Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    David Ken Gomes Terao (Unicamp)

Minicurrículo

    David Ken Gomes Terao é doutorando em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas, realizando pesquisa sobre apropriações do melodrama no cinema contemporâneo brasileiro. Em 2023 realizou estágio de pesquisa na École Normale Supérieure em Paris, França. É mestre na mesma instituição com pesquisa sobre o melodrama no cinema de Christian Petzold e graduado pela Universidade Federal do Ceará. Em 2020 ministrou o curso “Um percurso pelo melodrama de Fassbinder” pela Escola no Cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    O Melodrama no Cinema Brasileiro: Gênero Fraco, Modo Forte

Formato

    Presencial

Resumo

    Compreendendo a limitação histórica e metodológica de circunscrever no cinema brasileiro o melodrama dentro da categoria de “gênero cinematográfico”, propõe-se alternativamente o uso da categoria “modo” para abordar suas particularidades. Para demonstrar sua aplicação teórica e analítica será apresentada uma análise de Eles Não Usam Black-Tie (Leon Hirszman, 1981), que representa ao mesmo tempo a conciliação entre melodrama e cinema político e a permanência deste modo em nossa filmografia.

Resumo expandido

    O melodrama foi o gênero de maior sucesso na América Latina nas décadas de 1930, 1940 e 1950, sobretudo no México e na Argentina, os dois países com a produção mais robusta, sendo fundamental para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica no continente. Isso se deu sobretudo através da relação entre o populismo latino-americano e o desenvolvimento dos cinemas nacionais.

    O mesmo não ocorreu no Brasil, onde a política de industrialização nacional de Getúlio Vargas não se estendeu para o cinema, dando preferência ao cinema educativo na forma de curtas-metragens. Esse não-investimento no longa de ficção na década, limitou em muito os recursos à produção de filmes pautados no espetáculo melodramático, favorecendo um modelo de produção mais artesanal nas chanchadas. Nisso, os melodramas foram um tipo de secundário de produção em estúdios como a Cinédia e a Atlântida, em casos de raro sucesso como foi O Ébrio (Gilda Abreu, 1946), mas num geral representando mais um tipo de filme que dava respiro entre as comédias musicais como Também Somos Irmãos (José Carlos Burle, 1949). Já na Vera Cruz houve um interesse mais reiterado no melodrama enquanto gênero, com a intenção de reproduzir um modo de produção industrial se baseando nas fórmulas de sucesso de Hollywood. Observa-se uma adesão muito mais assumida de convenções do melodrama em filmes como Caiçara (Adolfo Celi, 1952) e Floradas na Serra (Luciano Salce, 1954) como oposição ao tipo de produção artesanal das chanchadas. No entanto, se tratou de um esforço tardio de recorrer ao melodrama, uma vez que na década de 1950 o gênero chegava a um declínio no fim de uma era clássica do cinema, que dava lugar a um autorismo que buscava outras formas de representação, rejeitando os gêneros cinematográficos, sobretudo o melodrama.

    Tomando a ideia de gênero cinematográfico pela sistematização de Rick Altman (1999), para o qual o conceito abarca ao mesmo tempo a ideia de modelo, estrutura, rótulo e contrato, observa-se o reconhecimento do melodrama enquanto tal pelos produtores, críticos e pelas plateias no México e na Argentina, assim como em outros países latino-americanos. No entanto, pode-se observar que o melodrama cinematográfico embora tenha sido gênero forte no continente, teve presença fraca no Brasil nesse período de estabelecimento de convenções para produções de estúdio, o que torna sua abordagem nesses termos limitada a um corpus bastante reduzido de filmes, e uma perspectiva negativa que traz mais “poréns” que afirmações.

    No entanto, é necessário entender que a permanência do melodrama é algo que extrapola os limites restritivos da categoria “gênero”. Para isso recorro à ideia de “modo”, cuja formulação mais pertinente para o caso brasileiro, partindo de um autor latino-americano, é aquela que define o melodrama como “o modo que a fim de melhorar o sofrimento, testa a eficiência das ideias” (ZARZOSA, 2010, p. 238). Indo além da ideia de Brooks (1995) de que o modo inicialmente serve para revelar a moral oculta no cotidiano e assim tornar visível a presença do bem e do mal, Zarzosa afirma que o que ocorre através do melodrama é a redistribuição desses pólos morais, sua mediação através da encenação de seus efeitos no mundo.

    A fim de demonstrar a força que o melodrama mantém no cinema brasileiro enquanto um modo de narração e encenação, cabe uma breve análise de Eles Não Usam Black-Tie (Leon Hirszman, 1981), filme da fase final do Cinema Novo. No filme de Hirszman, posterior a ambos os momentos cinematográficos da formação dos gêneros industriais e da renascença autoral contestadora, o modo melodramático é o fator que permite apresentar a disputa de ideias em um âmbito familiar e assim mediar a dimensão do sofrimento em uma perspectiva política combativa. Este é apenas um dos casos que mostram a permanência do melodrama para além de seu estatuto de gênero, mas é um começo para discuti-lo enquanto categoria de análise dentro do cinema brasileiro.

Bibliografia

    ALTMAN, Rick. Film/genre. London: British Film Institute, 1999

    BROOKS, Peter. The melodramatic imagination. Balzac, Henry James, melodrama, and the mode of excess. New Haven: Yale University Press, 1995.

    CARDENUTO, Reinaldo. O cinema político de Leon Hirszman (1976-1981). Tese (Doutorado em Meios e Processos Audiovisuais) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014

    CATANI, Afrânio Mendes. A Vera Cruz e os estúdios paulistas nos anos 1950. In RAMOS, Fernão; SHVARZMAN, Sheila (Org.). Nova história do cinema brasileiro. São Paulo: Edições SESC SP, 2018. 2 v

    MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.

    OROZ, Silvia. Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. Rio de Janeiro: Funarte, 1999.

    ROCHA, Glauber. Revolução do cinema novo. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2004.

    ZARZOSA, Agustin. Melodrama and the Modes of the World. Discourse , Spring 2010, Vol. 32, No. 2