Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    IVAN CAPELLER (UFRJ)

Minicurrículo

    Ivan Capeller é técnico de som direto para cinema e Tv e professor associado à ECO/UFRJ. Publicou, em 2022, o livro “O cinema e seu duplo – para uma semiótica dos dispositivos audiovisuais”.

Ficha do Trabalho

Título

    A ESQUERDA EM TRANSE: VIOLÊNCIA E FASCISMO NO CINEMA BRASILEIRO

Formato

    Presencial

Resumo

    Uma análise comparativa de dois filmes brasileiros, “Terra em Transe”, de Glauber Rocha (1967) e “Bacurau”, de Kléber Mendonça (2019), para tentar entender os motivos da impotência da esquerda não só diante do golpe de 2016, mas também diante da eleição presidencial fraudada de 2018. Ao examinarmos as diferenças entre esses filmes – particularmente no que diz respeito à recepção do público brasileiro de esquerda ontem e hoje – esboça-se um retrato da esquerda brasileira em estado de transe.

Resumo expandido

    As formas pelas quais um filme pode expressar as tendências políticas e culturais da sociedade de onde vem e da qual faz parte são múltiplas e complexas. Em 1967, Glauber Rocha lançou seu filme “Terra em Transe”. Apesar do caráter revolucionário e radical de sua linguagem cinematográfica, esse filme foi muito mal recebido pela esquerda brasileira, principalmente pela esquerda armada que resistia à ditadura. À época, partidários de uma resistência incondicional às forças de repressão do Estado denunciavam “Terra em Transe” como um filme reacionário, desmobilizador e niilista, pois seu protagonista, o poeta Paulo Martins (interpretado com maestria pelo grande ator Jardel Filho) só adere à resistência armada contra a ditadura na última cena do filme, e somente após muitas hesitações – pontuadas por intermináveis solilóquios poético e políticos – e de forma mais desesperada do que resoluta. Em 2019, Kléber Mendonça lançou seu filme “Bacurau”. Apesar do caráter convencional – e bem adaptado às exigências do mercado internacional – de sua linguagem cinematográfica, este filme foi muito bem recebido pela esquerda brasileira, em particular pela esquerda democrática e pacifista que aceitou a deposição ilegal de um presidente eleito pelo povo e uma eleição presidencial fraudada e manipulada por um político abertamente fascista, apoiado pelas elites do país. “Bacurau” foi recebido como um ato de resistência cultural e política contra um novo regime de cunho fascista que se insinuava no Brasil, e isso pela simples razão de que o cineasta Kléber Mendonça e sua atriz principal, Sonia Braga haviam denunciado, antes mesmo das eleições presidenciais de 2018 e por ocasião da estreia de seu filme anterior em Cannes, em 2016, o golpe de estado ocorrido naquele ano.
    Enquanto “Terra em Transe” pretendia ser um filme esteticamente revolucionário que acabou sendo acusado de ser politicamente reacionário, “Bacurau” se vê como um filme politicamente engajado que pouco se preocupa com questões formais relacionadas à linguagem cinematográfica e sua possível renovação. De um filme para o outro, passaram-se cerca de cinquenta anos, e se o “clima” cultural do país se tornou bem diferente de outrora, o quadro político manteve-se quase inalterado, pois, no Brasil, os golpes de estado – com tudo o que se segue em termos de repressão, quebra de princípios constitucionais e perseguições políticas – continuam sendo muito bem aceitos pelas elites.
    No entanto, a reação da esquerda a esses dois filmes “de oposição” não é a mesma de cinquenta anos atrás. Como explicar tamanha diferença de atitude em relação a dois filmes cuja pretensão é a mesma, ou seja, denunciar e combater o autoritarismo do poder de Estado no Brasil?
    Para responder a essa pergunta, faremos uma análise comparativa dos filmes acima citados, não apenas do ponto de vista exclusivamente estético ou linguístico, mas estudando-os em suas respectivas relações com as grandes questões da sociedade brasileira, segundo seus respectivos momentos históricos. Também ressaltaremos as respectivas recepções distintas, e até mesmo opostas, desses dois filmes quando lançados nos cinemas. Isso nos permitirá examinar as questões políticas, econômicas e sociais que esses filmes abordam para tentar entender por que eles oferecem respostas tão divergentes à questão da violência existente na sociedade brasileira, violência esta que emerge em vários momentos de sua história; veremos também quais são os motivos que levaram o público de esquerda brasileiro a reagir de forma tão distinta a esses dois filmes.
    Nossa hipótese é a de que essa análise comparativa poderá nos fornecer ferramentas para entender o que mudou na relação entre o estado e a sociedade brasileira ao longo dessas décadas, e também entender os motivos pelos quais a atitude do público – em especial do público de esquerda a quem esses filmes são dirigidos em primeiro lugar – mudou tanto ao longo das últimas cinco décadas.

Bibliografia

    – AVELLAR, José C. (1986), O Cinema Dilacerado. Rio de Janeiro: Ed. Alhambra.
    – BENJAMIN, W. Critique de la violence et autres essais, © Éditions Payot & Rivages, Paris, 2012.
    – CAPELLER, I. “The Patina of film: From time’s cinematic reproduction to history’s cinematographic representation”, Matrix (online), v.3, 2011.
    – GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada, o Sacerdote e o Feiticeiro, São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
    – GUNDER FRANK, Andre. Capitalism and Underdevelopment in Latin America (1967).
    – HOBSBAWM, E. Bandidos. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
    – MARINI, Rui M. Subdesenvolvimento e revolução, Editora Insular, Brasil, 2012.
    Dialéctica de la Dependencia, Serie Popular Era, México, 1977.
    América Latina: dependência e integração. Ed. Brasil Urgente, 1992.
    – XAVIER, I. (2014). Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify.