Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Morgana Gama de Lima (UFBA)

Minicurrículo

    Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas (UFBA) com estágio doutoral na Universidade da Beira Interior (Portugal). Possui Mestrado em Cultura e Sociedade (UFBA, 2014) com graduação nos cursos de Relações Públicas (UNEB, 2008) e Produção Cultural (UFBA, 2009). Atualmente é membro do grupo de pesquisa Laboratório de Análise Fílmica (LAF/UFBA), com pesquisa pós-doutoral sobre tradições orais em cinemas de África e suas diásporas.

Ficha do Trabalho

Título

    O griot vai ao cinema: as tradições orais nos filmes de Dani Kouyaté

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Formato

    Presencial

Resumo

    Nas culturas africanas, o griot não é só um contador de histórias, mas um guardião das memórias de um país ou de uma família, funcionando como um meio de comunicação e compartilhamento de valores. Diante de lançamentos recentes como a série de curtas “African Folktales Reimagined” (Netflix e Unesco, 2023), essa comunicação busca trazer um retrospecto sobre a aproximação entre o cinema e as tradições orais africanas, especialmente a partir de dois filmes realizados pelo cineasta Dani Kouyaté.

Resumo expandido

    Nas culturas africanas, o griot não é só um contador de histórias, mas um guardião das memórias de um país ou de uma família, funcionando como um meio de comunicação e compartilhamento de valores. Diante de lançamentos recentes como a série de curtas “African Folktales Reimagined” (Netflix e Unesco, 2023), essa comunicação busca trazer um retrospecto sobre a aproximação entre o cinema e as tradições orais africanas, especialmente a partir de dois filmes realizados pelo cineasta Dani Kouyaté.

    Natural de Burkina Faso, Dani Kouyaté é membro de uma das famílias mais antigas de griots, e acredita que o cinema pode ser uma ferramenta útil para que os griots se reapropriem da palavra na contemporaneidade (THACKWAY, 2003, p. 194), fato que pode ser observado em seus próprios filmes: “Keïta! A herança do griot” (1995) e “Sia, le rêve du Python” (2001), ambos inspirados em lendas provenientes de tradições orais africanas. No primeiro filme, o ator e griot Sotigui Kouyaté (1936-2010) – pai do cineasta – interpreta Djéliba Kouyaté, um ancião que busca contar ao menino Mabo Keïta (Hamed Dicko) a origem de seu nome e a sua relação com a saga épica de Sundjata Keïta, um dos nomes mais importantes do antigo Império Mali. À medida em que a narrativa fílmica avança, há a sobreposição de duas temporalidades e correlatas: uma situada em uma África contemporânea, na qual o griot conta ao menino a história e o legado de seus ancestrais, e uma segunda situada em uma África antiga, constituída a partir dos relatos de Djeliba sobre o herói Sundjata. Em um paralelo entre presente e passado, os recursos cinematográficos se prestam à reconstituição imagética e sonora da epopéia, não só reforçando, didaticamente, a história contada pelo griot, mas apresentando uma crítica aos valores de uma sociedade que já não reconhece mais a importância das tradições diante dos princípios da ciência.

    A questão é: para além de encenar histórias, o que essa apropriação das tradições orais implica em termos de narrativa cinematográfica? Para Manthia Diawara (1987, p. 49), filmes baseados em adaptações de contos orais, operam uma “desterritorialização” da história usada como fonte, pois transforma o valor semântico da narrativa “original” em favor das atividades subversivas em ação no filme. Nesse sentido, a figura do griot e o relato oral seriam a base da narrativa fílmica configurando uma espécie de “retórica do griot” (BAMBA, 2015), pois o relato do griot, ao ser incorporado no filme, funciona como “código extra cinematográfico” capaz de interferir, tanto na construção enunciativa (o próprio ato de narrar), quanto na recepção (a forma como se convida quem assiste a interagir com a narrativa).

    Anos depois, mais uma vez, Dani Kouyaté busca nas tradições orais a inspiração para realizar o filme “Sia, o sonho de Python” (2001), fruto de uma adaptação cinematográfica da lenda de Wagadu, um mito soninquê do antigo Império Gana. A narrativa traz a história de Sia (Fatoumata Diawara) uma virgem que deve ser sacrificada para apaziguar a raiva do poderoso deus “Python” e assim trazer chuva para a região. Uma lenda que o cineasta usa como âncora para apresentar uma “abordagem política universal e contemporânea do mito, uma reflexão sobre a utilização do mistério pelo poder” (SIA, 2004).

    Considerando a existência de diversas linhas de investigação que têm como ponto de partida a aproximação entre as narrativas de tradição oral e as narrativas cinematográficas (LIMA, 2020, p. 97-8), mais do que pensar na adaptação de tradições orais para o cinema, essa comunicação busca refletir sobre como essas histórias, para além de evocar a memória dos antigos impérios africanos e o seu legado para futuras gerações, constituem alegorias, enquanto estratégia retórica que em articulação com a narrativa cinematográfica, serve para a abordagem crítica de questões contemporâneas das sociedades africanas e uma possível fonte “africanização” da linguagem fílmica (UKADIKE, 1994, p. 203).

Bibliografia

    BAMBA, M. Reflexão sobre a dimensão espectatorial dos filmes africanos: ou como os Cinemas Africanos pensam de outra forma em seus públicos. In. ESTEVES, Ana Camila; OLIVEIRA, Jusciele (orgs.). Cinemas africanos contemporâneos: abordagens críticas. São Paulo: Sesc, 2020. p. 77-94.

    LIMA, M. G. Griots modernos: por uma compreensão do uso de alegorias como recurso retórico em filmes africanos. Tese (Doutorado), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2020.

    PARÉ, Joseph. Keïta! L’héritage du griot: l’esthétique de la parole au service de l’image, Cinémas, 11(1), 45–59, 2000. Disponível em: https://doi.org/10.7202/024833ar. Acesso em: 28 out. 2019.

    SIA, le film [site oficial], 05 dez. de 2004. Disponível: https://www.sialefilm.com/. Acesso em: 21 abr. 2023.

    THACKWAY, M. Africa shoots back. Bloomington: Indiana University Press, 2003.

    UKADIKE, N. F. Black African Cinema. Berkeley: University of California Press, 1994.