Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Lucas Bastos Guimarães Baptista (Egresso ECA-USP)

Minicurrículo

    Crítico de cinema e pesquisador. Mestre (2014) e Doutor (2019) em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP. Desde 2013, é editor da Foco – Revista de Cinema. Colaborador do blog Estado da Arte, do jornal Estado de São Paulo. Ministrou os cursos História(s) do cinema experimental americano (2018), Robert Bresson: O caminho do cinematógrafo (2019), O cinema e a aspiração radical: Annette Michelson e as vanguardas (2020) e Vanguardas americanas: Vertentes do cinema experimental (2021).

Ficha do Trabalho

Título

    “O cinema e a aspiração radical”: um projeto comparativo

Seminário

    Cinema Comparado

Formato

    Presencial

Resumo

    O que se propõe aqui é um olhar sobre as comparações presentes nos textos de Annette Michelson entre o cinema francês e a vanguarda norte-americana. Nossa ênfase é no tema da “aspiração radical” como ligação entre as duas filmografias e referências para as comparações feitas por Michelson – entre os modos e contextos de produção, entre as abordagens formais, entre as posições nos debates críticos e teóricos.

Resumo expandido

    Propomos aqui uma visão panorâmica sobre um tema que atravessa a produção crítica de Annette Michelson, e que tentaremos apresentar em seu desenvolvimento cronológico.

    O tema se encontra já no primeiro texto de Michelson dedicado ao cinema, intitulado “Film and the Radical Aspiration” (1966). O ponto de partida é a crise identificada por ela nos anos 1930, com a chegada do som, a industrialização crescente do cinema e a dispersão dos movimentos de vanguarda na Europa. Entre as reações a este “princípio dissociativo”, duas são destacadas: na Europa, e sobretudo na França, a dissociação é aceita, de modo que a criação cinematográfica é buscada por meio da própria indústria, de seus códigos formais e culturais; nos Estados Unidos, é rejeitada, levando a uma busca por alternativas independentes, hostis a esses mesmos códigos. São, portanto, as gerações ligadas à nouvelle vague e ao New American Cinema que protagonizam o quadro histórico traçado. É a esta polaridade, e às questões nela implicadas, que Michelson retorna ocasionalmente, e que iremos aqui nos referir como um projeto comparativo em sua obra.

    Entre 1968 e 1973, Michelson realizou o que podemos chamar de um segundo movimento dessa empreitada. Trata-se de uma sequência de leituras de obras da linhagem francesa, especificamente aquela ligada à revista Cahiers du cinéma, vista por ela com um olhar crítico, em busca de contrapontos. Em uma resenha crítica dos livros de André Bazin, publicados em 1968 nos EUA, Michelson enfatiza a recusa, da parte de Bazin, das “propriedades metafóricas da montagem”, que tiveram em Eisenstein um marco teórico fundamental, e encontraram recepção positiva entre os cineastas experimentais; rejeição interpretada como uma adesão estrita ao polo metonímico da linguagem. Em um artigo publicado em 1972 na revista Artforum, a polêmica francesa ao redor do “dispositivo de base” (“a revolta que finalmente traria fim ao domínio crítico de Bazin”) é vista como um eco de preocupações da vanguarda americana – que teria, na figura de Stan Brakhage, formulado o mesmo problema com uma década de antecedência, a mesma contestação da autoridade dos códigos de perspectiva e da inscrição de certos valores na própria tecnologia. E na introdução à edição americana do primeiro livro de Noel Burch em 1973, o contraponto é feito mais uma vez em relação a Bazin, apontando Burch como um caso mais afeito às inovações do modernismo, principalmente o radicalismo da música serial.

    Um terceiro movimento é caracterizado pelo texto “Scène de l’action, espace du mouvement”, publicado em 1976. Michelson argumenta que, para além da proximidade e hostilidade com as condições industriais pelos europeus e americanos, respectivamente, há também, entre eles, diferenças cruciais de influência – sendo Brecht o principal catalisador na Europa, e as artes plásticas a grande fonte de inspiração nos Estados Unidos. Dez anos após a primeira declaração do problema, ela o reforça num contexto que já ganhava complementos por outros autores: o mesmo recorte histórico e as mesmas linhas de força haviam sido traçados, por exemplo, em “The Two Avant-Gardes”, influente artigo de Peter Wollen publicado no ano anterior, com o qual estabelece um diálogo evidente.

    Um quarto e último movimento seriam as menções a problemas relativos a esse quadro nas etapas seguintes de sua obra. Em textos sobre Paul Sharits (1978), sobre Jean-Luc Godard (1985) ou sobre a vanguarda americana como um todo (1998), Michelson observa como esses hemisférios parecem ter sido moldados por suas condições: os contrastes da industrialização (nas capitais ou longe delas), das noções de autor (inserido na indústria ou dela excluído), dos cânones que resultam do pensamento sobre cada concepção de cinema (com ênfase maior ou menor na abstração visual). É nessa “divergência de radicalismos” que Michelson declara residir a tarefa crítica mais urgente do cinema moderno.

Bibliografia

    MICHELSON, Annette. “Film and the Radical Aspiration”, Film Culture 42 (1966).
    __________. “Gnosis and Iconoclasm: A Case Study of Cinephilia”, October 83 (inverno de 1998).
    __________. “Screen/Surface: The Politics of Illusionism”, Artforum, vol. 9, n. 1 (setembro de 1972).
    __________. “Scène de l’action, espace du mouvement: La crise de la représentation cinématographique”, in Une histoire du cinéma (Paris: Centre Georges Pompidou, 1976).
    __________. “What is Cinema?”, Artforum, vol. 7, n. 10 (verão de 1968)