Ficha do Proponente
Proponente
- Pedro de Araujo Nogueira Tinen (AvH-Stiftung)
Minicurrículo
- Pedro Tinen é programador, pesquisador e distribuidor. German Chancellor Fellow pela Fundação Alexander von Humboldt e pelo Festival de Oberhausen na Alemanha. Participou dos programas U30 e Industry Academy do Festival de Locarno na Suíça, da residência Arché-Work dos festivais Doclisboa (Portugal) e Márgenes (Espanha), e do programa de diplomacia cultural Global Cultural Relations Platform na Bélgica. Mestre em Multimeios pela UNICAMP.
Ficha do Trabalho
Título
- A commodificação dos afetos: cinema e plataformas
Seminário
- Políticas, economias e culturas do cinema e do audiovisual no Brasil.
Formato
- Presencial
Resumo
- Partindo dos estudos de audiência, plataformização, e da economia de dados, a presente comunicação propõe uma reflexão sobre a posição política e afetiva dos públicos do audiovisual diante do quadro econômico-institucional proporcionado pelo streaming, pelos algoritmos e pela inteligência artificial. Apresentam-se os conceitos do trabalho emocional, da análise sentimental e das emoções como commodities, recursos mensuráveis e comercializáveis em face aos paradigmas da economia da atenção.
Resumo expandido
- Em seu ensaio ‘Between Erlebnis and Erfahrung: Cinema Experience with Benjamin’, Thomas Elseasser (2009) analisa a guinada afetiva dos estudos de cinema e observa a centralidade da noção de experiência – partindo da obra de Walter Benjamin – para pensar o cinema operado como “máquina das emoções” (2009, p. 293). Para o autor, a ideia do cinema como evento oferece um possível denominador comum entre campos distantes, do cognitivismo ao culturalismo, e privilegia as emoções sobre a ideia de texto, narrativa, ou discurso. Diante dessa chamada guinada afetiva, ou guinada para as emoções, esta comunicação busca expandir a reflexão do cinema e audiovisual como experiências afetivas sob a ótica do capitalismo tardio. Pensando a espectatorialidade não através das perspectivas da fenomenologia, mas através da psicometria e da psicopolítica.
O cinema não escapa ao fenômeno da plataformização (HELMOND, 2015) da atenção, das relações sociais e do consumo pelo digital. Nas plataformas de vídeo, sejam elas sob-demanda ou de compartilhamento, a experiência dos filmes se distancia da experiência do cinema (das salas) ou até mesmo das locadoras e da programação linear (da televisão) para se aproximar da experiência dos ditos “conteúdos” digitais. Nessas plataformas virtuais, o comportamento do usuário (ou da audiência) é minuciosamente monitorado; o tempo gasto nas escolhas, cliques, gostos são transformados em dados. Um conjunto de comportamentos passa a ser interpretado como um conjunto de emoções através da análise sentimental, ou uma “série de procedimentos computacionais usados para identificar estados afetivos” (MELHADO, RABOT, 2021). A coleção de ‘emotional data’, no entanto, não visa descrição de perfis emocionais complexos ou ambíguos, mas da construção de uma psicometria; da tentativa de atribuir subjetividade a um padrão de comportamentos monitoráveis com o objetivo de induzir ao engajamento e consumo.
Dados emocionais se tornam então commodities que permitem a criação de escalas de consumo e a capitalização da atenção do usuário. A mobilização do consumo através das emoções oferece, igualmente, a oportunidade para a mobilização do olhar e da política. A vigilância dos dados dá vazão para esquemas de controle pós-panópticos, nos quais as emoções não são apenas monitoradas, mas moduladas. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han (2014) se refere a tais estratégias de controle como “psicopolítica”.
Se a psicopolítica oferece ferramentas que comportamentos possam ser calculados e interpretados como sentimentos, o tempo e a atenção das audiências podem ser então pensadas como produtos e commodities de valor econômico significativo para as plataformas digitais. Os paradigmas da relação de consumo entre públicos e obras se transformam pela escala do acumulo de dados e sua subsequente capitalização política a econômica. Audiências passam a participar de uma troca de valores e afetos também no escopo do “trabalho emocional” (HOCHSCHILD, 1983). Atualizar os esquemas institucionais, políticos e econômicos pelos quais pensamos a circulação e visibilidade dos filmes é fundamental para a elaboração de políticas públicas para o setor audiovisual.
Bibliografia
- ELSAESSER, T. Between Erlebnis and Erfahrung: Cinema Experience with Benjamin. Paragraph 32.3, 2009, pp. 292-312.
HAN, B.-C. Psychopolitics: Neoliberalism and New Technologies of Power. Londres: Verso Books, 2017.
HELMOND, A. The platformization of the web: making web data platform ready. Social Media+ Society, Thousand Oaks, v. 1, n. 2, 2015. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/2056305115603080. Acesso em: 22 abr. 2023.
HOCHSCHILD, Arlie Russell. The Managed Heart: Commercialization of Human Feeling. U of California P, 1983.
MELHADO, F.; RABOT, J. Sentiment Analysis: From Psychometrics to Psychopolitics. Comunicação e Sociedade, vol. 39, 2021, pp. 101-118.