Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Camila Botelho da Silva Pereira (USP)

Minicurrículo

    Camila Botelho é atriz, formada no curso profissionalizante de Teatro pelo Centro de Formação Artística e Tecnológica da Fundação Clóvis Salgado – CEFART (BH). Realizou a especialização “Corpo e palavra nas artes da cena” pela PUC-Rio. É aluna do mestrado em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP). Tem experiência como atriz em diversos espetáculos e obras audiovisuais. Está em cartaz com o espetáculo “Mutação de Apoteose”, no Teatro Oficina (SP).

Ficha do Trabalho

Título

    Grace Passô e Kika Sena: atuação que transborda o estereótipo feminino

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta apresentação é um estudo sobre o trabalho realizado pelas atrizes Grace Passô e Kika Sena nos longa-metragens “Temporada”, dirigido por André Novais, e “Paloma”, dirigido por Marcelo Gomes, respectivamente. A partir desses filmes, investigo a forma como se apresentam as personagens e como as atrizes inscrevem a narrativa de seus corpos, para avaliar em que medida o trabalho de atuação pode transbordar a visão estereotipada da figura feminina tradicionalmente representada.

Resumo expandido

    Este trabalho propõe um estudo sobre o corpo feminino representado no cinema e sobre atuação. Me proponho a investigar o trabalho realizado pelas atrizes Grace Passô e Kika Sena nos filmes “Temporada”, dirigido por André Novais, e “Paloma”, dirigido por Marcelo Gomes, respectivamente.
    Ainda que venha crescendo ao longo dos anos o interesse pela temática da atuação para cinema, poucos ainda são poucos os estudos disponíveis sobre a influência e do trabalho da atriz na realização da obra audiovisual. Os estudos cinematográficos parecem se ocupar muito mais de uma abordagem cujo foco é cinema enquanto linguagem, os estilos dos filmes, as influências e os cineastas (NACACHE, 2012). No que diz respeito a atuação para cinema, a autora Jacqueline Nacache defende que, “quer o ator esteja ativo ou imóvel, disfarce a sua personagem ou seja disfarçado por ela, quer a câmera o capte em corpo inteiro ou um fragmento dele” (NACACHE, 2012, p.8), todo filme é afetado pelo trabalho de atuação.
    Diante dessa premissa, no Brasil, autor Pedro Maciel Guimarães vem se debruçando há alguns anos naquilo que ele cunhou como “estudos atorais”. Para o autor, os estudos autorais são um campo de estudos que visam “colocar o ator de cinema no centro da sua problemática” (GUIMARÃES, 2019, p.81), e, dessa forma, ele reivindica compreender e estudar o trabalho da atriz enquanto parâmetro para se avaliar o resultado da obra cinematográfica, assim como outros elementos mais usualmente levados em consideração em uma análise estética – tais como fotografia, roteiro e montagem. O jogo da atriz, portanto, seria entendido enquanto forma fílmica, influenciando tanto a recepção do filme pelo espectador quanto as escolhas estéticas do realizador.
    Em relação ao corpo feminino representado nas narrativas hegemônicas, por sua vez, este vem refletindo historicamente a visão essencialista da mulher enquanto “o outro” do sujeito masculino. A teórica feminista e crítica de cinema Laura Mulvey expressa essa ideia em seu artigo “Prazer visual e cinema narrativo”, escrito em 1975,  no qual ela utiliza da teoria psicanalítica para demonstrar “o modo pelo qual o inconsciente da sociedade patriarcal estruturou a forma do cinema” (MULVEY, 1983[1975], p.437). Segundo a autora, seja como ameaça, seja como objeto de desejo, a imagem da mulher dentro da ordem patriarcal dominante é quase sempre relegada ao objetivo de satisfazer as expectativas do prazer do olhar masculino do espectador, olhar este que projeta sua fantasia sobre a figura feminina, expondo-a de forma passiva, fetichizada e erotizada. 
    Tanto Grace Passô quanto Kika Sena são com atrizes corpos não-hegemônicos, que escapam ao estereótipo de beleza amplamente difundido por filmes canônicos. Mas para além disso, em ambos os filmes analisados, elas representam protagonistas fortes, repletas de nuances, que quebram com diversos estereótipos tão amplamente difundidos pelo cinema tradicional a respeito da figura feminina. Assim, é possível observar que o trabalho de atuação de ambas adiciona novas camadas aos roteiros e às personagens previamente imaginadas.
    Dessa forma, neste trabalho investigo forma como se apresentam as personagens, para chegar à discussão de como as atrizes podem inscrever a narrativa de seus corpos de maneira autêntica nos filmes, e como e através de quais técnicas esse processo opera. Finalmente, busco examinar em que medida esse aspecto pode fazer com que a figura feminina saia de seu lugar-comum enquanto objeto de prazer visual (MULVEY, 1983[1975]) para tornar-se, ao invés de portadora, produtora de significado (DOANE, 1988), e qual sua potência na descolonização do olhar do espectador em relação à representação de mulheres dentro do cinema.

Bibliografia

    BRASIL, André. A performance: entre o vivido e imaginado. In: PICADO, Benjamin; MENDONÇA, C. M. C.; FILHO, J. C. (Orgs.). Experiência estética e performance. Salvador: Edufba, 2014, p. 131-143.
    DE CARLI, Ana M. S. “O corpo no cinema – variações do feminino”. Caxias do Sul: Educs, 2009.
    DOANE, Mary Ann. Woman’s Stake: Filming the Female Body. In: PENLEY, Constance (Ed.). Feminism and Film Theory. New York: BFI Publishing, Routledge, 1988, p. 22-36.
    GUIMARÃES, PEDRO. Ator como forma fílmica : metodologia dos estudos atorais. Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, v. 6, p. 81-92, 2019.
    NACACHE, Jacqueline. O ator de cinema. Lisboa: Texto e grafia, 2012.
    MULVEY, Laura. Prazer visual e cinema narrativo. In: XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983[1975], p. 437-454.
    SMITH, Sharon. The image of women in film: some suggestions for future research. Women and Film. No. 1, 1972, p. 13-21.