Ficha do Proponente
Proponente
- Claudia Regina d’Almeida Moretz-Sohn (UFF)
Minicurrículo
- Formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Claudia Moretz-Sohn trabalhou na redação dos jornais O Globo e Jornal do Brasil, na revista Exame, na TV Globo e na Globo.com. Na década de 1980, ainda estudante, integrou um grupo de estudos sobre cinema – liderado pelo cineasta Luiz Carlos Prestes Filho – e foi uma das fundadoras do tabloide Cine Imaginário, que teve importância à época por dar vez e voz às produções nacionais. Em 2018, lançou o livro de memórias “À Tona”.
Ficha do Trabalho
Título
- Do Cineclube Macunaíma ao cineclubismo atual: histórias de resistência
Formato
- Presencial
Resumo
- O Cineclube Macunaíma, que funcionou na ABI de 1973 a 1986, foi ponto de encontro da esquerda carioca na ditadura. Após a exibição dos filmes, discutiam-se questões nacionais, como repressão, anistia, liberdade de expressão. A redemocratização foi um dos motivos para o fim do Macunaíma, mas o movimento cineclubista não acabou: transformou-se. Hoje, são exibidas e debatidas produções próprias sobre temas mais específicos, mas não menos relevantes: racismo, violência, carências locais.
Resumo expandido
- Não se pode falar em ecossistema audiovisual brasileiro sem incluir os cineclubes. Nesse universo, há um microcosmo essencial para a memória cultural fluminense: o Cineclube Macunaíma, que funcionou na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, de 1973 a 1986. Criado por um grupo de jornalistas – como Fichel Davit Chargel e Maurício Azedo, que nos anos 1980 abraçou a carreira política, elegendo-se vereador – o Macunaíma virou um importante polo de encontro de estudantes, intelectuais e profissionais liberais contrários à ditadura militar.
O Macunaíma valorizava o cinema de arte e produções nacionais que não tinham vez nas grandes salas. Metade dos filmes exibidos era brasileira, de cineastas como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Joaquim Pedro de Andrade. Para subsidiar a exibição e a discussão posterior, os organizadores distribuíam folhetos com informações sobre diretor e roteiro. Depois, começou-se também a exibir curtas metragens antes do principal.
Sem acervo próprio, o Macunaíma exibia títulos cedidos por consulados estrangeiros, distribuidoras paulistas e pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM). Eram filmes tchecos, poloneses, israelenses, palestinos e soviéticos, em plena Guerra Fria. Muitos não escapavam da Censura, que mandou cortar um desfile de trajes eclesiásticos em “Roma”, de Federico Fellini, e cenas de estupro em “Amargo Pesadelo”, de John Boorman.
“No fundo, a ideia era trazer jornalistas para começar a discutir problemas sociais, políticos etc., em plena ditadura”, lembra Davit. Essa proposta teve consequências graves: em 1975, no dia seguinte à sessão de “O Encouraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein, Azedo foi preso. O filme não era exibido aqui desde 1964, ano do golpe. Embora se passasse num país distante e muitas décadas antes, seu roteiro lembrava a Revolta dos Marinheiros, anterior à tomada do poder pelos militares no Brasil.
O Macunaíma teve papel importante também na formação do público infantil. A partir de 1974, passou a exibir filmes para crianças aos domingos. Eram desenhos animados, comédias de Charles Chaplin, aventuras de faroeste e até o russo “A flor de pedra” (1946), de Aleksandr Ptushko. Após a exibição, a plateia mirim recebia lápis de cor e papel para expressar o que assistira, sem interferência dos pais.
O cineclube funcionou até 1986. No entanto, como muitos projetos com objetivo político-cultural, esvaziou-se após a redemocratização, em 1985 (BUTRUCE, 2011). Outro fator crítico para seu fim foi a criação do Cineclube Estação Botafogo, no bairro de mesmo nome. Boa parte da equipe que programava o Macunaíma migrou para o novo empreendimento, faltando mão-de-obra para as duas iniciativas.
A volta à democracia não significou, no entanto, o fim do movimento cineclubista no Brasil. Estima-se que existam cerca de 40 cineclubes em atividade no Estado do Rio e mais de 250 no país, a maioria em formato online. Houve, porém, uma mudança importante de foco: enquanto nos anos 1970 e 1980 o Macunaíma debatia grandes temas nacionais – como liberdade de expressão, ditadura, anistia – os atuais “clubes de cinema” discutem questões identitárias e necessidades locais, como racismo, homofobia, violência contra a mulher, problemas indígenas etc. E, graças ao avanço da tecnologia digital – com celulares que filmam e computadores domésticos que editam – também promovem sessões com produções próprias. A “revolução cultural” do fim do século XX a que se refere Stuart Hall (2017) se caracterizou por seu escopo democrático e popular.
Sobre o Macunaíma, curiosamente, após mais de 30 anos de portas fechadas, o cineclube ressurgiu de forma virtual em plena pandemia de Covid-19. Em agosto de 2020, sob a curadoria do cineasta Silvio Tendler – ele próprio um ex-cineclubista – a ABI voltou a exibir filmes em seu canal no YouTube, seguidos por debates online. O plano da associação é programar sessões presenciais, como nos velhos tempos, mas ainda sem data marcada.
Bibliografia
- MACEDO, Felipe. 50 anos da Ditadura – Lições de resistência e democracia dos cineclubes. Academia.edu, 2014.
ABI TV. ABI faz história – Cineclube Macunaíma com Fichel Davit Chargel. Rio de Janeiro, 2022. 1 vídeo (3:23). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eOQz8IiZcqA.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA. A época de ouro do Cineclube Macunaíma. s/l, 2020. Disponível em:: http://www.abi.org.br/a-epoca-de-ouro-do-cineclube-macunaima/.
HALL, Stuart. “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo”. Educação & Realidade. s/l, 2(22): 15-46. 2017. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71361.
ALVES, Giovanni. “O cinema como experiência crítica – Tarefas políticas do novo cineclubismo no século XXI”. In: ALVES, Giovanni; MACEDO, Felipe. Cineclube, Cinema & Educação. Londrina: Praxis, 2010.
BUTRUCE, Débora. “Cineclubismo no Brasil: Esboço de uma história”. Acervo. Rio de Janeiro, 1(16): 117-124, 2003.