Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Catarina Andrade (UFPE)

Minicurrículo

    Professora do Departamento de Letras/UFPE. Professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Letras PPGL/UFPE e Comunicação PPGCOM/UFPE e da Pós- graduação Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual, da Unicap. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Laboratório de Experiência, Visualidade e Educação (LEVE). Autora, entre outros, do livro: Corpos e paisagens – construção de memória e identidade em imagens e narrativas do cinema de Claire Denis e Abdellatif Kechiche (Estronho, 2020).

Ficha do Trabalho

Título

    Reflexões sobre os processos de ficcionalização em imagens Tikmu’un

Seminário

    Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta comunicação reflete sobre as imagens produzidas pelos realizadores Suely e Isael Maxakali a partir das noções de Rancière (2012) sobre os processos de ficcionalização. Partimos do cinema como ferramenta cosmopoética de invenção do comum, numa perspectiva anti e decolonial, como espaço para outras releituras e interpretações de mundo. Perguntamos se, e de que modo, essas imagens podem, de um lado, produzir uma memória coletiva desses povos, e do outro, re-situar a experiência do espectador.

Resumo expandido

    Nesta comunicação investiremos uma análise sobre as imagens produzidas pelo povo indígena Tikmu’un, particularmente pelo casal de realizadores Suely e Isael Maxakali – os filmes Quando os yãmiy vêm dançar conosco (2011), Yãmiyhex: as mulheres-espírito (2019), Nuhu yãgmu yõg hãm: essa terra é nossa! (2020), e o livro de fotografias Koxuk Xop – Imagem: fotógrafas Tikmu’un da Aldeia Verde (2009) -, a partir das noções de Jacques Rancière sobre os processos de ficcionalização (2012), e a noção de cena (2020). Para tanto, prosseguimos num percurso de investigação em que tomamos o cinema como ferramenta cosmopoética de invenção do comum, dentro de uma perspectiva anti e decolonial.
    Entendemos as imagens – sobretudo no espaço fílmico, mas também no fotográfico – como potencialidades de instauração de outras realidades, de aberturas (fraturas) de outras releituras e interpretações de mundo, de invenção e intervenção do e no mundo. Perguntamos, a partir dessas imagens dos povos indígenas e, especificamente do povo tikmu’un, se, e de que modo, elas produzem uma memória e uma história, partindo de processos de encenações de rituais e seus registros, e se podem re-situar a experiência do espectador, na medida em que são articuladas fora de uma lógica da representação.
    Segundo André Brasil, “[o]s filmes tikmu’un são econômicos, concisos; opacos e cerrados: eles não permitem que o visível avance fluentemente sobre o invisível. […] sua precariedade e sua abertura levam-nos a uma inaudita região do sensível” (BRASIL, 2020, p.158-159). Outra característica importante deste cinema são os planos longos e a forma da “participação dos cineastas”. Ao passo que são narradores e operadores de câmera, também são parte da comunidade, oscilando entre participantes da experiência e buscando um certo distanciamento para apreender o ritual com a câmera. Ainda, são filmes que atualizam o ritual a partir da encenação. Trata-se de imagens que atestam uma sobrevivência desses povos, alvo de extermínio de uma política da desigualdade e da devastação. As imagens fazem referência a relações dos indígenas com o homem branco – e com o entorno da aldeia, ou seja, um mundo completamente apartado do inígena, em vários sentidos -, colocando em cena a resistência, a sobrevivência e, sobretudo, a re-existência (ALBÁN, 2013).
    O livro de fotografias realizadas por um grupo de mulheres tikmu’un de Aldeia Verde é um dos resultados do projeto Imagem-Corpo-Verdade: trânsito de saberes maxakali, iniciado e dirigido por Rosângela Pereira de Tugny em diversas aldeias e com o objetivo de que os próprios tikmu’un apresentassem sua cultura a partir dos trabalhos aventados pelo projeto. As imagens do livro são fruto da percepção das mulheres Maxakali e seu encontro com a câmera fotográfica introduzida na aldeia por Ana Alvarenga dentro do âmbito do projeto. Segundo a psicanalista Françoise Davoine, no prefácio do livro, “elas tomaram posse da câmera para dela fazer um uso de ferramenta – integrada ao rito: mostrando o que não se pode dizer no limite dos discursos construídos” (p.12, 2009). Para Davoine, essas imagens “testemunham a memória de um passado devidamente arrancado, mas que a exterminação não pode apagar” (idem).
    Desse modo, queremos investigar o modo como a alteridade é encenada e a cena é instaurada, promovendo um comum mediado pelas imagens. É importante salientar que pensaremos os processos de ficcionalização nessas imagens na esteira de Rancière, ou seja, reconhecendo que “ficção não é criação de um mundo imaginário oposto ao mundo real. É o trabalho que realiza dissensos, que muda os modos de apresentação sensível e as formas de enunciação, mudando quadros, escalas ou ritmos, construindo relações novas entre a aparência e a realidade, o singular e o comum, o visível e sua significação” (Rancière, 2012, p.64). Assim, queremos pensar essas imagens como uma forma de vida, como uma forma de re-existência e memória.

Bibliografia

    ALBÁN, Adolfo. Pedagogías de la re-existencia, artistas indígenas y afrocolombianos. In: WALSH, Catherine. Pedagogías decoloniales: Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo 1. Quito: Abya Yala, 2013.
    ALVARENGA, Ana. Koxuk Xop – Imagem: fotógrafas Tikmu’un da Aldeia Verde. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.
    BRASIL, André. Ver por meio do invisível: o cinema como tradução xamânica. In: Novos estudos, São Paulo, v.35, n.3, p.125-146, 2016.
    GUIMARÃES, César. Imagens da memória – entre o legível e o visível. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997.
    GUIMARÃES, César. O que é uma comunidade de cinema? Revista Eco Pós , V.18, N.1, 2015.
    RANCIÈRE, Jacques. O método da cena. Belo Horizonte: Quixote Do, 2021.
    RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: WMF, 2012.
    TUGNY, Rosângela. Um fio para o ĩnmõxã: aproximações de uma estética maxakali. Colóquio de Etnomusicologia da Unespar/FAP: Etnomusicologia, Universidade e Políticas do Comum. Anais, 2013. 58–76.