Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Patrick Silva Cavalcante (UNICAMP)

Minicurrículo

    Mestrando do PPG-Multimeios da UNICAMP, bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) pela UESC/BA e Técnico em Produção de Áudio e Vídeo pela SEC/BA, faz parte do Grupo de Pesquisa do CNPQ “AUDIOENSAIO”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Elinaldo Teixeira, e realiza pesquisa nas áreas de Cinema, Filosofia e Literatura. Atuou em projeto de pesquisa sobre o filme-ensaio e publicou um capítulo e um artigo sobre o tema. É Bolsista CAPES/DS e Bolsista PED nas disciplinas História do Cinema I e II.

Ficha do Trabalho

Título

    O conceito de imagem no filme-ensaio A gaia ciência de Jean-Luc Godard

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho visa apresentar uma análise do filme A gaia ciência (1968-1969) de Jean-Luc Godard (1930-2022), sob o recorte do domínio do filme-ensaio, assunto recente nos estudos sobre a arte cinematográfica. Na obra em questão, ao tentar definir o conceito de imagem, tanto visual quanto sonora, Godard caminha no sentido de promover o estatuto da imagem fílmica enquanto uma forma própria de pensamento, ainda que seja por um balbuciar como um “estrangeiro em sua própria língua”.

Resumo expandido

    Este trabalho visa apresentar uma análise do filme “Le gai savoir” [A gaia ciência] (1968-1969) do realizador franco-suíço Jean-Luc Godard (1930-2022), sob o recorte do domínio do filme-ensaio, assunto recente nos estudos sobre a arte cinematográfica. Na obra em questão, ao tentar definir o conceito de imagem, tanto visual quanto sonora, Godard caminha no sentido de promover o estatuto da imagem fílmica enquanto uma forma própria de pensamento, ainda que seja por um balbuciar como um “estrangeiro em sua própria língua”, como bem afirmou o filósofo francês Gilles Deleuze sobre suas criações. Assim como o escritor ensaísta opera com recortes múltiplos da realidade, o cinevideasta opera, no filme, com fragmentos de materiais diversos: trechos de outros filmes, imagens eletrônicas, de arquivos de vídeo, colagens de frases, fotografias, pinturas, tudo isso visto num emaranhado de imagens diante da tela. As personagens são Patricia e Émile, as quais deverão, num período de três anos, estudar imagens e sons advindos da televisão, do cinema, do vídeo, como também de livros, de imagens eletrônicas e de trechos de produções de rádio. No primeiro ano, as personagens farão a recepção das imagens e gravarão peças sonoras, atividades que, de acordo com a fala de Patricia, ajudarão a criar experiências não regulares, ações, hipóteses. No segundo ano, elas farão a crítica do material estudado dentro de um método inicialmente proposto por elas mesmas de “dissolução”: decompor, reduzir, substituir e recompor. Já no terceiro ano, criarão amostras de sons e imagens, aliando teoria e prática “revolucionárias”. Por fim, após esse período de três anos, as personagens deverão criar dois ou três modelos de interpretação antecipados dessas amostras – o que não ocorre no filme, pois que as definições propostas para o conceito de imagem soarão, um tanto, vagas, apesar de se ter ressaltado na obra algumas constatações, como o exemplo das diferenças entre a palavra escrita e a imagem audiovisual. Percebe-se que há uma tentativa do realizador, durante todo o filme, de se chegar a um método de criação de “imagens livres”: “sem palavras de ordem”. Afinal, o contexto político do período de produção da obra é o das manifestações de Maio de 1968, na França. No entanto, na parte final de A gaia ciência, o cineasta chega a uma proposição fugidia de “método com sentimento” para a análise das imagens – o que se poderia entender como uma interdependência entre “logos” e “pathos”, entre o intelecto e o sensível –, e considera que o seu filme “não pôde nem explicar nem constituir o objeto de sua teoria, mas, modestamente, oferecer um método eficaz para se chegar lá”. Aqui se delineia a característica de indefinição própria do conceito de ensaio; há um abismo a atravessar. Dessa forma, a noção de imagem se intercede com a própria noção de ensaio, no sentido de que, para ambas, há que se considerar o material sensível que está presente no processo de formação dos conceitos, para além de uma construção estritamente racional de pensamento, interferindo diretamente no pensar e impedindo que este ato seja circunscrito a um sistema filosófico, isto é, cria-se uma abertura de margens para o surgimento do novo enquanto novidade. Ora, a história do ensaio, tanto na Filosofia quanto na Literatura, se desenvolveu nesse sentido de propor um pensamento novo acerca do “mundo”, livre dos métodos e sistemas filosóficos pré-estabelecidos para o ato de pensar – o que dialoga, pontualmente, com a noção de “espírito livre” desenvolvida no livro A gaia ciência pelo filósofo Friedrich Nietzsche. Não obstante, apesar de ser este um ponto relevante para futuras análises, neste trabalho não se pretendeu investigar as relações entre Godard e Nietzsche, a questão aqui foi operar uma investigação do conceito de imagem que o realizador se propôs a elaborar em seu filme-ensaio e o modo como ele foi tateando uma espécie de proto-conceito das imagens dentro de um processo de criação ensaística.

Bibliografia

    ADORNO, Theodor Ludwig. O ensaio como forma. In: ADORNO, Theodor Ludwig. Notas de literatura I. SP: Editora 34, 2003. Trad. Jorge de Almeida.
    CABRERA, Júlio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. RJ: Rocco, 2006.
    COUTINHO, Mário Alves. Escrever com a câmera: a literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard. BH: Crisálida, 2010.
    CORRIGAN, Timothy. O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas-SP: Papirus, 2015.
    DELEUZE, Gilles. Conversações. SP: Editora 34, 1992, 1ª Ed. (6ª reimpr.). Trad. Peter Pál Pelbart.
    DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. SP: Cosac Naify, 2004. Trad. Mateus Araújo Silva.
    LE GAI SAVOIR (1968-1969). Realização: Jean-Luc Godard. Produção: ORTF (Paris) e Bavaria (Alemanha). Roteiro: Jean-Luc Godard, Jean-Jacques Rousseau. FR; DE. Em francês. Legenda: português.
    TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org.). O ensaio no cinema: formação de um quarto domínio das imagens na cultura audiovisual contemporânea. SP: Hucitec Editora, 2015.