Ficha do Proponente
Proponente
- KENIA CARDOSO VILACA DE FREITAS (Sem)
Minicurrículo
- Kênia Freitas é curadora e programadora do Cinema do Dragão. Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Fez estágios de pós-doutorado em Comunicação na UCB e na Unesp-Bauru. Desde 2015, realizou a curadoria de diversas mostras e festivais de cinema. Realiza palestras, oficinas e minicursos sobre Afrofuturismo e Crítica de Cinema. Escreve para o site de cinema Multiplot! desde 2012. Integra o FICINE – Forúm Itinerante de Cinema Negro.
Ficha do Trabalho
Título
- Cinema Negro Brasileiro: Sonhando com o Futuro e com o Espaço
Seminário
- Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.
Formato
- Presencial
Resumo
- Essa comunicação reflete sobre o cinema negro brasileiro contempâraneo, com intenção de pensar as transformações e contextos (políticos e estéticos) que atravessam esse campo. Se definições e conceitos seguem em constante mutação para se falar sobre cinema negro, desejamos abordar mais detidamente as produções e manifestos que reinvindicam a fabulação, futuros possíveis, espaços reais ou imaginários e a plenitude do “apenas sonhar”.
Resumo expandido
- Em “os dinos da rua” (2014) Danez Smith, poeta e performer, nos propõem imaginar um filme a partir de uma cena em que um garotinho negro que brinca dentro de um onibus segurando o seu dinossauro de plástico. Nessa cena, por um instante, esse garotinho olha pela janela sonhador e cheio de possibilidades. Para assegurar que essa cena exista e seja preservada em sua plenitude mágica, no resto do poema Danez Smith lista as inúmeras formas de cooptação dessa possibilidade inocente de sonhar negra por um sistema industrial cinematográfico que equivale a nossa produção audiovisual a uma série de estereótipos ou de temas e abordagens limitadores.
Pensamos essa comunicação com essa imagem e esse desejo – de que o menino negro não seja morto no fim e de que possamos sonhar – para pensar as táticas e caminhos do cinema negro brasileiro contemporâneo. Entendemos a expressão “cinema negro” como um movimento político atravessado por linhas de criação estéticas que se contaminam e se transformam. Falar nesse contexto em cinema negro é assim pensar as aberturas de possibilidade de criação (os olhos sonhadores nas janela que os filmes nos oferecem) – e não em uma classificação crítica ou acadêmica que se encerra em si.
É tratar portanto também das contradições e ambivalências que cercam esse campo. Afinal, é ou não é cinema negro o cinema um filme como “Ôrí” (Raquel Gerber, 1989)? A obra foi dirigida por uma mulher não negra, mas conduzida pelo pensamento da intelectual negra Beatriz Nascimento. Ou quando Spike Lee dirige “O Plano Perfeito” (Inside Man, 2006) – um filme que traz a discussão racial em uma perspectiva múltipla e não ancorada unicamente nas experiências negras -, o diretor estadunidensde está deixando de fazer cinema negro? E como falar dos filmes de Adélia Sampaio: que em 1980 foi produtora de “Parceiros da Aventura” (José Medeiros), um filme que reúne no elenco e nas participações especiais grande parte dos atores negros do cinema nacional da época e quatro anos depois dirige “Amor Maldito” (Adélia Sampaio, 1984) – sendo a primeira mulher negra brasileira a lançar um filme de longa-metragem -, um filme não centrado na presença ou discussão racial? Ou ainda, como pensar da perspectiva do cinema negro um filme como “Fantasmas” (André Novais Oliveira, 2010), em que o que vemos são as imagens da rua e presença das personagens está toda concentrada no plano sonoro do filme? Cada pergunta dessa abre um caminho de discussão e produção de afetos e que nos interessam mais do que o simples “isso é (ou não é) cinema negro”. Como defende Michael B. Gillespie em “Film blackness” (2016), acreditamos que trata-se menos de impor “prescrições” e mais em assumir a potencialidade como pergunta dos filmes negros. Ou seja, trata-se de mergulhar no emaranhado de discussões estéticas e políticas que se colocam em jogo quando evocamos a denominação cinema negro. O campo gravitacional mais potente para uma tentativa de definição esteja na intersecção entre: autoria, tema e estrutura. Até porque, historicamente, o cinema negro se faz e define contextualmente reformulando-se a partir de perspectivas históricas, culturais e geográficas, mas constantemente associado às lutas dos Movimentos Negros por inclusão, representação, direitos civis, autonomias nacionais e culturais, etc.
No início dos anos 2000, o cinema negro brasileiro foi movimentado por dois manifestos – O Feijoada (2000) e o De Recife (2001) -, contextualizados pelo momento de retomada da produção cinematográfica nacional e pelo problemas relacionados às desigualdades das presenças negras no audiovisual brasileiro. Cerca de duas décadas depois, acompanhamos uma geração que reivindica pelo futuro – “Manifesto do Futuro” (GALINDO, 2018) – e por outros espaços – “Manifesto pelo espaço” (no filme “Negrum3”, Diego Paulino, 2018). Tal qual o menino negro no ônibus no poema de Danez Smith, as personagens de Paulino afirmam: “Aspiramos aos cosmos pela simples possibilidade de sonhar!”.
Bibliografia
- FREITAS, KÊNIA . Cinemas Negros Brasileiros: rotas de criação e de fuga. In: CLEBER, Eduardo; D’ANGELO, Raquel Hallak; D’ANGELO, Fernanda Hallak. (Org.). O Cinema Brasileiro em Resposta ao País – 2016-2021. 1ed. Belo Horizonte: Universo Produção, 2022.
GALINDO, Bruno. “Manifesto do Futuro”. In: Sessão Aberta. Publicado em Novembro de 2018. Disponível em: https://sessaoaberta.com/2018/11/07/livre-manifesto-de-um-jovem-negro-critico-de-um-critico-negro-jovem-de-tudo-ao-mesmo-tempo/.
GILLESPIE, Michael Boyce. Film blackness: American cinema and the idea of black film. Durham: Duke University Press, 2016.
OLIVEIRA, Janaína. Kbela e Cinzas: o cinema negro no feminino, do “Dogma Feijoada” aos dias de hoje. In: SIQUEIRA, Ana [et al]. Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (catálogo). Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2018.