Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Hermano Arraes Callou (UFRJ)

Minicurrículo

    Graduado em Comunicação Social na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, mestre e doutor em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador de Pós-doutorado na UFRJ.

Ficha do Trabalho

Título

    André Bazin, o automatismo e as vanguardas históricas

Seminário

    Cinema Comparado

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta comunicação pretende desenvolver uma interpretação do conceito de imagem automática apresentado por André Bazin em seu ensaio “Ontologia da Imagem Fotográfica”, comparando a noção elaborada pelo crítico com a ideia de automatismo desenvolvida no contexto da história da arte, no começo do século XX, pelas vanguardas históricas.

Resumo expandido

    Esta comunicação pretende propor um caminho interpretativo para o conceito de imagem automática apresentado no ensaio célebre de André Bazin “Ontologia da imagem fotográfica”. A nossa interpretação da formulação de Bazin tomará como horizonte comparativo a noção de automatismo desenvolvida no contexto da história da arte pelas vanguardas históricas. O termo aparece pela primeira vez no discurso dos artistas dadaístas e surrealistas do início do século XX, exprimindo um conjunto de práticas artísticas baseada em uma certa renúncia da atividade de expressão consciente e de composição deliberada. O recurso a métodos automáticos era parte de uma interrogação radical das vanguardas a respeito da natureza da obra de arte, fundada, em suas primeiras formulações, em uma certa dialética entre arte e acaso.

    Um dos gestos mais significativos de “Ontologia da imagem fotográfica” consiste na reivindicação do automatismo como a garantia da originalidade do cinema: “pela primeira vez, uma imagem do mundo exterior se forma automaticamente, sem a intervenção criadora do homem” (2018, p. 31). O critico confrontava, assim, a posição estabelecida pelos primeiros teóricos do meio de que a condição automática do aparato ameaçava a própria definição do cinema enquanto arte. A “arte começa quando a reprodução mecânica termina”, escrevia Rudolf Arnheim em 1932 (1957, p.57), alertando para o “grave perigo” dos cineastas se contentarem com a “reprodução sem forma” (ibidem, p.35). A “cinematografia teria permanecido apenas reprodução mecânica”, escrevia por sua vez Béla Balázs, sem o desenvolvimento dos recursos formais e expressivos do meio (1970, p.93). O ensaio de Bazin propunha, contudo, que aquilo que no cinema era irredutível ao processo de expressão e composição era, na verdade, decisivo para sua originalidade. O seu ensaio nos convida, portanto, a perguntar em que sentido a defesa do automatismo por Bazin depende da experiência das vanguardas e pode ser melhor compreendido tendo ela como quadro referência.

    A “gênese automática” da imagem cinematográfica celebrada por Bazin não costuma ser interpretada tendo em vista os procedimentos artísticos introduzidos pelas vanguardas. A historiografia das teorias do cinema tradicionalmente concebe o crítico como um defensor do realismo, cujas reflexões estariam muito distantes das preocupações que marcaram a experiência do modernismo. O crítico, contudo, sugere, em um comentário sobre os filmes científicos de Jean Painlevé, ver um vínculo decisivo entre as duas problemáticas, apenas aparentemente díspares. A câmera de cinema, diz Bazin, adentra um universo em que “a suprema beleza se identifica com a natureza e o acaso”, que “uma certa estética tradicional considera como o contrário da arte”: um mundo que “apenas os surrealistas pressentiram a existência” pelo exercício do “automatismo quase impessoal de sua imaginação” (1958, p.38). A comparação de Bazin sugere uma afinidade entre cinema e vanguarda na maneira como ambos desenvolvem uma certa dialética entre arte e não-arte, fundada em um modo de proceder em comum: um modo de operar pelo qual o artista esvazia a si mesmo, concedendo parte da gênese da forma e da expressão a um processo involuntário, capaz de conservar o que não é obra no interior da obra.

Bibliografia

    ANDREW, Dudley. André Bazin. New York: Oxford University Press, 2013.
    ARTAUD, Antonin. Oeuvres Complètes: tome III. Paris: Gallimard, 1978.
    ARNHEIM, Rudolf. Film as art. Los Angeles: University of California Press, 1957.
    BALÁZS, Bela. Theory of Film. London: Dennins Dobson LTD, 1970.
    BAZIN, André. O que é o cinema?. São Paulo: Ubu, 2018.
    _______. Qu’est-ce que le cinéma? I: ontologie et langage. Paris: Les Éditions du Cerf, 1958.
    _______. Écrits complets: Vol.I. Paris: Macula, 2019.
    _______. Écrits complets: Vol.II. Paris: Macula, 2019.
    BRETON, André. Manifestoes of Surrealism. Ann Arbor:‎ University of Michigan Press, 1969.
    DUCHAMP, Marcel. The Writings of Marcel Duchamp. Boston: De Capo Press, 1973.
    KRAUSS, Rosalind. The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. Cambridge: The MIT Press, 1986.
    _______. O fotográfico. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
    UNGARO, Jean. André Bazin: Généalogies d’une théorie. Paris: Harmattam, 2000.