Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Caio Bortolotti Batista (PPGCOM-UFRJ)

Minicurrículo

    Caio Bortolotti Batista é Doutorando em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre com distinção (2020) pelo Programa Europeu Erasmus Mundus Crossways in Cultural Narratives, bolsista Erasmus+: University of St Andrews (Reino Unido, 1º Semestre) / Universidade Nova de Lisboa (Portugal, 2º e 3º semestres) / Université de Perpignan (França, 4o. semestre). Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2018).

Ficha do Trabalho

Título

    Um percurso fílmico-cartográfico nos limites da capital argentina

Formato

    Presencial

Resumo

    Em um percurso analítico que se faz entre espaços fílmicos e espaços sociais relacionados com uma grande feira popular situada nos limites da cidade de Buenos Aires, busca-se uma cartografia mais múltipla e aberta de determinados processos migratórios na região, ao mesmo tempo em que o próprio cinema é posicionado como alvo movediço de observação quanto a suas possibilidades epistemológicas, no contexto do “novo paradigma das mobilidades” (SHELLER; URRY, 2006) que se apresenta no século XXI.

Resumo expandido

    Os sociólogos Mimi Sheller e John Urry concluem o texto “The new mobilities paradigm” (2006) com o vislumbre de um horizonte epistemológico transdisciplinar: “Novas mobilidades estão trazendo à luz novas e surpreendentes combinações de presença e ausência à medida que o novo século se desenrola de forma caótica. Métodos e teorias precisarão estar sempre em movimento para acompanhar estas novas formas de mobilidade, novos sistemas de programação e monitoramento e novos modos móveis de inclusão/exclusão social (…).” (URRY; SHELLER, 2006, p. 222, tradução minha). Nesse contexto, seria possível perceber o cinema – arte das imagens em movimento –, em sua vocação de se produzir por meio de trajetórias (de imagens e sons, de discursos, de personagens, de expectativas), como um lugar privilegiado onde se encontram esses concertos entre “presença” e “ausência” suscitados por Sheller e Urry? Tanto no nível formal do enquadramento da câmera quanto no nível narrativo do roteiro ficcional, o cinema resulta da dinâmica entre o que é “incluído” e o que é “excluído”: entre o “campo” e o “fora de campo”. Segundo a definição do filósofo Gilles Deleuze (2018, p. 35), “o fora do campo remete ao que, embora perfeitamente presente, não se ouve nem se vê”. Tal relação revela uma qualidade potencialmente porosa e indiciática da arquitetura fílmica – a qual, a depender de fluxos específicos de significados e informações, assinala barreiras de variadas ordens entre espaços geograficamente contíguos, mas também continuidades entre espaços aparentemente não relacionados, comunicações de outra forma improváveis, trânsitos por locais interditados, concretos ou imaginados.
    Propõe-se aqui uma contribuição dos estudos fílmicos para o “novo paradigma das mobilidades” a partir dos espaços fílmicos do longa-metragem de ficção La Salada (Juan Martin Hsu, 2014), que narra experiências migratórias específicas no século XXI, em busca de mobilidades e imobilidades que aprofundem a compreensão dos espaços sociais com que o filme se relaciona – o principal deles sendo, neste caso, uma grande feira popular localizada em dois edifícios nos limites da cidade de Buenos Aires, Argentina. A obra flui da mistura e do entrelaçamento cultural entre migrantes (uma família coreana, um jovem solitário de Taiwan, um tio e um sobrinho chegando da Bolívia) e comerciantes locais no mercado que dá nome ao filme. O “campo” em La Salada dá a entrever o “fora do campo” do percurso migratório: a viagem e suas dificuldades, o espaço deixado para trás, a sociedade mais ampla de chegada, da qual a feira é uma espécie de ponta do iceberg: “um lugar privilegiado para mostrar a multiplicidade de economias e de processos de trabalho heterogêneos nos quais se materializa o sistema econômico global” (GAGO, 2012, p. 64, tradução minha).
    Nesse movimento entre espaços fílmicos e espaços sociais, busca-se uma cartografia mais múltipla e aberta de determinados processos migratórios na região, ao mesmo tempo em que o próprio cinema é posicionado como alvo movediço de observação quanto a suas possibilidades epistemológicas. Ao contrário de uma análise mais “sedentária” (SHELLER, URRY, Op. Cit.: p. 214), que enxergaria a feira apenas pelo intermédio da descrição de formações já estabilizadas, buscamos seguir as dinâmicas que vão permitindo que este lugar deixe de ser este lugar, a cada momento, como um “plano de consistência”, com potência de seus devires (DELEUZE; GUATTARI, 1987, p. 254). Tal caminho metodológico que utiliza o cinema como dispositivo de visibilidade de transições, que valoriza o “fora de campo”, por exemplo, como antídoto contra a supressão de alteridades constitutivas – e abrindo espaço para o “contágio de ideias estranhas, a circulação de estrangeiros e os encontros imprevisíveis” (CAIAFA, 2019, p. 16) –, parece encontrar ressonâncias importantes na chamada “virada das mobilidades”, colaborando para a aplicação e expansão de interessantes ferramentas conceituais.

Bibliografia

    CAIAFA, Janice. “Comunicação, subjetividade e transporte nas cidades”. Novos Olhares, v. 8, n. 1, p. 7-19, 2019.
    DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. São Paulo: Editora 34, 2018.
    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. A thousand plateaus: capitalism and schizophrenia. Translated to English by Brian Massumi. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1987.
    GAGO, Verónica. “La Salada:¿ un caso de globalización «desde abajo»? Territorio de una nueva economía política transnacional”. Nueva Sociedad, pp. 63-78, n. 241, 2012.
    NAIL, Thomas. “What Is the Philosophy of Movement?” Mobility Humanities, Vol. 1, No. 1, Jan. 2022, pp. 6-22.
    RUD, Lucía. “Representaciones de las migraciones y diásporas de Asia del Este en el audiovisual argentino”. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 2020.
    SHELLER, Mimi; URRY, John. “The new mobilities paradigm”. Environment and planning A, v. 38, n. 2, p. 207-226, 2006.