Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Jusciele Conceição Almeida de Oliveira (CIAC/UAGL-PT)

Minicurrículo

    Possui graduação em Letras Vernáculas (UFBA/2006). Mestre em Literatura e Cultura (UFBA/2013). Doutora em Comunicação, Cultura e Artes (UALG-PT/2018; CAPES Doutorado Pleno no Exterior). Tem textos publicados nacional e internacionalmente sobre literaturas e cinemas africanos. Coeditou o e-book Cinemas Africanos Contemporâneos – Abordagens Críticas (Sesc São Paulo, 2020). Atualmente, é investigadora colaboradora CIAC/UALG e pesquisadora do Laboratório de Análise Fílmica (FACOM/UFBA).

Ficha do Trabalho

Título

    Crioulização da língua portuguesa em filmes contemporâneos dos PALOPs

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Formato

    Presencial

Resumo

    As nações africanas vivem trânsitos constantes entre as línguas nacionais, tradicionais e crioulas e as línguas europeias, de homens e mulheres e de línguas múltiplas, reforçando e promovendo, a descolonização das telas por exibir a diversidade linguística africana e europeia, local e global, mediante a articulação entre fala, música e imagens fílmicas. Neste sentido, o presente resumo propõe pensar a questão da língua no cinema e a crioulização da língua portuguesa em filmes dos PALOPs.

Resumo expandido

    Diante dos trânsitos entre as línguas nacionais, tradicionais e crioulas e as línguas europeias, ou de matriz europeia, que comungam com as ideias de homens e mulheres e de línguas múltiplas, reforçando e promovendo a descolonização das telas por exibir a diversidade linguística local e global (africana, europeia, portuguesa, angolana, cabo verdiana e bissau-guineense) mediante a articulação entre fala, música e imagens fílmicas. Assim, selecionei os filmes Kmêdeus (Cabo Verde, 2020); Ar Condicionado (Angola, 2020); e Ex Explorador Expropriador (Filmado em Cabo Verde, 2020), Kau Berdi (Cabo Verde, 2019) e Metalheart (2019/2020); para pensar a questão da língua no cinema e a crioulização (GLISSANT, 2005) da língua portuguesa em filmes africanos contemporâneos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – PALOP (Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau). O filme Kmêdeus, falado em crioulo e português cabo-verdiano, é narrado em três atos: (I) Kmêdeus e outros Lunáticos, (II) Cinema, Carnaval e Música e (III) Memórias; e propõe inicialmente contar a história do misterioso sem-abrigo Kmêdeus (“Comer Deus”), que morava na ilha de São Vicente/Cabo Verde. Possuía essa alcunha porque professava que havia comido Deus com arroz. A insanidade e o mistério de Kmêdeus representam as múltiplas dimensões de Cabo Verde e as suas diversas identidades culturais e linguística. Não só ao que concerne ao espírito de cidade, mas também como laboratório da humanidade, já que os cabo-verdianos são “camaleônicos”, desde a língua até as suas personalidades. O filme, através dos depoimentos, danças, música e identidades, transformou uma figura comum, do povo, da rua numa representatividade de uma certa loucura local, apresentando ao espectador a loucura como tema e expressão artística do espírito da ilha. Ar Condicionado inicia com a definição do verbete (ar + condicionado; ar-condicionado) segundo o dicionário da língua portuguesa, mas escutamos no filme um português angolano, com sotaque e entonação diferentes, por vezes quase incompreensível; e ao mesmo tempo iguais com as vogais abertas que tanto caracterizam o português “afro-brasileiro”. A narrativa contextualiza o espectador na trama através do noticiário no rádio, que inclusive conjectura se não será uma “conspiração para inserir as ventoinhas (ventiladores) no mercado”, propondo soluções políticas de demissão e mudança de governo, ou que os cabo-verdianos saberiam de alguma coisa. O espectador vai juntando as informações e percebendo o enigma dos ares-condicionados: estão caindo dos apartamentos em Luanda, talvez, o suicídio dos ACs. Acompanhamos a saga da empregada doméstica Zezinha (Filomena Manuel) e o faz tudo Matacedo (José Kiteculo) para consertar o ar-condicionado do chefe. Através da música de Aline Frazão e do movimento da câmera, somos apresentados a Luanda e seus trânsitos, suas memórias do presente e do passado, às vezes, confusas e ambíguas. O cineasta do mundo “periférico” Welket Bungué – já que nasceu em Xitole (Guiné-Bissau), morou e se formou em Lisboa (Portugal), pós-graduou-se no Rio de Janeiro (Brasil) e já atuou e filmou em diversos lugares do mundo (Portugal, Cabo Verde, Brasil, França, Alemanha, entre outros) – é intenso. Por um lado, pela quantidade de filmes realizados, no seu canal no YouTube, há muitos filmes, em português de Portugal, Brasil e Guiné-Bissau, crioulo e inglês; por outro, pelas suas falas (entrevistas e conversas) sobre estética, crítica e teoria do cinema, inclusive com a proposta conceitual e epistemológica sobre a ideia de “periférico” e “autorrepresentação”. Os filmes de Welket tratam de temáticas e questões políticas (disparidades sociais e urbanísticas, (anti)racismo, diásporas, violências físicas e culturais) contemporâneas dos diversos países por onde passa, acima de tudo propondo mostrar perspectivas diversas e multiplicidades de interpretações, a partir de uma mesma história, como nos filmes Ex Explorador Expropriador, Kau Berdi e Metalhear.

Bibliografia

    ACHEBE, Chinua. A educação de uma criança sob o protetorado britânico: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

    Ar Condicionado. Dir: Fradique. Prod: Jorge Cohen. Angola: Geração 80, 2020. 72 min.

    BAMBA, Mahomed. A ‘irrupção do Outro’ no campo do discurso teórico sobre os cinemas pós-coloniais africanos. In. Cartografias da subalternidade: diálogos no eixo sul-sul. Salvador: EDUFBA, 2014, p.77-97.

    ESTEVES, Ana Camila; OLIVEIRA, Jusciele C. A.; LIMA, Morgana Gama. De corpos periféricos ao cinema de autorrepresentação: entrevista com Welket Bungué. In: Rebeca. A. 9, n.1, 2020, p.293-310.

    GLISSANT, Édouart. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005.

    Kmêdeus. Dir: Nuno Miranda. Prod: Pedro Soulé. Kriolscope: Cabo Verde, 2020. 52 min.

    OLIVEIRA, Jusciele. “Precisamos vestirmo-nos com a luz negra”: uma análise autoral nos cinemas africanos – o caso Flora Gomes. (TESE). Faro/PT: Universidade do Algarve – CIAC-UALG, 2018.