Ficha do Proponente
Proponente
- Karine Joulie Martins (UFSC)
Minicurrículo
- Bacharel em Cinema, Mestre e Doutora em Educação (PPGE/UFSC) com pesquisa e produção acadêmica sobre a interlocução entre as duas áreas. É membro do Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte (NICA/UFSC) e do grupo Cinema para Aprender e Desaprender (CINEAD/UFRJ). Atua no desenvolvimento de projetos e oficinas de formação docente para o trabalho com cinema, audiovisual e cultura digital, além da curadoria, programação e mediação de mostras de cinema, cineclubes e exposições multimidiáticas.
Ficha do Trabalho
Título
- Ensaios com Agnès Varda: abrir horizontes na docência com as imagens
Mesa
- Cinema na educação: conhecer/narrar o mundo desde outras perspectivas
Formato
- Presencial
Resumo
- O que os filmes-ensaio de Agnès Varda podem nos revelar sobre a docência que se aventura no trabalho com cinema em contextos educativos? A partir de discussões apresentadas em uma pesquisa desenvolvida em um doutorado, esta comunicação aborda a potência do encontro de subjetividades no cinema e na docência em uma oficina on-line, culminando na construção de técnicas para “narrar a si mesma” diante de um contexto que impõe uma suposta isenção/neutralidade nos processos de ensinar-aprender.
Resumo expandido
- Esta comunicação apresenta discussões tratadas na tese “Encontros com o cinema na educação: Agnès Varda e a produção de imagens na formação docente” (MARTINS, 2023). Localizando-se entre os campos do cinema e da educação, a tese explorou a potência do encontro entre filmes-ensaio da cineasta com professoras da educação básica e arte-educadoras. A pesquisa se deu em uma oficina on-line, na qual se buscou a memória e reflexão sobre suas experiências com o cinema, tanto a nível pessoal quanto na docência, com a discussão/reflexão sobre alguns filmes, além de exercícios de produção visual.
As imagens e transcrições de encontros foram mobilizados em uma Análise Temática (CLARKE e BRAUN, 2006), com codificação, mapeamento e produção de narrativas que conduzem a dois temas principais: as dimensões da “constituição de si”, apontando o envolvimento de sujeitos, situações, experiências e dispositivos na construção de sua relação com cinema, e os “processos de criação” a partir de índices de identificação entre as professoras e Agnès Varda em processos de busca, curadoria e montagem de referentes culturais para suas práticas docentes.
Os filmes-ensaio vardadianos, em especial, Ulysse (1983), Os catadores e eu (2000) e As praias de Agnès (2008), apresentam um movimento constante de guardar, retomar, selecionar e narrar com as imagens. Ao mesmo tempo em que seus filmes são um fruir investigativo com/sobre o mundo, também o são com/sobre si mesma. O ensaio se dá tanto por sua subjetividade em permanente transformação pelos encontros de seu corpo-câmera sensível com sujeitos, paisagens, histórias, imagens, questões sociais, políticas e ambientais, como enquanto forma que combina dispositivos e técnicas de distintas expressões artísticas.
Um dos exercícios da oficina, a partir de um gesto presente em As praias de Agnès, foi o autorretrato. A título de exemplo, propõe-se um olhar sobre “Fantasma de mim”, produzido pela arte-educadora e professora Carolina Ramos. Trata-se de uma fotografia do seu reflexo em um vidro, metade envolta em sombra. Em seu rosto há duas máscaras sobrepostas. Assim ela a apresenta: “às vezes eu sinto como se a Carol deixasse de ser a Carol e ela virasse “a professora”, “a mediadora”. Como se não me fosse permitido ser a Carol, (…) a gente se sente inibido de falar as coisas que a gente pensa, porque se eu falar a gente pode sofrer retaliação, ou pode sofrer perseguição. E acho que esse meu reflexo é a imagem que eu passo nos lugares onde eu trabalho” (26/05/2021, transcrição).
Tornar-se professora é um processo contínuo que se confunde com a própria constituição do sujeito em seus movimentos de retorno ao passado, à sua experiência discente, em conhecimentos tácitos acumulados com a prática, em experiências que provocam a reflexão sobre a sua prática ou que coloquem em xeque essas experiências, como as próprias experiências estéticas (HERNÀNDEZ, 2007; SCHÖN, 1995), tal como Varda expõe nessas obras. “Fantasma de mim” pode ser lido como uma metáfora do encerramento das recordações-referência, dos repertórios, das histórias de vida e das práticas com imagens dentro de um corpo que exerce a docência a partir de uma “vigilância ideológica” que exige uma isenção/neutralidade e cerceia a construção de um pensamento crítico nas escolas e museus.
Alexandre de Carvalho (2014) discute a criação estética na perspectiva da emancipação do sujeito docente como um tipo de força que serve como ferramenta, “um abridor de horizontes” (Ibid., p. 134) para seus modos de ser/estar no mundo. O exercício de criação pautado pelo gesto vardadiano instiga a professora a um deslocamento do olhar a si mesma desde outra perspectiva, permitindo emergir dimensões subjetivas que não encontram outro espaço de expressão. Assim, percebe-se um potencial dispositivo pedagógico nos filmes-ensaio de Varda para o desenvolvimento de técnicas para ensaiar narrativas que desafiem processos de assujeitamento nos contextos educativos.
Bibliografia
- BRAUN, Virginia; CLARKE, Victoria. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, p. 77-101, 2006. DOI: https://doi.org/10.1191/1478088706qp063oa. Disponível em: https://uwe-repository.worktribe.com/output/1043060. Acesso em: 9 mar. 2022.
CARVALHO, Alexandre Filordi de. Foucault e a função-educador. 2. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2014.
HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores de cultura visual: proposta para uma nova narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.
MARTINS, Karine Joulie. Encontros com o cinema na educação: Agnès Varda e a produção de imagens na formação docente. 2023. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2023.
SCHÖN, Donald. Formar professores reflexivos. In: NÓVOA, Antonio (org.) Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. p. 77-92.