Ficha do Proponente
Proponente
- Hermano Arraes Callou (UFRJ)
Minicurrículo
- Graduado em Comunicação Social na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, mestre e doutor em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador de Pós-doutorado na UFRJ.
Ficha do Trabalho
Título
- André Bazin, o automatismo e as vanguardas históricas
Seminário
- Cinema Comparado
Formato
- Presencial
Resumo
- Esta comunicação pretende desenvolver uma interpretação do conceito de imagem automática apresentado por André Bazin em seu ensaio “Ontologia da Imagem Fotográfica”, comparando a noção elaborada pelo crítico com a ideia de automatismo desenvolvida no contexto da história da arte, no começo do século XX, pelas vanguardas históricas.
Resumo expandido
- Esta comunicação pretende propor um caminho interpretativo para o conceito de imagem automática apresentado no ensaio célebre de André Bazin “Ontologia da imagem fotográfica”. A nossa interpretação da formulação de Bazin tomará como horizonte comparativo a noção de automatismo desenvolvida no contexto da história da arte pelas vanguardas históricas. O termo aparece pela primeira vez no discurso dos artistas dadaístas e surrealistas do início do século XX, exprimindo um conjunto de práticas artísticas baseada em uma certa renúncia da atividade de expressão consciente e de composição deliberada. O recurso a métodos automáticos era parte de uma interrogação radical das vanguardas a respeito da natureza da obra de arte, fundada, em suas primeiras formulações, em uma certa dialética entre arte e acaso.
Um dos gestos mais significativos de “Ontologia da imagem fotográfica” consiste na reivindicação do automatismo como a garantia da originalidade do cinema: “pela primeira vez, uma imagem do mundo exterior se forma automaticamente, sem a intervenção criadora do homem” (2018, p. 31). O critico confrontava, assim, a posição estabelecida pelos primeiros teóricos do meio de que a condição automática do aparato ameaçava a própria definição do cinema enquanto arte. A “arte começa quando a reprodução mecânica termina”, escrevia Rudolf Arnheim em 1932 (1957, p.57), alertando para o “grave perigo” dos cineastas se contentarem com a “reprodução sem forma” (ibidem, p.35). A “cinematografia teria permanecido apenas reprodução mecânica”, escrevia por sua vez Béla Balázs, sem o desenvolvimento dos recursos formais e expressivos do meio (1970, p.93). O ensaio de Bazin propunha, contudo, que aquilo que no cinema era irredutível ao processo de expressão e composição era, na verdade, decisivo para sua originalidade. O seu ensaio nos convida, portanto, a perguntar em que sentido a defesa do automatismo por Bazin depende da experiência das vanguardas e pode ser melhor compreendido tendo ela como quadro referência.
A “gênese automática” da imagem cinematográfica celebrada por Bazin não costuma ser interpretada tendo em vista os procedimentos artísticos introduzidos pelas vanguardas. A historiografia das teorias do cinema tradicionalmente concebe o crítico como um defensor do realismo, cujas reflexões estariam muito distantes das preocupações que marcaram a experiência do modernismo. O crítico, contudo, sugere, em um comentário sobre os filmes científicos de Jean Painlevé, ver um vínculo decisivo entre as duas problemáticas, apenas aparentemente díspares. A câmera de cinema, diz Bazin, adentra um universo em que “a suprema beleza se identifica com a natureza e o acaso”, que “uma certa estética tradicional considera como o contrário da arte”: um mundo que “apenas os surrealistas pressentiram a existência” pelo exercício do “automatismo quase impessoal de sua imaginação” (1958, p.38). A comparação de Bazin sugere uma afinidade entre cinema e vanguarda na maneira como ambos desenvolvem uma certa dialética entre arte e não-arte, fundada em um modo de proceder em comum: um modo de operar pelo qual o artista esvazia a si mesmo, concedendo parte da gênese da forma e da expressão a um processo involuntário, capaz de conservar o que não é obra no interior da obra.
Bibliografia
- ANDREW, Dudley. André Bazin. New York: Oxford University Press, 2013.
ARTAUD, Antonin. Oeuvres Complètes: tome III. Paris: Gallimard, 1978.
ARNHEIM, Rudolf. Film as art. Los Angeles: University of California Press, 1957.
BALÁZS, Bela. Theory of Film. London: Dennins Dobson LTD, 1970.
BAZIN, André. O que é o cinema?. São Paulo: Ubu, 2018.
_______. Qu’est-ce que le cinéma? I: ontologie et langage. Paris: Les Éditions du Cerf, 1958.
_______. Écrits complets: Vol.I. Paris: Macula, 2019.
_______. Écrits complets: Vol.II. Paris: Macula, 2019.
BRETON, André. Manifestoes of Surrealism. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1969.
DUCHAMP, Marcel. The Writings of Marcel Duchamp. Boston: De Capo Press, 1973.
KRAUSS, Rosalind. The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. Cambridge: The MIT Press, 1986.
_______. O fotográfico. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
UNGARO, Jean. André Bazin: Généalogies d’une théorie. Paris: Harmattam, 2000.