Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    denise tavares da silva (UFF)

Minicurrículo

    Doutora em Integração Latino-americana (PROLAM/USP) e Mestre em Multimeios (Unicamp). Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano e do Departamento de Comunicação Social, ambos da UFF. Pesquisa o documentário, em especial o latino-americano.

Ficha do Trabalho

Título

    Por epistemologias imperfeitas: evocações à natureza em dois filmes LA

Formato

    Presencial

Resumo

    No filme peruano “Hija de la laguna” (2015), a protagonista Nélida Ayay Chilón centraliza a luta da sua comunidade para conservar um lago e no brasileiro “A mãe de todas as lutas” (2021), Shirley Krenak, uma das protagonistas, atua, com seu povo, pela defesa do seu território. Ambas evocam a natureza como ser vivo. Ambas representam um giro epistemológico no percurso do conhecimento pós-iluminismo. Discutir os imbricamentos e desafios destes protagonismos é o objetivo desta comunicação.

Resumo expandido

    Para Enrique Leff, a epistemologia ambiental “é um percurso para chegar a saber o que é o ambiente – esse estranho objeto do desejo do saber – que emerge do campo do extermínio para onde foi expulso pelo logocentrismo teórico fora do círculo de racionalidade das ciências” (2012, p. 16). Próximo do campo teórico materialista e do pensamento crítico, Left identifica o final dos anos 1960 como ponto de inflexão para que um giro epistemológico se configurasse em relação aos conceitos e reflexões que circunscreviam o saber ambiental a um território único. Um deslocamento motivado pela percepção palpável da grande crise ambiental já possível de ser antevista naquele momento. A situação reconfigurou os estudos ambientais, reconhecendo-se que as abordagens trans e interdisciplinares eram caminhos indissociáveis se o objetivo fosse a construção de novos pilares para dar sustentabilidade à vida humana. Se esta posição é bem-vinda na Academia, em paralelo outros percursos políticos, éticos e artísticos, originados de resistências improváveis para os defensores do capitalismo predatório, se configuraram. O processo não só ignorou as estratégias de disputa pelo conhecimento estabelecido nos espaços oficiais de saber, como ampliou, de modo cada vez mais potente, vozes como a de Ailton Krenak e/ou Diana Ríos Rengifo, que questionam abertamente o conhecimento científico sobre os povos originários. “Quais estratégias esses povos utilizaram para cruzar esse pesadelo e chegar ao século XXI ainda esperneando, reivindicando e desafinando o coro dos contentes?”, interroga Krenak (2019, p.28), antes de afirmar que “Às vezes, os antropólogos limitam a compreensão dessa experiência que não é só cultural” (Ibid, p. 29).
    O alcance dessas vozes em um cenário midiatizado como a sociedade contemporânea, como sabemos, está ligado à amplitude dos produtos midiáticos produzidos e protagonizados por elas. Por isso mesmo, problematizar as narrativas que buscam a emersão de outros vínculos com essa natureza que está tão distante da maior parte da população latino-americana (nosso foco aqui), já que hoje 81% dos latinos-americanos vive nas cidades, impõem-se, se a causa ainda é a existência do planeta. Em especial porque as áreas naturais da América Latina – campos, florestas, oceanos – continuam sendo espaços cobiçados, exauridos em seus recursos, ocupados predatória e violentamente. Diante e imersa nessa realidade, a proposta desta comunicação destaca o filme peruano “Hija de la laguna” (2015), dirigido por Ernesto Cabellos e o brasileiro “A mãe de todas as lutas”, como narrativas que desvelam fissuras relevantes nestes diálogos políticos, culturais, sociais e históricos que têm se estabelecido pelas múltiplas veredas do conhecimento. Para nós, estas obras trazem à tona, a partir das suas protagonistas pertencentes aos povos originários, a constituição de outras sensibilidades que são capazes de inquietar as verdades aparentemente estabelecidas nos reinos do conhecimento legitimado pela ciência. Mais do que se aproximarem do percurso proposto por Leff, os documentários desagregam uma lógica de retorno ao evidenciarem a convivência de hibridismos que carregam as marcas da colonialidade violenta a que os povos originários foram submetidos. Apostam em “evidências” imagéticas e sonoras em trânsitos não disciplinados e/ou disciplinares, configurando de forma complexa e bem menos idealizada (como Leff, de certo modo, o faz), protagonismos que tensionam projetos políticos cujas matrizes talvez ainda estejam enraizadas na violência colonial, a despeito de sua postura crítica. Tal se dá, a nosso ver, porque no jogo discursivo desses projetos, muitas vezes a conversão primeira ainda não ocorre. Ou seja, sem a experiência mítico-profética da interação emocional e de sentido da vida integrada à natureza – somos parte, e não à parte – sempre haverá espaço para as ambiguidades que permitem a manutenção da opressão, do desejo do extermínio.

Bibliografia

    ACOSTA, Alberto. O Bem Viver – uma oportunidade para imaginar outros mundo. São Paulo: Autonomia Literária, Elefante, 2016.
    ACOSTA, Alberto; BRAND, Ulrich. Pós-extrativismo e decrescimento – Saídas do labirinto capitalista. São Paulo: Elefante, 2018.
    GUSMÁN, Patrício. Filmar o que não se vê. Um modo de fazer documentário. São Paulo: Edições SESC, 2017.
    KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2019.
    LEFF, Enrique. Aventuras da Epistemologia ambiental – Da Articulação das Ciências ao Diálogo dos Saberes. São Paulo: Cortez, 2012.
    REZENDE, Luiz Augusto. Microfísica do Documentário. Rio de Janeiro: Azougue, 2013.
    SVAMPA, Maristella. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina – Conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências.
    TAVARES, Denise. Homens oceânicos e elegias à natureza (A valorização das origens no documentário latino-americano). Lumina, [S. l.], v. 13, n. 1, p. 62–76, 2019.