Ficha do Proponente
Proponente
- Beatriz Avila Vasconcelos (Unespar)
Minicurrículo
- Doutora em Filologia Clássica pela Universidade Humboldt de Berlim, atua como professora adjunta do Bacharelado em Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Artes do Vídeo da Universidade Estadual do Paraná. Suas pesquisas atuais incidem sobre processos de significação no cinema, desde as relações entre imagem cinematográfica e história da cultura e da arte às conexões entre cinema e linguagem poética. Escreve poesia e dramaturgia.
Ficha do Trabalho
Título
- Atenção poética na animação The Aroma of Tea, de Michaël Dudok de Wit
Seminário
- Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas
Formato
- Presencial
Resumo
- Investigando sobre o lugar da atenção nos cinemas de poesia, proponho-me aqui a considerar a animação abstrata 2D “The Aroma of Tea” (2006), do holandês Michaël Dudok de Wit, como espaço de realização de atenção poética, para a qual nos conduz a trajetória atemporal e a-geográfica de uma pequena esfera errante a vagar por um universo branco indefinido composto por formas aleatórias, em passo ritmado com o Concerto Grosso opus 6, de Arcangelo Corelli.
Resumo expandido
- Integrando uma pesquisa sobre as relações entre cinema e poesia e sobre o lugar da atenção nos cinemas de poesia, proponho-me aqui a considerar a animação abstrata 2D “The Aroma of Tea” (2006), do holandês Michaël Dudok de Wit, como espaço de realização de atenção poética, para a qual nos conduz a trajetória atemporal e a-geográfica de uma pequena esfera errante a vagar por um universo branco indefinido composto por formas aleatórias, em passo ritmado com o Conceto Grosso opus 6, nº 2 e nº 12 de Arcangelo Corelli. Parto da ideia formulada por Lucy Alford (2019) e Hans-Ulrich Gumbrecht (2016), de que a a poesia é um modo de atenção, que, libertando o espectador da busca por um sentido capturável por um logos decifrador, remete-o antes a uma experiência de presença, na qual a linguagem se torna centro de si mesma, dando a oportunidade ao espectador de “ficar quieto por um momento” (Gumbrecht 2016, p. 34), em modo de escuta atenta.
Incorporando outras denominações, como animação independente ou de autor, a animação experimental esteve, desde suas primeiras manifestações, no início do século XX com os filmes abstratos de Oskar Fischinger, Hans Richter e outros artistas, comprometida com a exploração do potencial plástico da imagem animada, dentro de um projeto mais amplo dos primeiros cinemas de vanguarda de desafiar (ou de procurar) os limites demarcatórios da linguagem cinematográfica e criar resistência a um cinema narrativo condicionado aos estandartes da indústria e alicerçado na tradição dramática, para por-se em defesa de uma possível artesania, de um cinema artístico em que a mão do autor não fosse apagada pelos processos industriais. Muitas vezes os próprios cineastas vanguardistas, como Man Ray, Jean Epstein, Jean Cocteau, Germaine Dullac, Luis Buñuel, Maya Deren, etc, buscaram afirmar suas realizações como realizações de um cinema “puro” ou de um cinema “poético”, ambas as denominações úteis para afastar o cinema que eles e elas realizavam do cinema narrativo, próximo demais do drama burguês e da literatura romanesca. Artistas pioneiros e contemporâneos da animação experimental intensificam este caráter poético da imagem em movimento, na medida em que criam obras que tornam tal imagem não um mero suporte para contar histórias, mas algo para ser experienciado em seu próprio potencial expressivo, uma vez que a poesia retira sua expressividade do fato de debruçar-se sobre si mesma como linguagem.
Dos cinco possíveis critérios de um filme experimental, segundo Dominique Noguez (1979), descritos no Dicionário Teórico e Crítico do Cinema de AUMONT e MARIE (2006) – “não é realizado no sistema industrial; não é distribuído nos circuitos comerciais (mas eventualmente em outros circuitos); não visa à distração, nem, necessariamente, à rentabilidade; é majoritariamente não-narrativo; trabalha questionando, desconstruindo ou evitando a figuração” (p. 111) – concentro-me em um único: “não visa à distração”, para a partir daí pensar num tipo de experimentalismo cinematográfico fundado em uma intenção estético-política que é a defesa da atenção, não a atenção utilitária (requerida nos dispositivos e situações tecno-sociais), mas a atenção poética, capaz de, como define Octavio Paz (2012), “entrar no ser”. Esta entrada no ser muitas vezes impõe ao artista desconstruir ou mesmo recusar muitas camadas aparentes de ser que se cristalizam em formas artísticas esvaziadas, linguagens encarceradas. Neste sentido o abstracionismo, ao penetrar em uma linguagem altamente comprometida com as convenções da narrativa e do drama, como a linguagem cinematográfica, ainda hoje (como nas primeiras décadas do século XX) pode ter força de vanguarda, subvertendo a lógica da distração com a “estória”, para nos propor uma outra forma de nos relacionarmos com a imagem em movimento: uma forma em que possamos “ficar quietos por um momento” e assim regenerarmos o olhar. A obra de Dudok de Wit que aqui pretendo analisar servirá para falar sobre tudo isto.
Bibliografia
- ALFORD, Lucy. Forms of Poetic Attention. New York: Columbia University Press, 2019.
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico do cinema. Campinas: Papirus, 2006.
PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. São Paulo: Cossac Naïf, 2012.
GUMBRECHT, Hans-Ulrich. Serenidade, presença e poesia. Belo Horizonte: Relicário, 2016.
THE AROMA OF TEA. Dirigido por Michaël Dudok de Wit, Holanda, 2006, 3min20s.