Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Thiago de Castro Sobral (UFF)

Minicurrículo

    Mestrando em cinema da UFF. Graduação em cinema pela UFF. Nível técnico em música pela Escola Villa-Lobos. Licenciatura em música, em curso, pela UNIRIO. É mixador, técnico e editor de som. Esteve na mostra Aurora de Tiradentes (2023) com o longa Peixe Abissal. Foi premiado em diversos festivais com os longas Torquato Neto: Todas as Horas do Fim (2017); Yorimatã (2016); Crônicas da Demolição (2015). Trabalhou na restauração de Rico Ri à Toa, de Roberto Farias, e Estou Aí, de Cajado Filho.

Ficha do Trabalho

Título

    Caminhadas sonoras em Transeunte, de Eryck Rocha

Formato

    Presencial

Resumo

    Partindo das aproximações entre ecologia acústica, cinema de fluxo e escuta háptica, este projeto de pesquisa pretende se debruçar sobre a elaboração sonora do longa-metragem Transeunte (2010), de Eryk Rocha. Este filme configura um exemplo muito especial de pensamento sonoro dentro da cinematografia contemporânea brasileira devido a sua proposta de composição de paisagens sonoras através de caminhadas pelo centro do Rio e suas interferências entre som e imagem.

Resumo expandido

    A parceria entre direção, montagem e desenho de som desde a elaboração do roteiro, repercute na obra de forma bastante expressiva, dotando a banda sonora de notável autonomia em relação à imagem, gerando, assim, diversas camadas de sentido e sensações. Edson Secco é quem assina a concepção sonora, tendo participado de ponta a ponta do processo de feitura do filme. Secco, em entrevista para o catálogo Sonoridades Cinema (2015), comenta sobre sua atuação no projeto: “No meu trabalho o desenho de som é […] a direção da banda sonora no aspecto mais amplo, sendo conceitual, técnico e estético, e idealmente desenvolvido desde o roteiro. Cinema é imagem e som.” (SERFATY e FARKAS, 2015, p. 137).
    Desta forma, se evidencia o papel fundamental que o som teve na construção da narrativa incluindo elementos sonoros como o radinho de pilha – amigo inseparável do personagem que o tempo todo acrescenta comentários sobre as cenas -, os sons internos e fisiológicos extremamente sutis, que nos aproximam fisicamente dos corpos em trânsito, os bregas e boleros que atravessam o espaço sonoro incessantemente, além dos silêncios e mascaramentos de sons fundamentais para a narrativa.
    Chama a atenção aqui o fato de Secco ter sido responsável pela pesquisa e captação de som direto também no filme. Suas escolhas junto à direção devem ser compreendidas como parte criativa do desenho de som do filme. O uso constante de microfones de lapela mesmo num personagem quase mudo, sem falas e diálogos, foi fundamental para a coleta de ruídos tão delicados quanto expressivos.
    O recurso sonoro do radinho de pilha – estrutural para a construção da narrativa – também amplia incrivelmente nossa relação com o personagem. Ele nos faz participar do seu ponto de escuta através dos fones de ouvido, enquanto caminha pela cidade, adentrando assim um pouco mais ao seu universo íntimo. Expedito pouco se relaciona diretamente com outras pessoas. Seus únicos vínculos familiares são sua mãe já falecida e uma sobrinha que o visita raramente. Ele vaga invisível pelas ruas transpassado por um emaranhado de ruídos. Já os comentários radiofônicos transitam no espaço-tempo com muita liberdade.
    Essa forma de libertar os elementos sonoros de sua fonte originária, ou seja, a acusmatização dos sons que atravessam o horizonte sônico do personagem, casada com uma montagem fragmentada e flânerie, como caracteriza Erly Viera Jr. (2015), possibilita também o uso criativo do espaço fora de campo, tornando a cidade tão protagonista quanto Expedito na narrativa. De fato, é justamente sobre essa relação que o filme se debruça. A errância e os tempos lentos daqueles que não vivem mais a lógica da produtividade nas metrópoles.
    Essa questão da opressão sonora da cidade é quebrada quando o personagem encontra seu oásis nas esquinas boêmias do centro. Como num culto à música de seresta, é ali que Expedito se sente pertencente e acolhido. Este percurso nos remete aqui à ideia dos Homens Lentos trabalhada por Milton Santos (1997) que contrapõe “áreas luminosas” à “áreas opacas” nas grandes metrópoles, onde estariam os pobres e marginalizados a incorporar os tempos lentos:
    Creio, porém, que na cidade, na grande cidade atual, tudo se dá ao contrário. A força é dos “lentos” e não dos que detêm a velocidade elogiada por um Virilio em delírio na esteira de um Valéry sonhador. Quem na cidade tem mobilidade – pode percorrê-la e esquadrinhá-la – acaba por ver pouco da Cidade e do Mundo. […] Os homens “lentos”, por seu turno, para quem essas imagens são miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase com esse imaginário perverso e acabam descobrindo as fabulações. (SANTOS, 1997. p 84)

    Assim, acredito que Transeunte seja um ponto de partida muito rico para pensarmos o papel do sound designer no cinema brasileiro contemporâneo, suas possibilidades expressivas e criativas dentro da construção fílmica e suas relações com outras linguagens como a musical e a de paisagens sonoras.

Bibliografia

    CHION, Michel. A Audiovisão: some imagem o cinema. Tradução Pedro Elói Duarte. 1.ed. Lisboa: Texto & Grafia, 2011.
    MACHADO, Arlindo. 2007. O ponto de escuta. In: O sujeito na tela: modos de
    OLIVEIRA JR., Luiz Carlos Gonçalves de. O cinema de fluxo e a mise en scène. São Paulo : L. C. G. Oliveira Jr., 2010.
    SACIC, Rodrigo.. Entrevista com sound designer Edson Secco in Artesãos do Som. 2014. Disponível em Acesso em: ago. 2022.
    SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. Editora Hucitec, São Paulo, 1997.
    SCHAFER, R. Murray. A Afinação do Mundo. 2.ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
    SERFATY, Jo & FARKAS, Guilherme (org.). Entrevistas: Edson Secco in Sonoridade Cinema, 1º Edição. 2015.
    VIEIRA JR., Erly. Texturas sonoras de um mundo em imersão in Sonoridade Cinema, 1º Edição. 2015.