Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    André Antônio Barbosa (UFPE)

Minicurrículo

    André Antônio é professor do bacharelado e da licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco. É co-autor do livro Inúteis, frívolos e distantes: à procura dos dândis (2019). É também realizador de cinema junto ao coletivo Surto & Deslumbramento. Dirigiu o longa-metragem A Seita (2015 – estreia no Festival do Rio) e o média Vênus de Nyke (2021 – estreia no FICValdivia, Chile). Seu segundo longa, Salomé, atualmente encontra-se no estágio de pós-produção.

Ficha do Trabalho

Título

    Espaços do hedonismo: o cinema de Eva Ionesco

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho analisa os dois longas realizados pela francesa Eva Ionesco: My Little Princess (2011) e Une Jeunesse Dorée (2019). Ao estudar a visualidade construída pela direção de arte, buscamos entender como Ionesco cria uma reflexão sobre a experiência do hedonismo, o qual nem é rejeitado com julgamentos morais, nem abraçado ingenuamente. Antes, uma tensão permanente é estabelecida entre um deslumbre encantado por espaços extravagantes e um sentimento de niilismo, inocuidade e melancolia.

Resumo expandido

    Os olhos do público se voltaram para Eva Ionesco quando ainda era criança. Ela posou como modelo para sua mãe, a fotógrafa franco-romena Irina Ionesco, em uma série de imagens que geraram polêmica. Nas fotos, sempre em preto-e-branco e marcadas por um contraste tão alto que as faz parecer tingidas de uma tinta muito negra, a pequena Eva estava frequentemente despida e caracterizada com signos de mulher adulta. Ela emula poses e olhares sensuais num cenário decorado com objetos que remetem a um imaginário de hedonismo e decadência. É como se estivéssemos vendo algo entre um editorial de moda, uma pintura simbolista do fim do século XIX e uma fotografia sombria com bonecas do surrealista Hans Bellmer. Maquiagem pesada, sapatos de salto, crânios, flores, véus, almofadas, lençóis de seda.

    As questões morais que o trabalho de Irina suscitou fez com que ela perdesse a guarda da filha e com que até hoje essas imagens sejam de difícil acesso. Eva, adulta, processou legalmente a mãe e seguiu sua própria carreira no mundo da arte: estava frequentemente envolvida com os círculos da moda em Paris, foi atriz em dezenas de obras teatrais, cinematográficas e televisivas, além de ter publicado dois romances. Também se lançou como realizadora de cinema – e é esta sua investida que nos interessa aqui. Em seus dois longas-metragens – My Little Princess (2011) e Une jeunesse dorée (2019) – Eva fala de sua própria infância e juventude, em obras semi-autobiográficas. Surpreendentemente, ela, em seus filmes, parece fascinada por atmosferas e espaços similares aos da obra da sua mãe: cenários cheios de extravagâncias frívolas, sensualidades perversas, prazeres hedônicos, romantismos sombrios, elegâncias decadentes.

    Este paper pretende, através de uma análise do universo visual construído pela arte desses longas – incluindo cenografia, caracterização, figurino e a relação desses setores com a direção de fotografia – entender como Eva Ionesco cria sua própria reflexão a respeito da experiência do hedonismo. Ao “animar” o universo congelado de caprichos perversos das fotos de sua mãe, Eva nem rejeita esse universo com julgamentos morais, nem o abraça ingenuamente. Antes, cria uma tensão permanente entre o deslumbre visual encantador desses espaços de prazeres sensoriais e o senso de perigo, niilismo, inocuidade e melancolia que eles escondem por baixo do seu brilho glamoroso.

    Em My little princess, François-Renaud Labarthe assina a direção de arte. Seguimos a personagem Violetta (Anamaria Vartolomei), uma criança para quem a mãe ausente é uma espécie de aparição de contos de fadas. Com seus cabelos loiros e charme cruel, gélido, de femme fatale, Hanah (Isabelle Huppert) é uma fotógrafa ambiciosa que ainda não conseguiu destaque no mundo da arte. É quando ela decide trazer a filha para seu estúdio e começa a fazer imagens perversas, excêntricas, no limite do erotismo. O estúdio de Hanah é filmado como uma caverna dos tesouros, onde o brilho de jóias preciosas reluz na escuridão. Violetta começa a adentrar o mundo dos ateliês e das casas de artistas decadentes e da fleuma chique das galerias de arte contemporânea. Um mundo que contrasta com os espaços banais, simples, da escola e da casa da avó. E que se mostra fascinante ao mesmo tempo que traz o amargor da falta de sentido da vida adulta vista pelos olhos de uma criança.

    O longa seguinte de Ionesco, Une Jeunesse Dorée, parece a exata continuação de My Little Princess. Apesar da protagonista agora se chamar Rose (Galatéa Bellugi), é como se estivéssemos vendo a adolescência e juventude de Violetta. Rose Katia Wyszkop assina a arte que, em parceria com o trabalho de luz e textura da diretora de fotografia Agnès Godard (a fotógrafa dos filmes da Claire Denis), cria ambientes de luxo e decadência que lembram a Estética do Mal das pinturas simbolistas do século XIX, ao mesmo tempo que resgatam o glamour disco da Le Palace – a discoteca que, na década de 1980, era considerada a Studio 54 de Paris.

Bibliografia

    DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010.

    DOURTHE, Pierre. Bellmer: le principe de perversion. Paris: Jean-Pierre Faur éditeur, 1999.

    ECO, Umberto (Org). História da Beleza. São Paulo: Record, 2004.

    IRINA IONESCO: espelhos de luz e sombra. São Paulo: Caixa Cultural, 2010 (catálogo de exposição).

    GALT, Rosalind. Pretty: film and the decorative image. New York: Columbia University Press, 2011.

    GIBSON, Michael. Simbolismo. London: Taschen, 2006.

    LAMBOURNE, Lionel. The aesthetic movement. London: Phaidon, 1996.

    LOPES, Denilson (et all). Inúteis, frívolos e distantes: à procura dos dândis. Rio de Janeiro: Mauad X, 2019.

    NEVES, Pedro. Estátuas, manequins, cadáveres e ciborgues: figurações do corpo glamouroso na fotografia de moda. Rio de Janeiro: UFRJ, 2021 (Tese de doutorado).

    PRYSTHON, Angela. Utopias da frivolidade. Recife: Cesarea, 2014.