Ficha do Proponente
Proponente
- Patrick Silva Cavalcante (UNICAMP)
Minicurrículo
- Mestrando do PPG-Multimeios da UNICAMP, bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) pela UESC/BA e Técnico em Produção de Áudio e Vídeo pela SEC/BA, faz parte do Grupo de Pesquisa do CNPQ “AUDIOENSAIO”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Elinaldo Teixeira, e realiza pesquisa nas áreas de Cinema, Filosofia e Literatura. Atuou em projeto de pesquisa sobre o filme-ensaio e publicou um capítulo e um artigo sobre o tema. É Bolsista CAPES/DS e Bolsista PED nas disciplinas História do Cinema I e II.
Ficha do Trabalho
Título
- O conceito de imagem no filme-ensaio A gaia ciência de Jean-Luc Godard
Formato
- Presencial
Resumo
- Este trabalho visa apresentar uma análise do filme A gaia ciência (1968-1969) de Jean-Luc Godard (1930-2022), sob o recorte do domínio do filme-ensaio, assunto recente nos estudos sobre a arte cinematográfica. Na obra em questão, ao tentar definir o conceito de imagem, tanto visual quanto sonora, Godard caminha no sentido de promover o estatuto da imagem fílmica enquanto uma forma própria de pensamento, ainda que seja por um balbuciar como um “estrangeiro em sua própria língua”.
Resumo expandido
- Este trabalho visa apresentar uma análise do filme “Le gai savoir” [A gaia ciência] (1968-1969) do realizador franco-suíço Jean-Luc Godard (1930-2022), sob o recorte do domínio do filme-ensaio, assunto recente nos estudos sobre a arte cinematográfica. Na obra em questão, ao tentar definir o conceito de imagem, tanto visual quanto sonora, Godard caminha no sentido de promover o estatuto da imagem fílmica enquanto uma forma própria de pensamento, ainda que seja por um balbuciar como um “estrangeiro em sua própria língua”, como bem afirmou o filósofo francês Gilles Deleuze sobre suas criações. Assim como o escritor ensaísta opera com recortes múltiplos da realidade, o cinevideasta opera, no filme, com fragmentos de materiais diversos: trechos de outros filmes, imagens eletrônicas, de arquivos de vídeo, colagens de frases, fotografias, pinturas, tudo isso visto num emaranhado de imagens diante da tela. As personagens são Patricia e Émile, as quais deverão, num período de três anos, estudar imagens e sons advindos da televisão, do cinema, do vídeo, como também de livros, de imagens eletrônicas e de trechos de produções de rádio. No primeiro ano, as personagens farão a recepção das imagens e gravarão peças sonoras, atividades que, de acordo com a fala de Patricia, ajudarão a criar experiências não regulares, ações, hipóteses. No segundo ano, elas farão a crítica do material estudado dentro de um método inicialmente proposto por elas mesmas de “dissolução”: decompor, reduzir, substituir e recompor. Já no terceiro ano, criarão amostras de sons e imagens, aliando teoria e prática “revolucionárias”. Por fim, após esse período de três anos, as personagens deverão criar dois ou três modelos de interpretação antecipados dessas amostras – o que não ocorre no filme, pois que as definições propostas para o conceito de imagem soarão, um tanto, vagas, apesar de se ter ressaltado na obra algumas constatações, como o exemplo das diferenças entre a palavra escrita e a imagem audiovisual. Percebe-se que há uma tentativa do realizador, durante todo o filme, de se chegar a um método de criação de “imagens livres”: “sem palavras de ordem”. Afinal, o contexto político do período de produção da obra é o das manifestações de Maio de 1968, na França. No entanto, na parte final de A gaia ciência, o cineasta chega a uma proposição fugidia de “método com sentimento” para a análise das imagens – o que se poderia entender como uma interdependência entre “logos” e “pathos”, entre o intelecto e o sensível –, e considera que o seu filme “não pôde nem explicar nem constituir o objeto de sua teoria, mas, modestamente, oferecer um método eficaz para se chegar lá”. Aqui se delineia a característica de indefinição própria do conceito de ensaio; há um abismo a atravessar. Dessa forma, a noção de imagem se intercede com a própria noção de ensaio, no sentido de que, para ambas, há que se considerar o material sensível que está presente no processo de formação dos conceitos, para além de uma construção estritamente racional de pensamento, interferindo diretamente no pensar e impedindo que este ato seja circunscrito a um sistema filosófico, isto é, cria-se uma abertura de margens para o surgimento do novo enquanto novidade. Ora, a história do ensaio, tanto na Filosofia quanto na Literatura, se desenvolveu nesse sentido de propor um pensamento novo acerca do “mundo”, livre dos métodos e sistemas filosóficos pré-estabelecidos para o ato de pensar – o que dialoga, pontualmente, com a noção de “espírito livre” desenvolvida no livro A gaia ciência pelo filósofo Friedrich Nietzsche. Não obstante, apesar de ser este um ponto relevante para futuras análises, neste trabalho não se pretendeu investigar as relações entre Godard e Nietzsche, a questão aqui foi operar uma investigação do conceito de imagem que o realizador se propôs a elaborar em seu filme-ensaio e o modo como ele foi tateando uma espécie de proto-conceito das imagens dentro de um processo de criação ensaística.
Bibliografia
- ADORNO, Theodor Ludwig. O ensaio como forma. In: ADORNO, Theodor Ludwig. Notas de literatura I. SP: Editora 34, 2003. Trad. Jorge de Almeida.
CABRERA, Júlio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. RJ: Rocco, 2006.
COUTINHO, Mário Alves. Escrever com a câmera: a literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard. BH: Crisálida, 2010.
CORRIGAN, Timothy. O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas-SP: Papirus, 2015.
DELEUZE, Gilles. Conversações. SP: Editora 34, 1992, 1ª Ed. (6ª reimpr.). Trad. Peter Pál Pelbart.
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. SP: Cosac Naify, 2004. Trad. Mateus Araújo Silva.
LE GAI SAVOIR (1968-1969). Realização: Jean-Luc Godard. Produção: ORTF (Paris) e Bavaria (Alemanha). Roteiro: Jean-Luc Godard, Jean-Jacques Rousseau. FR; DE. Em francês. Legenda: português.
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org.). O ensaio no cinema: formação de um quarto domínio das imagens na cultura audiovisual contemporânea. SP: Hucitec Editora, 2015.