Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Giordano Dexheimer Gil (UFRGS)

Minicurrículo

    GIORDANO GIO é cineasta, roteirista e historiador da arte. Formado pelo Curso de Realização Audiovisual (CRAV), da UNISINOS e em História da Arte pelo Instituto de Artes, da UFRGS, onde também realizou mestrado e, atualmente, cursa o doutorado em História, Teoria e Crítica de Arte, desenvolvendo pesquisas sobre história do cinema, artes e ocultismo, modernidade e cinema fantástico. Sócio-fundador da Fehorama Filmes.

Ficha do Trabalho

Título

    Magia e Mágica: O Cineasta no Limiar entre o Ocultismo e o Ilusionismo

Formato

    Presencial

Resumo

    O presente trabalho parte do pressuposto do cinema, em especial o cinema fantástico, como espaço de intersecção entre as tradições ilusionistas da mágica de palco e da tecnologia e as tradições do ocultismo e do hermetismo, e para fazê-lo, são invocados realizadores que operam dentro desse limiar em sua prática e teoria, dentre os quais estão George Méliès, Alejandro Jodorowsky, David Lynch, Kenneth Anger, Maya Deren, F. W. Murnau, Harry Everett Smith, entre outros.

Resumo expandido

    O presente trabalho é parte de uma pesquisa de maior fôlego que, ao optar pensar o cinema como magia e o cineasta como mago, entende a História e a Teoria do Cinema como um Grimório, ou seja, uma coletânea de feitiços. O cineasta Kenneth Anger relaciona o processo de realizar um filme com o ato de conjurar um feitiço. Enquanto Edgar Morin questiona de que maná o cinematógrafo foi possuído para tornar-se cinema, o quadrinista e ocultista Alan Moore define a magia como a ciência de manipular símbolos, palavras ou imagens para operar mudanças de consciência.

    A alquimia, campo da magia que alicerça-se na ideia da transubstanciação material, segundo o crítico de arte Nicolas Bourriaud, foi uma prática precursora do espírito científico moderno, percebida em indivíduos que operavam por repetição de procedimentos, na expectativa de um evento transcendental. Bourriaud postula que o herdeiro de figuras como Nicolas Flamel ou Robert Fludd seria mais o artista moderno do que o cientista, um tipo de figura que já encontra seus antecedentes em homens do princípio do que poderíamos entender como modernidade, como Leonardo, Dürer ou Bosch.

    Em seguida, Bourriaud dá sequência à sua formulação aproximando a figura do alquimista da figura do dândi, na qual Baudelaire descobriria a síntese da modernidade enquanto elogio da subjetividade e da artificialidade da experiência humana, a invocação de uma “mitologia pessoal” na qual investe-se tempo e ciência (p. 47). É na dialética da alquimia e do dandismo que Bourriaud enxerga a configuração do artista moderno, e me surpreende que nessa feliz proposição, o autor não tenha se aproximado também da figura do Mágico de Palco, do Ilusionista, que parece ser a mais perfeita síntese desses dois campos. E é diretamente dessa síntese que emerge a figura do cineasta, através de George Mélies.

    O historiador da arte Philippe Alain-Michaud entende que Méliès desviou a câmera de sua vocação documentaria para torná-la o que chama de instrumento demiúrgico. Diz ele que “Se Méliès não “inventou” o cinema, porém o utilizou para prolongar uma história mais antiga, inventou, em contrapartida, a figura do cineasta […] parece ter-se representado dessa maneira em seus filmes, para assinar suas imagens – e talvez também, num plano mais profundo, para sentir os efeitos do cinema no próprio corpo. Evoluindo diante de cenários de perspectivas aberrantes, em meio a espectros e aparições, curandeiro místico, capaz de decompor e reconstituir os corpos, de fazer nascerem visões e de dissipá-las, Méliès em seus filmes-autorretratos, representa-se como feiticeiro e faz do cinema uma força mágica”. (MICHAUD, p. 160)

    O Mágico, ou Mago, é também o arcano de número I na praticada cartomancia, apresentando-se como amálgama entre o feiticeiro e o trambiqueiro. Em alguns baralhos, surge como encarnação do Deus Hermes, entidade mercurial associada à comunicação, à linguagem e ao arquétipo do trickster, e cumpre a função de conduíte entre os mundos espirituais e físico, virtuais e reais, como é o próprio cineasta. Invoquemos aqui outro cineasta, e mago autodeclarado, que vê no Tarot uma prática oracular e instrumento poético, o chileno Alejandro Jodorowsky, que afirma que “Para o mago, tudo é possível: ele tem sobre a sua mesa uma série de elementos que pode empregar como quiser e uma bolsa que podemos imaginar inesgotável como uma cornucópia de abundância (…) O mago é um andrógino que trabalha a luz e a sombra, fazendo malabarismo, do inconsciente ao supra consciente”.

    Essa pesquisa pretende estabelecer uma genealogia dessa intersecção entre ocultismo e tecnologia óptica, que atravessa a história do cinema em figuras como os já citados Méliès e Jodorowsky, e em outros como David Lynch, Kenneth Anger, Maya Deren, F. W. Murnau, Harry Everett Smith, entre outros, e suas técnicas e obras como partes de um grimório de feitiços em constante transmutação.

Bibliografia

    ANDRIOPOULOS, Stefan. Aparições Espectrais: O Idealismo Alemão, o Romance Gótico e a Mídia Óptica. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2014.
    BENJAMIN, Walter. A Modernidade e os Modernos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000
    DAVIES, Owen. Grimoires: A History of Magic Books. Nova York: Oxford University Press, 2009.
    ELIADE, Mircea. O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas de Êxtase. São Paulo, Martins Fontes, 2002.
    EPSTEIN, Jean. “O cinema do diabo”, IN: A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2003
    JODOROWSKY, Alejandro. O Caminho do Tarot. São Paulo: Chave, 2016.
    KITTLER, Firedrich. Mídias Ópticas: Curso em Berlim, 1999. Rio de Janeiro: Contraponto, 2016.
    LAMONT, Peter. Crenças Extraordinárias: Uma Abordagem Histórica de um Problema Psicológico. São Paulo: Editora UNESP, 2017.
    MICHAUD, Phillippe-Alain. Filme: Por uma Teoria Expandida do Cinema. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2014.
    MORIN, Edgar. O Cinema ou o Homem Imaginário. São Paulo: É Realizações, 20