Ficha do Proponente
Proponente
- Rafael de Campos (UFRGS)
Minicurrículo
- Rafael de Campos é graduado em Realização Audiovisual pela UNISINOS e atualmente é mestrando em Comunicação pela UFRGS. Interessa-se por pesquisas acerca de diversos aspectos do cinema, entre eles: cinema chinês, filme-ensaio, narratologia, cinema brasileiro e adaptação cinematográfica. Também tem pesquisado acerca das epistemologias da comunicação e sobre o uso de vídeo-ensaios como ferramenta de pesquisa e reflexão acadêmica.
Ficha do Trabalho
Título
- Representação e Alteridade no Filme-Ensaio Brasileiro (1972-1982)
Seminário
- Cinema Comparado
Formato
- Presencial
Resumo
- Este trabalho investiga como os filmes Congo (1972), O Tigre e a Gazela (1987) e Mato Eles? (1982) utilizam a linguagem ensaística na busca por reflexões formais acerca da representação de povos e culturas “figurantes” (Didi-Huberman, 2014) da sociedade brasileira no cinema de não-ficção. Partimos das noções sobre o ensaio definidas por Lukács (1974) e Adorno (2003), e das reflexões sobre a linguagem filme-ensaística trazidas por Rascaroli (2017) e Corrigan (2015).
Resumo expandido
- A questão da representação do “outro” (cultura, etnia, grupo social) no cinema de não-ficção tem suscitado muitas perspectivas. Trinh Minh-ha (1990), por exemplo, critica o documentário hegemônico em sua pretensão de definir as culturas representadas e falar em seu lugar. Em contraponto, a vietnamita propõe a noção de “falar junto” (speak nearby), que desenvolve em filmes como Reassemblage (1982). Para Minh-ha, o documentário convencional constituiria uma relação de poder entre o cineasta – portador da voz e do “veredito” – e o documentado, relação que tende a ser mascarada pela linguagem documental convencional. Minh-ha busca, então, demarcar sua posição de cineasta e evitar o discurso totalizante.
Didi-Huberman (2014) discute algo parecido ao falar sobre as representações dos povos marginalizados ao longo da história. Ele alerta que o aumento nas representações dos povos considerados “figurantes” no decorrer dos séculos, principalmente nos últimos cinquenta anos, não configura, necessariamente, algo benéfico, pois muitas destas representações acabam por ser rasas e estereotipadas. Assim, esse modo de exposição tende a tornar-se a imagem hegemônica de determinado povo ou cultura, fazendo o autor afirmar que estes povos estariam, assim, “expostos à desaparição” (DIDI-HUBERMAN, 2014, p. 14). Em uma linha de raciocínio similar, Levinas (1980) dirá que o “outro” não é um dado codificável, um rastro objetivo esperando por uma tipificação/descrição.
Partindo dessas inquietações, buscamos compreender tais questões no cinema brasileiro. Bernardet (2003) aponta a segunda metade da década de 1960 no Brasil como o momento em que certo “modelo sociológico” de documentário dá lugar a outras propostas de não-ficção, que tendiam a um questionamento do modelo hegemônico anterior e empreendiam discussões sobre a sociedade brasileira e sobre a linguagem cinematográfica. Tendo este recorte de Bernardet como ponto de partida, propomos aqui a análise de três curta-metragens brasileiros deste período, selecionados por possuírem em comum a discussão sobre a representação do “outro” e a articulação de elementos ensaísticos em suas formas – definindo-os como filme-ensaios: Congo (1972), de Arthur Omar, O Tigre e a Gazela (1977), de Aloysio Raulino e Mato Eles? (1982), de Sergio Bianchi.
O termo “ensaio” aqui é baseado no modo como Lukács (1974) e Adorno (2003) o definem. Lukács vê o ensaio como um “poema intelectual”, que tensiona arte e ciência e se concentra mais no processo de investigação do que de conclusão, recusando o veredito totalizante. Já Adorno valoriza o ensaio como uma forma de combater a objetividade dogmática imposta ao pensamento europeu pelo positivismo no século XX. Ambos se opõem à uniformidade de pensamento e veem o ensaio como uma resposta possível a essa padronização. Liberdade formal, tensão entre experiência pública e privada e recusa à conclusão absoluta: eis as principais características do ensaio.
Filme-ensaios, então, são as obras que articulam estas características por meio da linguagem cinematográfica. Para Rascaroli (2017), o filme-ensaio articula seu pensamento – em especial, o pensamento não-verbal – por meio de uma dialética, uma prática disjuntiva que se dá na montagem. Portanto a descontinuidade é crucial para o filme-ensaio, pois este criaria pensamento por meio de interstícios. Corrigan (2015), por sua vez, destaca a expressão da subjetividade a partir de experiencias públicas, resultando na representação cinematográfica do pensamento.
Ademais, fica claro que o filme-ensaio é uma forma que, por definição, parece se enquadrar naqueles pontos problematizados por Minh-ha e Didi-Huberman. Portanto, propomos aqui uma análise a respeito dos modos como os três filmes citados anteriormente articulam a linguagem ensaística a fim de empreenderem uma representação particular e anti-totalizante dos povos/culturas a que se propõem a abordar.
Bibliografia
- ADORNO, Theodor. O Ensaio Como Forma. Em: Notas de Literatura I. São Paulo: Editora 34, 2003.
BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Cia das Letras, 2003.
CORRIGAN, Timothy. O Filme Ensaio: Desde Montaigne e Depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Pueblos expuestos, Pueblos Figurantes. Buenos Aires: ed. Manantial, 2014.
LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Lisboa: Edição 70, 1980.
LUKÁCS, G. On the Naure and Form of the Essay. In: Soul and Form. Cambridge: The MIT Press, 1974
MINH-HA, Trinh. Documentary Is/Not a Name. In: October, Vol. 52, pp. 76-98. Cambridge: The MIT Press, 1990
RASCAROLI, Laura. How the Essay Film Thinks. Oxford University Press, 2017.