Ficha do Proponente
Proponente
- Álvaro André Zeini Cruz (Senac; FIB)
Minicurrículo
- Doutor e Mestre em Multimeios pela Unicamp, especialista em Roteiro pela FAAP, e bacharel em Cinema e Vídeo pela Unespar. É professor de audiovisual no Centro Universitário Senac e na FIB, autor do romance “Caso o país acabe, envie-me a Haruki Murakami” e do conto “O Apanhador do balcão do Hyde Park”. Crítico de cinema associado à Abraccine, escreve e edita a Revista Pós-créditos. Tem pesquisado crítica, narrativa e estilo no cinema e na televisão.
Ficha do Trabalho
Título
- Fronteiras luminosas de Kiyoshi Kurosawa
Seminário
- Estudos do insólito e do horror no audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Esta comunicação analisa a luz como elemento estilístico fronteiriço entre o físico e o metafísico no cinema de Kiyoshi Kurosawa. Para isso, propõe como recorte cenas de três filmes que lidam com o insólito e com o medo em diferentes chaves: “Cure” (1997), “Para o outro lado” (2015) e “O Fim da viagem, o começo de tudo” (2019).
Resumo expandido
- “As luzes mudam a aparência de tudo”, diz o Sr. Fabelman sobre a diferença entre as casas com e sem piscas-piscas em Os Fabelmans, autoficção de Steven Spielberg que associa a paixão pelo cinema ao fascínio pela luz. Em “50 anos Luz, câmera e ação” (2001), Edgar Moura parte de Shakespeare para filosofar sobre a luz — “enquanto a luz passar por uma lente e tocar uma superfície photo-sensível, isso [a fotografia] viverá” —, mas termina por sintetizar uma definição suficiente aos fotógrafos: a luz se propaga em linha reta e em três variáveis — direção, natureza e intensidade. Se a simplicidade dessa síntese não parece condizer com um fenômeno físico “que muda tudo” é porque dessa decomposição didática há recombinações complexas: diante da objetiva da câmera, a luz pode transformar rostos, produzir vácuos, acender ou apagar fronteiras.
Se etimologicamente a fotografia é escritura com a luz, o cinema, a escrita com o movimento, tem como precursores as projeções luminosas (como as lanternas mágicas) e se funda num rito imersivo que rememora a caverna de Platão. É ontologicamente fotográfico (já nos dizia Bazin), porque usa a luz para decalcar o mundo em unidades chamadas fotogramas. É a sucessão dos fotogramas – e as micro-variações de um a outro – que cria a impressão de movimento. O realismo baziniano se baseia nessa operação de transpor o mundo tridimensional numa superfície bidimensional, que privilegia a extensão do plano em detrimento da montagem e outras trucagens de pós-produção. Para Bazin, interessa o que está escrito no plano, na mise en scène.
Nesse sentido, o cinema de Kiyoshi Kurosawa é realista, mesmo lidando com fantasmagorias e outros marcadores do cinema de horror. E se Spielberg fala dos efeitos luminosos sobre o mundo físico, Kurosawa usa a luz – e a sombra – para delinear os limiares entre o físico e o metafísico, entre a matéria e a alma. Esse uso deliberado da luz como efeito fronteiriço se acentua quando a mudança luminosa ocorre em pleno plano, caso das cenas centrais para esta comunicação.
Em “Cure” (1997), o confronto entre um detetive e um assassino é marcado por uma alteração de forças que se traduz na mise en scène; o poder institucionalizado pelo mundo físico cede diante do paranormal, marcado pela imersão nas sombras provocada por uma ocorrência diegética — a chuva que passa a cair nas janelas. Em “Para o outro lado” (2015), o encontro com o mundo espiritual ora acende as luzes para revelar resquícios materiais de uma existência, ora as apaga, para reconduzir ao espírito. Já em “O Fim da viagem, o começo de tudo” (2019), a mudança de luz constrói um espaço da subjetividade para mergulhar a cena numa experiência estética que embaralha narrativa, arquitetura e uma interpretação orquestrada de Hino ao Amor.
Com uma filmografia em que predomina o cinema de gênero — associada, sobretudo, ao horror —, Kiyoshi Kurosawa tem construído uma mise en scène que demanda de artifícios fotográficos, propondo jogos de velar e desvelar (BORDWELL, 2008), encenação em profundidade, estagnações artificiais e o uso dos travellings como manifestações sobrenaturais (ANDRADE, 2023). Esta comunicação se propõe a analisar a construção estilística de cenas (e seus arredores) que se organizam numa coreografia de corpos e luzes para, repetidamente, culminarem na nuance luminosa como elemento de transição na mise en scène entre planos (tanto no conceito de unidade mínima da imagem em movimento, quanto no que concerne as dimensões palpáveis e misteriosas do mundo). O recorte analítico aqui proposto pretende também refletir sobre como essa mise en scène escapa do horror — uma vez que o medo não está necessariamente atrelado à abjeção (CANEPA, 2008) — para privilegiar o terror como “apreensão do desconhecido” (KING apud CARROL, 1999, p. 84), que “expande a alma e desperta nossas faculdades ao mais alto grau da vida” (RADCLIFFE apud ZANINI, 2019) para “fazer o leitor/espectador pensar sua própria existência” (ROSSI, 2019).
Bibliografia
- ANDRADE, Fábio. A Natureza do sobrenatural no cinema de Kiyoshi Kurosawa. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/a-natureza-do-sobrenatural-no-cinema-de-kiyoshi-kurosawa/. Acesso em: 21 abr. 2023.
BORDWELL, David. Figuras traçadas na luz. Campinas: Papirus, 2008.
CANEPA, Laura Loguercio. Medo de que?: uma historia do horror nos filmes brasileiros. 2008. 83p. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP.
CARROLL, Nöel. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. Campinas: Papirus, 1999. 317 p.
MOURA, Edgar Peixoto de. 50 anos luz, câmera e ação. São Paulo : Editora SENAC São Paulo, 2001.
ROSSI, Cido. Terror. Horror. 2019. Disponível em: https://www.insolitoficcional.uerj.br/terror/. Acesso em: 21 abr. 2023.
ZANINI, Claudio. Horror. 2019. Disponível em: https://www.insolitoficcional.uerj.br/horror/. Acesso em: 21 abr. 2023.