Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Estevão de Pinho Garcia (IFG)

Minicurrículo

    Professor efetivo do Bacharelado em Cinema e Audiovisual e do Curso Técnico de Produção em Áudio e Vídeo do Instituto Federal de Goiás, Campus Cidade de Goiás, desde 2015. Foi professor visitante do curso de Cinema e Audiovisual da UNILA entre 2012 e 2014. Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP, mestre em Estudos Cinematográficos pela Universidade de Guadalajara, México e graduado em Cinema e Audiovisual pela UFF.

Ficha do Trabalho

Título

    Visões surrealistas sobre a Conquista do México

Seminário

    Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas

Formato

    Presencial

Resumo

    Um pouco antes de sua viagem ao México em 1936, Antonin Artaud escreve La coquête du Méxique, que seria o primeiro espetáculo do Teatro da Crueldade. Em 1973, Alejandro Jodorowsky faz uma releitura dessa peça em uma sequência de A montanha sagrada. Nossa proposta reside em analisar essa cena e investigar a interpretação surrealista que está sendo esboçada sobre a cultura ameríndia, de um mundo geral, e a asteca, em particular, principalmente na articulação de sua “crueldade” como paradigma.

Resumo expandido

    Em A montanha sagrada (Alejandro Jodorowsky, México, 1973) observamos uma América Latina em estado de convulsão, desespero e agonia. O protagonista, cujos traços nos remetem à representação de Jesus Cristo, simboliza e incorpora o arcano zero do tarô de Marselha: o vagabundo errante conhecido como “o Louco”. Este louco e o seu companheiro anão (aqui uma extensão do cãozinho que acompanha o arcano em sua carta) perambulam por uma Cidade do México ocupada por soldados armados e mascarados. Estamos imersos em uma sociedade extremamente agressiva em que a violência torna-se moeda corrente e elemento primordial de um espetáculo cotidiano sem fim. Os militares assassinam estudantes e promovem desfiles onde vemos coelhos despelados atados em uma cruz. Neste mesmo momento, um grupo de burgueses caminha de joelhos e braços abertos. A enorme catedral serve-se de fundo para esse mecanismo em que exército, igreja e burguesia convertem-se em uma força opressiva única cujas garras afiadas e mortais dirigem-se contra o povo. Todas essas situações de abuso, estupro e tortura que nos foram apresentadas receberão um contraponto no segmento imediatamente posterior: o da encenação da Conquista do México realizada por um circo composto por sapos e camaleões. O objetivo de nossa comunicação reside justamente em analisar essa específica sequência e suas escolhas de mise-en-scène para compreender a interpretação surrealista que está sendo esboçada sobre a civilização asteca, principalmente no que concerne à abordagem de sua “crueldade” como modelo. Aqui, quando o Grande Circo da Conquista do México começa a se instalar, Jodorowsky cita diretamente Antonin Artaud e o que seria o primeiro espetáculo do Teatro da Crueldade: La Coquête du Méxique. Em A montanha sagrada a Conquista do México é encenada por animais: os astecas são representados por camaleões e os conquistadores espanhóis, por sapos. Temos um enfrentamento entre dominadores e dominados, ocupantes e ocupados, colonizadores e colonizados. Os soldados fascistas mascarados são os sucessores dos colonizadores espanhóis. Estabelece-se, portanto, uma primeira oposição entre o México moderno (um Estado ditatorial) e o México ancestral (uma sociedade harmônica e espiritual). Nesse contraste entre o México de hoje e o México de outrora dois tipos de violência se chocam: a violência ocidental, marcadamente opressiva, que foi deixada como herança pelos invasores ibéricos e a violência pré-ocidental dos astecas, essencialmente sagrada, purificadora e ritualística. Jodorowsky, como Artaud, está a favor dessa segunda violência. Encontraremos tanto em A montanha sagrada como no projeto não realizado do encenador francês, a violência do choque entre duas culturas e a “crueldade” da civilização asteca como um renascimento. Artaud perceberia que a morte na perspectiva da civilização indígena possui um significado oposto ao da cultura européia. O sacrifício, o sangue, possui para os astecas um valor sagrado de purificação e não de dominação. A cena do Grande Circo da Conquista do México é uma releitura pessoal da peça de Artaud. Aqui, além de a cena ser interpretada por animais, eles são verdadeiramente sacrificados na explosão final. O cineasta chileno, em certo sentido, parece retomar a visão romântica da mística pré-colombiana presente no texto original ao interpretar a sociedade asteca como harmônica, contemplativa e espiritual. Entretanto, a cena não é a Conquista do México e sim a encenação da Conquista dentro do filme. Constatamos também, portanto, a oposição entre o plano real (truculento e opressivo) e o plano da encenação teatral que expõe um mundo supostamente ideal como paradigma. O plano da representação é sagrado e positivo, um novo mundo dentro de um mundo podre e decadente. A violência purificadora dos astecas representada no circo poderia transformar a brutalidade em vigor no mundo contemporâneo? Estaria aqui sendo enfatizado o poder revolucionário da representação?

Bibliografia

    ANDRADE, Lourdes. Para la desorientación general: trece ensayos sobre México y el surrealismo. México: Aldus, 1996.
    ARTAUD, Antonin. México y viaje al país de los Tarahumaras. México: FCE, 1984.
    __________. El teatro y su doble. México: Tomo, 2003.
    __________. Para acabar con el juicio de dios. México: Arsenal, 2004.
    ___________. La conquista de México. Nueva Época, Revista de la Universidad de México, México, n.14, abr. 2005.
    BRADU, Fabiene. Artaud, todavía, México: FCE, 2008.
    MENDONÇA, Tânia Gomes. Olhares sobre o México: a América Latina sob a perspectiva surrealista. Faces da História, Assis-SP, v.2, n. 2, p. 141-160, jun-dez, 2015.
    INNES, Christopher. El teatro sagrado. El ritual y la vanguardia.México: FCE, 1992.
    JODOROWSKY, Alejandro. Antología pánica, Daniel Gonzáles Dueñas (Ed.). México: Planeta, 1996.
    SAWIN, Martica. El surrealismo etnográfico y la América indígena. El surrealismo entre viejo y nuevo mundo, Catálogo Fundación Cultural Mapfre Vida, 1989.