Ficha do Proponente
Proponente
- Gabriel Kitofi Tonelo (ECA-USP)
Minicurrículo
- Gabriel K. Tonelo conduz pesquisa sobre documentários autobiográficos há mais de uma década. Realizou estágio de Pós-Doutorado na ECA-USP entre 2018 e 2023. Em 2020-2021 esteve como pesquisador visitante do departamento Cinema and Media Studies da Universidade de Chicago. Doutor em Multimeios (2017) pela UNICAMP. Pesquisador visitante da Universidade Harvard (Dep. Visual and Environmental Studies) entre 2015-2016. Autor de diversos artigos sobre o tema em revistas nacionais e estrangeiras.
Ficha do Trabalho
Título
- O acesso em documentários autobiográficos
Formato
- Presencial
Resumo
- Evidenciarei como a noção de “acesso” configura-se de maneira particular em documentários autobiográficos. Por acesso, refiro-me ao conjunto de condições pré-estabelecidas à filmagem que permitem a abordagem de um(a) cineasta ou equipe de produção a determinado indivíduo, localidade ou assunto. Em documentários autobiográficos, a noção está relacionada a como um(a) cineasta-autobiógrafo(a) pode ser imaginado(a) como a única pessoa apta a desenvolver a narrativa a que estamos assistindo.
Resumo expandido
- A noção de acesso permeia de maneira significativa o debate acerca da produção de filmes documentários. Por acesso, refiro-me à condição ou conjunto de condições pré-estabelecidas à filmagem que permitem a abordagem de um(a) cineasta ou equipe de produção a determinado indivíduo, localidade ou assunto. Tais condições podem dizer respeito a laços sociais pré-estabelecidos entre um(a) cineasta e indivíduos que fazem parte de um objeto temático retratado; à origem de um(a) cineasta; sua classe social; o sucesso ou projeção pública de sua obra pregressa, entre outros elementos.
Aplicada ao contexto dos documentários autobiográficos, a noção de acesso está relacionada à maneira através da qual um(a) cineasta-autobiógrafo(a) pode ser imaginado(a) como a única pessoa apta a desenvolver a narrativa a que estamos assistindo. O acesso particular de um(a) cineasta à experiência própria tende a justificar as pessoas que são retratadas, os comportamentos que são exibidos, as falas que são proferidas, os espaços que são habitados ou os sentimentos que são expressos.
Cada narrativa documentária autobiográfica oferece a possibilidade de vislumbrarmos de que maneira o acesso particular de um(a) cineasta à própria experiência é definitiva para a empreitada apresentada a nós, espectadores. Seria possível um resultado semelhante ao obtido em documentários autobiográficos importantes, se tivessem sido realizados por pessoas que não os(as) próprios(as) cineastas-autobiógrafos(as)? Poderia uma pessoa alheia à família Pincus, em Diaries (1971 – 1976) (Ed Pincus, 1980), ter o acesso privilegiado ao cotidiano e aos momentos mais íntimos de Ed, Jane, Ben e Sami em meio ao período de experimentação vivido pela família? Seria possível testemunharmos, em Silverlake Life (Tom Joslin e Peter Friedman, 1993), os momentos de frustração revelados pelo cineasta Tom Joslin, no meio da madrugada, diante da complicação dos sintomas da AIDS – ou, em um exemplo mais extremo, testemunharmos a imagem de seu corpo inerte, momentos após sua morte, como registrado pelo companheiro Mark Massi? Seria possível que um indivíduo que encontrasse as imagens realizadas pelo pai de Michelle Citron e que figuram em Daugher Rite (Michelle Citron, 1980) as utilizasse em uma narrativa para além de sua conotação mais evidente de registro familiar alegre?
O acesso de um cineasta-autobiógrafo está ligado ao substrato que compõe a vida pré-textual (Egan, 1994) quando da decisão da feitura de uma narrativa autobiográfica. Esse substrato é composto pelos elementos a que temos acesso único e privilegiado e são eles que compõem a matéria-prima dos filmes autobiográficos. Entre esses elementos, estão espaços específicos que reconhecemos como próprios (a morada, o local de trabalho); objetos que possuímos; locais de onde originamos (nacionalidade, por exemplo) ou nossa relação com determinada cultura; pessoas que reconhecemos como parte de nossas vidas (familiares, amigos próximos, conhecidos, colegas de trabalho); relações com cada uma de tais pessoas (a relação que temos com um cônjuge ou com familiares [pais, mães, filhos, filhas, irmãos e irmãs]); a ciência de episódios relativos à história familiar; condições relativas a nosso próprio corpo (patologias, por exemplo); identificações de gênero, raça ou sexualidade; crenças religiosas; práticas cotidianas; preferências das mais diversas (seja em relação à alimentação ou à arte); o reconhecimento de nossa inserção em determinada classe social; aspectos relativos à própria personalidade ou temperamento; traços comportamentais; nosso panorama emocional, psíquico e mnemônico.
Evidenciarei de que maneira a questão do “acesso” configura-se de maneira particular nos documentários autobiográficos a partir de uma reflexão sobre títulos importantes que marcaram a história do cânone nos últimos cinquenta anos.
Bibliografia
- EGAN, Susanna. “Encounters in Camera: Autobiography as Interaction”. Modern Fiction Studies 40.3. p. 593-618, 1994
CITRON, Michelle. Home Movies and Other Necessary Fictions. Minnesota: U of Minnesota Press, 1998.
PINCUS, Edward. “New Possibilities in Film and the University”. Quarterly Review of Film Studies, Vol.2(2), p.159-178. 1977
RENOV, Michael. “Filmes em primeira pessoa: Algumas proposições sobre a autoinscrição.” Em: Silêncios históricos e pessoais: Memória e subjetividade no documentário latino-americano contemporâneo, Natalia Barrenha e Pablo Piedras (orgs.). Campinas: Medita. 2014.
TONELO, Gabriel K. “Filmar-se, Sendo: O tempo narrativo presente em documentários autobiográficos”. Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento. 9 (1), 2022.