiplos corpos e assinaturas que atravessam A Rainha Diaba (1974). Ao mesmo tempo em que identifico algumas das assinaturas contextuais e autorais que se inscrevem no filme, busco reconhecer as linhas de força que o atravessam, reposicionando-o em relação aos campos do cinema negro e do cinema queer.
Resumo expandido
- Este trabalho aborda o filme A Rainha Diaba (1974), discutindo como se configura, na economia figural de sua narrativa e na vida sensível de suas imagens e sons, a tensão entre corpus e corpos, isto é, a articulação disjuntiva entre o fechamento simbólico da obra, unificada sob alguma assinatura, e a abertura diabólica decorrente da multiplicidade de assinaturas e corpos que atravessam o filme.
É possível situar A Rainha Diaba em um corpus associado ao contexto histórico da ditadura civil-empresarial-militar e do cinema dos anos 1970, assinalando suas relações com o Cinema Novo e o Cinema Marginal, entendidos como movimentos relacionados, mas distintos, ou seu diálogo com gêneros cinematográficos como os filmes policiais e as comédias populares. O reconhecimento do contexto extra-fílmico (social, político e artístico) e dos eventuais rastros e impressões que deixa no filme confere legibilidade ao que se pode definir como uma assinatura contextual – que permanece, contudo, irredutível à conjuntura em que surgiu.
Pode-se também compreender o filme como parte da obra de seu diretor, Antônio Carlos Fontoura, conforme a concepção de autoria cinematográfica associada à herança da politique des auteurs. Isso implica situar A Rainha Diaba em relação ao primeiro longa-metragem de Fontoura, Copacabana Me Engana (1968), mas também seria preciso considerar seus documentários, para compreender a matriz autoral que se constitui em seu itinerário como cineasta. No entanto, como todo filme, A Rainha Diaba insiste em escapar do corpus que se delimita com base na assinatura de seu diretor, na medida em que outros corpos entraram em jogo para que o filme existisse. Uma dessas assinaturas autorais suplementares está associada ao argumento do dramaturgo Plínio Marcos, que também assina os diálogos do filme. A partir da consideração de peças que escreveu, pode-se reconhecer como uma das características da assinatura de Marcos seu interesse por personagens “marginalizadas”, associadas à prostituição, à pobreza, à criminalidade, etc., nas narrativas que compõem sua obra. Porém, mais uma vez, argumento que A Rainha Diaba escapa à assinatura de seu roteirista e às suas obsessões.
Também é possível situar A Rainha Diaba como parte da obra de Milton Gonçalves, por exemplo. Por se tratar de um ator cuja figura se revela crucial para o filme, o corpus parece se tornar indissociável do corpo que delimita sua assinatura: é o corpo negro de Milton Gonçalves que está no cerne da via crucis da Rainha Diaba que ele interpreta no filme. Contudo, novamente o corpo se revela irredutível ao corpus. Ao interpretar uma personagem queer/cuir, o corpo negro de Milton Gonçalves dá à Rainha Diaba uma ambivalência, que exorbita a economia figural em que seu papel se constitui como função narrativa individualizada.
Assim, este trabalho busca compreender a economia figural da narrativa de A Rainha Diaba e interrogar a vida sensível das imagens e sons que, perturbando a circulação econômica das personagens como funções narrativas, abre o filme para uma multiplicidade de corpos e assinaturas. Se um filme se faz corpus na medida em que se unifica, como obra singular, em termos formais, estilísticos e temáticos, e na medida em que participa de um ou mais conjuntos identificados por alguma das assinaturas que os atravessam, toda unificação de um corpus permanece assombrada pela multiplicidade dos corpos que o constituem e que, ao mesmo tempo, impedem seu fechamento. Reconhecer essa abertura irredutível em A Rainha Diaba se torna especialmente importante com o recente lançamento de uma cópia nova, em formato DCP 4K. O que está em jogo é a sobrevida do filme, além das assinaturas contextuais e autorais de que emerge e com as quais está mais frequentemente associado. Entre as possibilidades que essa sobrevida abre está a de retomar e enfatizar suas relações com as linhagens emaranhadas demarcadas pelas noções de cinema negro e cinema queer no Brasil.
Bibliografia
- BERNARDET, Jean-Claude; REIS, Francis Vogner dos. O autor no cinema: a política dos autores: França, Brasil – anos 1950 e 1960. São Paulo: Edições Sesc, 2018.
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RIBEIRO, Marcelo R. S. Autorias rasuradas em “Afrique 50”: para uma economia política das assinaturas. Esferas, v. 1, n. 26, p. 243–268, 12 abr. 2023.